Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sábado, 7 de dezembro de 2013

Natal é a novidade que construímos a cada dia!

Eu acredito em Papai Noel que, como dizia para meus filhos quando deixavam de acreditar na figura mitológica, existe em cada pessoa que é generosa, que se importa com as outras, gosta delas, quer que vivam bem, dá presentes por carinho, quer vê-las felizes.

Eu acredito que Jesus nasceu em uma manjedoura, na periferia de Belém, porque Deus quis mostrar que, se havia algo de novo possível de ser construído, seria a partir dos pobres e não dos ricos e poderosos; que fazer o bem não é uma qualidade divina, mas humana e se fez homem para nos mostrar isso e para não dizermos que ele era bom porque era divino.

Por isso eu acredito que o Natal nós fazemos agora, a cada dia em que favorecemos a cidadania dos pobres. Pobres economicamente, mas ricos em relações humanas, em economia solidária, em sabedoria da cultura popular. Por isso eu acredito no desenvolvimento comunitário e de suas organizações.

Neste Natal, quero celebrar com todos aqueles que se juntaram, em 2013, em ações cotidianas de desenvolvimento comunitário, aqueles que não mantiveram avaramente para si os seus conhecimentos e práticas, mas partilharam para que o máximo de pessoas e comunidades pudesse ser favorecido por elas.

Quero celebrar com as pessoas que, em 2013, visualizaram as páginas deste blog mais de 7 mil vezes, a partir de 54 países, lendo, divulgando, comentando e expondo suas ideias e experiências de trabalho com comunidades.

Que o Natal continue acontecendo, que Jesus continue “nascendo de novo” nos atos de cada um que, como ele, traz boas notícias e boas novidades para o mundo em que vivemos, para termos assim um 2014 novo! Como ele disse: “Bem aventurados aqueles que têm boa vontade”!!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Como a execução de projetos pode fortalecer alianças e parcerias



Nos dias 27 a 29 de novembro, foi realizada em Alter do Chão, Santarém-PA, a Oficina de Lideranças Indígenas e Associações Parceiras para fortalecer a articulação dos representantes indígenas entre si e destes com as instituições parceiras convidadas, que vêm atuando na temática da Gestão Territorial e Ambiental junto às comunidades dessas TIs, tendo em vista a execução do projeto Construindo Nossos PGTAs: Mobilização e Diagnóstico Socioambiental nas TIs Parque Do Tumucumaque, Paru D’este, Trombetas/Mapuera e Nhamundá/Mapuera, de dezembro de 2013 a novembro de 2014.


Estiveram presentes diretores de 6 associações indígenas e caciques dos povos Tiryió. Kaxuyana, Txikuyana, Waiana, Apalai, Waiwai e Hixkariana, das 4 Terras Indígenas localizadas no Amapá, Pará e Amazonas, que participarão do projeto, além do Iepé Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, da Equipe de Conservação da Amazônia – ECAM, Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI, que financia o projeto e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

Além desse projeto ser uma excelente oportunidade para o desenvolvimento da Associação dos Povos Tiryió, Kaxuyana e Txikuyana – APTIKATXI, proponente do projeto, como já foi relatado aqui, vejo que é também uma oportunidade para o fortalecimento de alianças e parcerias dessa associação e dos povos que ela representa com outras organizações indígenas e indigenistas.


Após a abertura e apresentação dos participantes, o presidente da APITIKATXI fez uma apresentação do projeto para que todos conhecessem e entendessem bem seus objetivos, atividades e metodologia. Denise, coordenadora do Programa Tumucumaque do Iepé, explicou a importância dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental para os povos indígenas. Explicou também a metodologia, participativa, que será utilizada para a realização dos diagnósticos nas aldeias e da reunião dos caciques em cada região de abrangência do projeto. Disse também que cada organização parceira participará com a sua especialidade: antropólogos, gestores, cartógrafos, etc. Mostrando o mapa da região, lembrou das relações de parentesco e comerciais tradicionais entre os povos agora confinados em terras demarcadas. Demétrio, presidente da APITIKATXI, lembrou que a existência de terras demarcadas é uma coisa nova para os índios que, antes viviam livres como passarinhos em territórios não demarcados e ressaltou que este, além de outro projeto em execução, é um importante meio de reaproximação desses povos.

 Cada associação indígena envolvida com o projeto será responsável pela execução das atividades locais. Elas foram apresentadas e seus diretores, acompanhados dos caciques da área de abrangência de cada uma, refletiram e depois apresentaram quais são as providências que precisam tomar para organizar as atividades do projeto; se estão preparados para desenvolver essas atividades; quais são as dificuldades que enfrentarão e como essas dificuldades podem ser superadas. Foi agendada uma rodada de consultorias em desenvolvimento organizacional para colaborar com a organização de cada uma das associações para a execução das atividades.

Ao discutir sobre a contrapartida exigida pelo financiador do projeto e que a associação e as comunidades também precisarão contribuir com trabalho para a realização das atividades do projeto que, como foi falado por várias lideranças, é muito importante para pensar o futuro das terras indígenas para eles, seus filhos e netos, ficou claro que não se trata de um projeto assistencialista, mas de uma união de esforços para atingir objetivos. Para conversarem em suas aldeias, para estimular o máximo de participação das pessoas, inclusive de quem ajudará no diagnóstico, será barqueiro ou cozinheiro, foi sugerido que digam que há muitas pessoas e organizações dando sua contribuição para esse trabalho. Qual é a contribuição que cada aldeia dará?
Todos demonstraram satisfação com a proposta e foram para casa animados com o projeto. Um dos caciques disse: “Este projeto vai ser nosso dever daqui para frente. É para isso que as lideranças estão aqui. Também para não ter dúvidas. É nosso dever repassar para as outras lideranças o que foi discutido aqui. Vamos ter assembleia em dezembro e vamos aproveitar para falar sobre isso.” Outro falou que “A maior preocupação nossa é com a terra. Terra dá vida. Precisamos ajudar nossos netos a ficarem felizes no futuro. Não é só dinheiro que é importante. Estamos aqui, discutindo juntos para resolver nosso problema. Esse projeto é importante. Isso fortalece o nosso trabalho. Isso fortalece a nossa união.”

Apesar da elaboração do projeto ter sido com a participação apenas da APITIKATXI, diretores das outras associações e os caciques receberam informações qualificadas, falaram e questionaram livremente, esclareceram suas dúvidas, entenderam a importância do projeto para o futuro de seus povos e o assumiram como deles também. Entenderam que além de atingir seus objetivos diretos, o projeto ainda aproxima os povos envolvidos, agrega pessoas e organizações em parcerias em que não há o melhor ou o pior, mas cada um com a sua especialidade, cada um com o seu papel para executar o todo. Este aprendizado e fortalecimento certamente impactará em ações futuras.


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Associações comunitárias também fazem Gestão da Informação?



Apesar do foco da oficina para as associações do Parque Indígena Xingu – PIX, no Mato Grosso, ser a administração financeira, o terceiro módulo, realizado nos dias 18 a 23 deste mês, no Diauarum, foi a elaboração de cartas, relatórios e atas, além do arquivo de documentos, físicos e digitais. Participaram 28 representantes de 8 associações.

Dado o relacionamento histórico dos índios e suas organizações com órgãos do governo, como a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade - ICMBio, secretarias de educação, saúde, entre outros, assimilaram o ofício como forma de correspondência. Foi esclarecido que ofício é uma correspondência oficial, utilizada apenas por órgãos governamentais. Pessoas jurídicas privadas como as associações, utilizam cartas para se comunicar com outras organizações privadas ou públicas.

Exercitaram primeiro a elaboração de carta pessoal, que não tem um formato padrão, usamos linguagem informal, na qual tratamos qualquer assunto, inclusive os íntimos. Em seguida elaboraram uma carta comercial, depois de terem tomado contato com seu formato padrão, linguagem formal, na qual tratamos apenas assuntos de trabalho. As cartas foram lidas e comentadas para corrigir eventuais deslizes de linguagem, formato e para garantir a clareza do que era exposto: um pedido, uma informação ou um convite.


Um relatório também tem formato livre, uma linguagem mais coloquial e nele podemos fornecer mais detalhes de uma reunião, encontro, assembleia, curso, etc. É uma forma muito importante de registrar o evento para o próprio participante, para informar as pessoas ausentes e ir construindo a memória das atividades realizadas pela associação ou em que um ou mais dos seus membros participou. Os relatórios parciais serão importante fonte para elaborar relatórios de atividades de projetos para os financiadores ou relatórios institucionais, divulgando as ações da associação para financiadores, parceiros e público em geral. Como exercício, fizeram o relatório da oficina, que também foi lido e comentado para aprimoramento. Refletimos que, quando alguém da associação faz uma oficina como esta, por exemplo, não faz relatório e não divulga para ninguém, o que foi aprendido fica só com ele. Com a elaboração e divulgação de relatórios, mais pessoas terão acesso a essas informações. Mesmo depois de anos, pessoas que venham a trabalhar na associação poderão ter acesso à sua história através desses documentos. É uma forma de acumular os conhecimentos e experiências da associação.  Quando esse conhecimento fica disperso entre várias pessoas acaba muitas vezes se perdendo quando elas deixam de trabalhar na associação, fazendo com que sempre se “comece do zero” quando troca diretoria, por exemplo. Elaborar, guardar e divulgar relatórios ajuda no desenvolvimento da associação.

Depois de comentados e corrigidos os relatórios, elaboraram uma ata, que é um registro formal, com formato, início e encerramento padrões, mais conciso, sem uso de parágrafo ou intervalos de espaço. É utilizada, por exemplo, para relatar assembleias e devem ser registradas em cartório, principalmente quando houver eleição de diretoria ou alteração do estatuto.

A elaboração de cartas, relatórios e atas, além de boletins e publicações são as formas mais comuns da associação produzir e disseminar informações.

Para conhecer melhor uma das técnicas e a importância do arquivamento de documentos, foi feita a leitura dialogada do capítulo 5 do livro Associação é para fazer juntos: Como guardar e conservar os documentos da associação. Foi comentada a importância da organização tanto dos documentos legais, trabalhistas e tributários da associação, relatórios de projetos, como também relatórios, publicações e outros materiais fornecidos em cursos, encontros, seminários, reuniões, entre outros eventos que normalmente participam. Isso vale tanto para arquivo físico (impresso) como para os arquivos digitais. É muito comum que os impressos fiquem em casas de diferentes diretores e lideranças. Os documentos digitais ficarem em diferentes computadores, inclusive notebooks pessoais. Em geral esses documentos não são centralizados pelo secretário ou outra pessoa da associação e não é raro que venham a se perder, levando consigo boa parte da história e da experiência da associação que acaba nunca se acumulando. Além de centralizar os documentos digitais para mantê-los organizados e disponíveis para todos que precisarem deles, é muito importante fazer uma cópia de segurança em CDs ou HD externo para garantir que os documentos não se percam em caso de algum problema com o computador.

É também nesses eventos, entre outras formas, que a associação coleta informações, criando um acervo importante para suas consultas sobre temas relacionados ao seu trabalho.

No exercício sobre arquivamento utilizamos uma caixa de papelão com documentos que estava numa sala onde é guardado o arquivo inativo de uma das associações participantes da oficina. O primeiro passo foi uma triagem dos documentos que interessava continuarem guardados e o descarte dos que não interessavam. Em seguida foi feita uma separação por tipo de documentos. Foram encontrados folders e publicações que deveriam ser distribuídos e que ficaram ali, esquecidos. Também foram encontrados documentos contábeis, que deveriam estar sob a guarda do tesoureiro, junto com os demais documentos de projetos e atividades. Outros documentos encontrados eram relatórios e publicações sobre diversos temas de interesse da associação. Depois de organizados em pastas por temas e envelopes plásticos por subtemas, refletimos que um arquivo bem organizado não só conserva mais os documentos e facilita o manuseio, como também dá uma idéia mais clara sobre os documentos que a associação tem, tornando-os disponíveis para consulta e utilização. A partir disso, foi repensado se aqueles materiais deveriam estar no arquivo inativo ou se deveriam ser deixados mais à mão de quem precisasse consultá-los.


Para manter o arquivo bem organizado é importante que uma pessoa seja responsável por ele. Tendo mais familiaridade com a forma como os documentos estão organizados, pode arquivar outros da mesma forma e encontrar facilmente qualquer documento que alguém precise. Daí a importância de escolher também pessoas com gosto, habilidade e disponibilidade para essa tarefa para ser secretário da associação.

Ao final, foi comentado que as grandes associações, governo e empresas chamam de Gestão da Informação a esse processo de produzir, coletar, processar, armazenar e disseminar informações. Para essas grandes organizações esse trabalho é mais complexo e precisa de especialistas, mas a resposta para a pergunta do título é: sim, as associações comunitárias também fazem gestão da informação. As informações são fundamentais para a associação desenvolver bem suas atividades, participar de forma qualificada das discussões do movimento social, de conselhos, reivindicar políticas públicas, formar novas lideranças e discutir nas comunidades sobre o que está acontecendo. Se ainda não fazem isso bem, em geral é porque não foram alertadas e nem preparadas para isso. Cabe às organizações apoiadoras oferecerem a oportunidade e certamente vão aprender, crescendo também neste importante aspecto do desenvolvimento organizacional.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Como a execução de projetos pode contribuir para o desenvolvimento organizacional



Já tratamos aqui como é limitador e equivocado pensar que as associações são criadas para conseguir dinheiro através de projetos. Projetos viabilizam recursos e recursos são meios para desenvolver atividades, necessárias para atingir objetivos. Por outro lado, já tratamos também como a elaboração de projetos pode contribuir para o desenvolvimento organizacional de associações, ao proporcionar oportunidade para refletir sobre seus objetivos, estratégias de trabalho, organização interna e relacionamento com as comunidades. Da mesma forma, a execução de projetos também tem uma grande contribuição a dar, dependendo de como ela é feita e da relação estabelecida com os parceiros.

Nesta semana, de 11 a 14 de novembro, estive reunido com diretores da Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana – APITIKATXI, caciques e outras lideranças, além da equipe do Iepé Instituto de Pesquisa e Formação Indígena em Macapá, que me convidou para esse trabalho, para iniciar a organização da execução de um projeto liderado pela APITIKATXI, que envolve 4 Terras Indígenas e 7 povos, com suas 5 associações.

A execução do projeto “Construindo nossos PGTAs: Mobilização e Diagnóstico Socioambiental na TIs Parque do Tumucumaque, Paru d’Este, Trombetas/Mapuera e Nhamundá/Mapuera”, financiado pelo Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PEDPI, do Ministério do Meio Ambiente, é um desafio para a APITIKATXI que, nos seus 9 anos de existência, executou alguns projetos de forma intermitente; tem uma diretoria relativamente nova, não tem funcionários e tem contado com o apoio de parceiros, em especial o Iepé e Equipe de Conservação da Amazônia - ECAM para a sua manutenção e para realizar suas atividades quotidianas.

Inicialmente fizemos uma reunião com algumas pessoas do Iepé e diretores da APITIKATXI, para alinhamento da pauta. Nos outros três dias se juntaram a nós alguns caciques e lideranças.

A primeira atividade foi tornar o projeto conhecido por todos. Com calma, fazendo tradução para os caciques e interrompendo sempre que necessário para aprofundar a discussão, foi feita a leitura do projeto.

Esclarecemos as exigências do financiador para a execução técnica e financeira do projeto, destacando como seriam feitos os desembolsos, que os recursos só podem ser utilizados para despesas que constam no orçamento, a necessidade de fazer licitação e de ter comprovantes de despesas válidos contábil e legalmente.

Comprovando que o contador é também um assessor contábil, contamos com a presença da contadora da associação para esclarecer os procedimentos, encargos e benefícios que devem ser pagos para a contratação do assistente administrativo. Um Termo de Referência foi elaborado coletivamente para receber currículos; uma comissão de seleção foi formada com o Cacique Geral, o presidente da associação e dois da equipe do Iepé. Foi bastante discutida a necessidade de definir bem o perfil profissional e fazer uma boa seleção, não cedendo à tentação de contratar alguém porque é parente ou amigo, para ter um funcionário realmente adequado para desenvolver bem as atividades.

Um projeto sempre tem um impacto em uma associação. Foi feita a divisão de tarefas entre os presidente e o tesoureiro: quem faz a articulação com as organizações parceiras e demais associações indígenas, quem cuida da administração e supervisiona o trabalho do assistente, para que possam também continuar com as outras atividades da associação. Foram definidos o local, equipamentos e materiais necessários para o trabalho do assistente.

Foi preparada a próxima reunião, que contará com a presença também de diretores e lideranças das outras 4 associações indígenas envolvidas com o projeto e organizações parceiras, governamentais e não governamentais, para que o envolvimento delas seja também qualificado e para que a governança seja definida coletivamente.

Muitas vezes uma associação entra só com o nome em um projeto. Na verdade, quem escreveu, negociou com o financiador e irá coordenar a execução é uma organização “apoiadora”. Ao final, a associação tem apenas mais um projeto para incluir nas suas experiências. Resultado bem diferente é conseguido quando participa efetivamente de todas as fases de sua execução. É uma excelente oportunidade para amadurecimento. Nesta mesma reunião foi definido qual é o papel da APITIKATXI e qual é o papel dos parceiros e mesmo o meu como consultor.

O assistente administrativo, mesmo que tenha experiência nesse trabalho, precisará aprender, por exemplo, como se prepara a logística de uma reunião ou oficina com a APITIKATXI, com as associações indígenas e organizações parceiras. É diferente de outros lugares e organizações. Então, principalmente para a reunião de abertura, em fevereiro do ano que vem, vai contar com ajuda de quem já tem experiência, depois que for aprendendo pode ir fazendo sozinho. Vai pedir ajuda só quando precisar. Mesmo que já tenha feito prestação de contas de outros projetos, vai precisar aprender como fazer a prestação de contas deste projeto para o PDPI. Cada projeto e com cada financiador é diferente. Principalmente nas primeiras cotações de preços, compras, pagamentos e prestação de contas, vai ter alguém para fazer junto, para aprender. Depois vai fazendo sozinho. Vai ter alguém à disposição para tirar dúvidas ou ajudar quando for preciso. No final, talvez só seja necessário conferir o que já foi feito. Tanto a APITIKATXI como as demais associações vão contar com a minha assessoria em alguns momentos em que ela for necessária. Isso vai ser definido na próxima reunião.

Não precisar mais da organização parceira para tarefas administrativas, captação de recursos, entre outras, não significa que não precisa mais de parceria com ela. Significa que está deixando de depender e passando a trabalhar junto. Viabilizar recursos, projetos, fazer documentos, organizar atividades é “pegar na mão e ir ajudando a fazer as coisas, como os pais fazem com as crianças”. Parceiro não é como pai e mãe cuidando de filho. É como marido e mulher: são adultos, cada um sabe e pode fazer uma coisa diferente e, juntos, conseguem o que precisam e atingem seus objetivos. Esse é o grande aprendizado que a APITIKATXI pode ter com esse projeto: se organizar melhor, aprender a fazer as coisas, ganhar autonomia e ser um parceiro mais forte, inclusive para o Iepé. Vai ser muito bom para o Iepé ter uma associação indígena forte para trabalhar em parceria em muitas coisas que podem ser feitas aqui na região.

Concordando, o presidente da associação disse que acha muito importante aprender que devem depender menos dos outros: “Um pai que cuida do filho 10 anos, 20 anos, 30 anos, uma hora fica cansado e não quer cuidar mais. Por isso, precisamos ir levantando, andando devagar e, aos poucos, andar sozinhos”.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Índios do Xingu aprendem a usar planilhas eletrônicas para elaborar relatórios financeiros



Nos dias 21 a 26 de outubro, facilitei a segunda oficina de Administração Financeira para Associações do Parque Indígena Xingu, no Posto Indígena Wawi, com o apoio de Renato Mendonça e Maria Beatriz Monteiro, da equipe local do Instituto Socioambiental - ISA.

O uso de planilhas eletrônicas para a elaboração de relatórios financeiros não é novidade para algumas daquelas associações, mas em alguns casos dependiam da ajuda de assessores, principalmente para a formatação. Em várias ocasiões me disseram que queriam aprender como fazer as tabelas, inserir as fórmulas, etc. A oportunidade surgiu com essa oficina, promovida pela Associação Terra Indígena Xingu – ATIX e o ISA.

Da programação constava formatação da planilha, elaboração de Plano de Contas, lançamento de receitas e despesas, gestão de caixa e banco, conciliação bancária, leitura e interpretação do relatório.

Com 11 computadores disponíveis, 24 representantes de 9 associações se dividiram em grupos. Com auxílio de um projetor multimídia eram dados exemplos e orientações do que fariam em seguida. Durante as atividades foram orientados por mim, Bia e Renato, além do Tari, indígena que ajudei na capacitação há anos atrás, quando trabalhava na ATIX e que tem orientado vários outros.


Iniciaram pela formatação das grades para o resumo consolidado e as tabelas mensais para lançamento de receitas e despesas de caixa e banco separadamente. Em seguida inseriram fórmulas para totalização das receitas e despesas, puxar o saldo anterior do respectivo mês, calcular o saldo atual; no resumo, inseriram fórmulas para consolidar os lançamentos de cada rubrica e calcular a situação de caixa.

Aprenderam o que é conta ou rubrica e como fazer um Plano de Contas, utilizando códigos para viabilizar o funcionamento da planilha. Fizeram lançamentos com comprovantes de receitas e despesas de algumas associações presentes e conferiram, inserindo no resumo uma fórmula para somar o saldo de caixa e de banco de dezembro e subtrair o saldo atual do resumo. Nos casos em que o resultado não foi zero, foram conferir as fórmulas inseridas para corrigir.

Depois de terem feito isso uma vez, fizeram tudo novamente, sem orientação, para fixarem os conhecimentos adquiridos.

A conciliação bancária foi explicada e demonstrada para todos executando um exemplo com auxílio do projetor.

Por fim, fizemos uma análise do relatório financeiro de um projeto de uma das associações, analisando a execução de cada rubrica e a execução total do projeto, destacando que isso deve ser feito regularmente pela diretoria da associação para poderem tomar providências para refrear gastos excessivos, agilizar a execução de atividades, negociar o remanejamento de recursos remanescentes.

Foi uma experiência muito gratificante que, mais uma vez, comprovou que o conhecimento pode ser adquirido por todos, basta que se torne acessível. Os participantes saíram da oficina muito animados com as novas possibilidades da autonomia conquistada.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Oficina sobre administração financeira para associações do Parque Indígena Xingu



Nos dias 10 a 18 deste mês facilitei em Canarana-MT a primeira de uma série de três oficinas sobre Administração Financeira de Associações. Promovida pelo Instituto Socioambiental – ISA e Associação Terra Indígena Xingu – ATIX, reuniu representantes de 13 associações do Parque Indígena Xingu. Estavam presentes representantes de vários povos que vivem no PIX: Kisedje, Yudja, Kayabi, Waurá, Kuikuro, Mehinako, Matipu, Ikpeng, Trumai, Kamayurá e Nafukuá.


Boa parte dos participantes era formada de presidentes, secretários e tesoureiros das associações, o que potencializa os resultados da oficina, já que são eles que efetivamente estão envolvidos na gestão das associações e podem utilizar os conhecimentos e práticas adquiridos.

Ao perguntar sobre as expectativas com relação à oficina, chamou a atenção que, diferente de outros grupos que apresentam expectativas genéricas, a maioria apresentou aspectos objetivos e relacionados aos objetivos da oficina, o que demonstra que foram bem articulados e informados antes de aceitarem participar. Tinham uma grande clareza sobre o que precisavam para vencer desafios que estavam enfrentando: conhecer o trabalho sobre o setor financeiro, aprender como gerenciar uma organização comunitária, aprender a fazer plano de gasto do dinheiro, conhecer e aprofundar mais o conhecimento sobre os conceitos básicos de administração financeira, aprofundar meu conhecimento para alcançar as expectativas da comunidade, entender melhor sobre a administração financeira na associação, para que possamos aplicar melhor o recurso conforme a necessidade do povo, como devo trabalhar com a associação junto com a comunidade.

De acordo com a programação, tratamos da natureza jurídica de uma associação; o funcionamento, atribuições e comunicação entre os órgãos de administração; os documentos que a associação deve manter atualizados; trabalho com o contador; conceito e práticas de administração financeira; documentos válidos para comprovação de receitas e despesas; contratação de pessoal; obrigações fiscais e acessórias.

Cabe destacar a leitura e esclarecimentos sobre o capítulo do Código Civil que trata das associações e a possibilidade de estruturarem e definirem o funcionamento da associação de forma bastante próxima de sua cultura tradicional. Tiveram a oportunidade de começarem a sistematizar procedimentos administrativos, levando em conta a atual realidade de cada uma das associações. Exercitaram a elaboração de orçamento. Refletiram sobre a necessidade e importância do trabalho do contador e sua relação com os diretores da associação. Foram conversar com os profissionais que contratavam para aprimorar o trabalho conjunto. Leram nos próprios estatutos as atribuições de cada órgão de administração e pensaram em como melhorar seu funcionamento. Foi ressaltada a importância do Conselho Fiscal como controle social do uso dos recursos da associação e sua atuação efetiva foi tratada como mecanismo de aprimoramento da gestão. Entenderam a diferença da gestão de um projeto e de um empreendimento comunitário. Foram estimulados a considerar mais as potencialidades dos recursos naturais, dos conhecimentos tradicionais e dos conhecimentos não indígenas que têm acesso para a sua sustentabilidade no Parque Indígena Xingu.

Na avaliação apresentaram também, igualmente de forma objetiva e bastante focada, o que esperam que seja trabalhado na próxima oficina, prevista para outubro: a gestão dos recursos de projetos e de empreendimentos comunitários: execução financeira dos orçamentos dos projetos, administração de fluxo de caixa de empreendimentos comunitários, como fazer e utilizar planilhas eletrônicas para a gestão dos recursos partindo das situações vivenciadas pelas associações.




segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Algumas notícias muito boas e outra nem tanto...



A notícia boa é que livro Associação é para fazer juntos tem sido muito bem aceito pelas pessoas que trabalham com o desenvolvimento de associações, por consultores e lideranças comunitárias. Pela sua abordagem e linguagem tem sido útil de várias formas



Nesse pouco mais de um ano e meio desde sua publicação tem sido utilizado como material didático em cursos e oficinas, onde tem dinamizado a transmissão de conteúdo através de leituras dialogadas e dramatizações. Lideranças comunitárias têm utilizado para fazer reuniões com associados para discutir o papel e importância de suas organizações. No Amazonas e Ceará, grupos de teatro amador fizeram pequenas peças de teatro e apresentaram em comunidades ou assembleias.

A partir da publicação e sua utilização foi criado este blog que já teve quase seis mil visualizações de página, a partir de 48 países.

O mais animador disso tudo é que pessoas e organizações estão levando o debate sobre as associações para onde ele deve acontecer, as comunidades.

A notícia não muito boa é que a versão impressa do livro está esgotada. Esperamos que em breve tenhamos novamente esse material disponível. A versão digital continua disponível no site http://www.iieb.org.br/index.php/publicacoes/?ccm_paging_p_b1746=2

Agradeço a todos que têm apostado nesta proposta de trabalho com as organizações comunitárias, utilizando o livro, lendo e divulgando o blog e, principalmente, contribuído para que as associações se desenvolvam de forma soberana. Continuamos ainda mais animados o nosso trabalho!

domingo, 18 de agosto de 2013

Livro vira teatro no Ceará



Antonio Elder de Souza, da União das Associações de Barbalha – UNAB, do município de mesmo nome no Ceará, foi um dos participantes do Curso de Elaboração de Projetos de Temática Ambiental, com enfoque no fortalecimento institucional/gestão de organizações, promovido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN.

A UNAB congrega associações de pequenos produtores, ambientalistas e universitários do município.

O diagnóstico e planejamento participativos, atividade do primeiro intermódulo do curso, segundo relato de Elder,  foi realizado em cada um dos distritos e no centro urbano e depois sistematizado em um Congresso Extraordinário da organização.

Disse que gostou do conteúdo e da linguagem do livro Associação é para fazer juntos, utilizado como texto base no curso, e quis aproveitá-lo para fazer o seu trabalho. Estimulou dirigentes de associações e sindicatos, com quem têm parcerias a adquirirem e utilizarem o livro em suas associações. Disse que vários compraram o livro impresso e outros fizeram download da versão digital e estavam utilizando.

Relatou também que o grupo de estudantes universitários de artes cênicas, com quem trabalham, montou uma peça de teatro com trechos dos primeiros capítulos, que falam da associação como forma de se organizar, como criar uma associação e os problemas enfrentados apresentados no “Deu bicho no jequitibá”. A peça foi apresentada nas reuniões dos distritos de Arajara, Estrela e Caldas e da cidade, além do Congresso. A encenação foi uma forma mais dinâmica de transmitir informações importantes sobre essa forma de organização e as atividades que estavam sendo desenvolvidas naquele momento, além de estimular o debate sobre o futuro daquelas organizações e ajudar a fazer de forma mais participativa o diagnóstico e o planejamento.

É um processo, que será concluído até o final do ano para planejar 2014.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

"Associação de fato é para fazer juntos. Não tem outro jeito."



Com essa frase uma das participantes terminou sua avaliação sobre o Curso Captação de Projetos de Temática Ambiental, com enfoque no fortalecimento institucional/gestão de associações, promovido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN, que teve seu último módulo realizado nos dias 06 e 07 de agosto,  em Brasília.


Nestes três módulos, realizados em maio, junho e agosto, procuramos não só repassar as técnicas para elaboração de projetos, mas uma metodologia de trabalho para a associação diagnosticar as suas necessidades e de seus associados, planejar e buscar juntos recursos de forma participativa. Cada módulo presencial foi seguido de um período de trabalho nas comunidades para a prática das atividades aprendidas. Outro diferencial foi o curso não ser apenas um momento de formação, mas já iniciar um processo de trabalho, com vistas a resultados concretos durante a sua realização.

Relembrando rapidamente o que já foi relatado em maio e junho, após o primeiro módulo presencial, os participantes fizeram um diagnóstico organizacional e planejamento em suas associações, com a participação de diretores, principalmente. Fizeram também diagnóstico e planejamento participativo com o público alvo, que em alguns casos são comunidades e em outros organizações que são apoiadas e assessoradas. Após o segundo módulo, elaboraram um projeto de forma participativa, que deveria ser embasado no planejamento feito anteriormente, com vistas a ser enviado para um financiador. Alguns se enquadravam em um edital publicado pelo próprio ISPN, de apoio a pequenos projetos ecossociais, e foram apresentados por 9 participantes. Expirado já o prazo para entrega de propostas, estão sendo avaliados junto com dezenas de outros projetos de associações que atuam nos biomas caatinga e cerrado. No primeiro dia foram recebidas 90 propostas, segundo informação dada no primeiro dia deste terceiro módulo.

Neste último módulo, inicialmente cada participante teve a assessoria do consultor e técnicos do ISPN para a revisão de seus projetos. Em seguida, foram apresentados editais que estavam abertos e que se relacionavam com os projetos que tinham sido elaborados, inicialmente no módulo II e concluídos junto com as comunidades. Foram destacadas as principais informações a serem consideradas no edital: região de abrangência, público alvo, objetivo, valor mínimo e máximo, duração máxima, o que pode ser pago com recursos do projeto. Foi explicado que, ter trabalhado inicialmente em uma estrutura básica para a elaboração do projeto não foi uma perda de tempo e trabalho. Ao contrário, este projeto tem as principais informações pedidas em qualquer formulário. Verificaram na prática como isso de fato acontecia ao preencherem os formulários dos financiadores.

Ao descreverem no início do módulo como o curso estava ajudando a elaborar seus projetos e, no final, ao avaliarem o curso deixaram claro como a metodologia utilizada foi apropriada e como ajudou, não só a elaborar projetos, mas a melhorar o funcionamento da associação e sua relação com as comunidades:

·         A metodologia do curso em módulos, com intermódulos nas comunidades foi muito acertada. Esse tempo foi ideal para atender aos objetivos. Se tivesse juntado em 1 mês ou mesmo 1 semana, não teria o mesmo resultado.
·         O diferencial deste curso foi a metodologia. Poder trabalhar com a comunidade, colocar a mão na massa, ter a orientação do professor. Vamos buscar recursos para a associação e agora temos mais chances de ser contemplados.
·         A associação ficou desestruturada por causa do processo como foi feito o estudo antropológico da comunidade, que é quilombola. Começamos a reorganizar a associação de acordo com o livro. Um contador, que é da comunidade, organizou a papelada; organizamos atividades para captar recursos para os custos da regularização. Fizemos o Diagnóstico Participativo, mesmo com a falta de alguém capacitado para me ajudar. Tivemos um grande avanço nesse processo.
·         Com esse curso mudou a forma de ver os problemas, de como resolvê-los, passando assim a ter mais clareza da situação problema real. Agora somos capazes de desenvolver um projeto em cima de qualquer problema que se apresentar, sem tanta dificuldade, dentro de uma lógica clara e elucidadora, graças ao quadro de diagnóstico que praticamente nos dá todos os elementos de um bom projeto.
·         Estamos tendo melhor entendimento sobre a lógica do projeto, a importância de se ter o diagnóstico atualizado, a comunidade como foco das ações. Nos ofereceu maior conhecimento e aprendizagem.
·         O Diagnóstico e o Planejamento Participativos permitem que se tenha todos os elementos para a elaboração do projeto. Alguns dirigentes querem fazer do jeito deles. Agora temos claro que precisa ouvir a comunidade. Esses dirigentes precisam ser formados para isso.
·         Este projeto teve muitas mudanças no processo de elaboração. A 1ª mudança foi a discussão da proposta com a diretoria, queria que todos contribuíssem. Depois levamos a discussão para a comunidade. Sabíamos da necessidade da comunidade, mas era preciso que eles nos ajudassem expondo a sua situação e o anseio por mudanças. Depois de discutir com a comunidade, visitamos os lugares mais prováveis para implantar. Em seguida juntamos um grupo de 4 pessoas e dividimos as tarefas. Três pessoas se encarregaram de escrever o projeto e a quarta pessoa ficou responsável de constituir uma parceria com a prefeitura local. A grande mudança foi que agora eu sigo os passos que aprendi neste curso. E a segunda e não menos importante é que agora eu busco uma maior participação da comunidade e da diretoria. O projeto não é meu, agora é nosso.
·         Fazer um projeto se utilizando das técnicas que aprendemos é mais eficiente, principalmente para a obtenção de um projeto com mais perspectivas de resolução dos problemas que precisam ser resolvidos.
·         Reunidos com as comunidades, percebemos que muito do que tínhamos pensado não se adequava e tivemos que mudar.  Se não for assim, vai ter problema na hora da execução. Fizemos várias parcerias. O curso ajudou significativamente e acredito que o projeto ficou bom.
·         Foi inovador conversar com os catadores [de material reciclável] e eles dizerem e decidirem o que queriam no projeto.
·         A gente sabe que tem que fazer junto, mas acaba fazendo sozinho. Eu estava com dificuldade para fazer o projeto, fui rever o livro Associação é para fazer juntos e fui para a comunidade para elaborarmos juntos. Também quiseram que eu fizesse sozinha, mas insisti em fazermos juntos, conversamos e vimos o que a comunidade precisava. Refletimos sobre a associação e resolvemos que o projeto deveria ser para fortalecer a associação (formação dos diretores e líderes de comunidades). A metodologia que está sendo utilizada aqui contribuiu muito. Associação de fato é para fazer juntos. Não tem outro jeito.




quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Metodologia utilizada para a elaboração de um Plano de Vida



Como prometido na postagem anterior, compartilho aqui uma experiência que, recentemente, tive a oportunidade de iniciar de um processo de elaboração participativa do Plano de Vida de um povo indígena no Pará. Várias metodologias já foram experimentadas em diversos lugares do Brasil, com diferentes populações, de forma que o que relatarei é apenas uma delas.

Em qualquer das metodologias de que já tive notícia é fundamental que o processo seja iniciado com a sensibilização da comunidade ou comunidades para a importância que um Plano de Vida construído de forma participativa tem para a vida da comunidade e seu desenvolvimento. A sensibilização é fundamental para que sejam mobilizados para participar das reuniões. Dessa forma, busca-se uma participação ampla e efetiva para que o Plano tenha a devida legitimidade. Para que ele saia do papel, é fundamental que o maior número possível de pessoas se envolva, se comprometa e enxergue a si e a seu futuro nele, para que esteja estimulado a executá-lo depois de elaborado. Neste caso, a sensibilização e mobilização ficaram a cargo dos dirigentes e conselheiros da associação. O consultor pode participar desse processo, mas é muito importante que lideranças da comunidade estejam à frente.

É fundamental não limitar o número de participantes. Se o que está sendo discutido é o presente e, principalmente, o futuro dessas pessoas, todos os que estiverem dispostos devem ter a oportunidade de participar. Quanto mais pessoas participando, maior a legitimidade. Por isso a opção foi fazer reuniões por aldeia, abrindo a participação a todos os interessados.

Em cada aldeia em que as reuniões já foram realizadas, foi explicado que um plano de vida é olhar o presente, pensar o futuro e discutir o que precisa ser feito para chegar ao futuro desejado. Foram apresentadas três perguntas orientadoras para as discussões:

  1. Como estamos vivendo hoje: o que está bom e o que está ruim?
  2. Como queremos viver no futuro para sermos felizes em nossa terra?
  3. O que precisamos fazer para termos o futuro que desejamos?

As respostas a estas perguntas poderiam ser discutidas em grupos. Em especial para a terceira pergunta, poderiam ser organizados grupos temáticos, com as pessoas mais envolvidas e interessadas em cada tema. Como estávamos trabalhando com um grupo não muito grande eles mesmos optaram por discutirem todos juntos. Primeiro conversaram em sua língua materna. Depois, ao terem chegado a algum consenso, traduziam. Quando havia alguma intervenção a ser feita ou informação complementar a ser dada, voltavam a conversar na língua e a tradução era feita no final. Esse processo se repetiu todo o tempo.

O resultado das conversas foi sistematizado no quadro negro da escola indígena ou em folhas de flip chart, de forma que podiam acompanhar e opinar sobre o resultado. É preciso que o consultor assuma a posição de quem facilita um processo que é da comunidade. O Plano de Vida não é do consultor, é deles. Apenas orientamos o processo.

Ao responder o que estava bom ou ruim, surgiram os temas relevantes para a comunidade. Eles foram a base para pensar o que queriam para o futuro: valorizar e dar continuidade ao que estava bom e planejar ações para melhorar o que estava insatisfatório.

Para a definição de estratégias para melhorar as condições em que estavam vivendo foi ressaltado que deveriam pensar não só nas políticas públicas, parcerias e financiamentos (oportunidades), mas também naquilo que eles tinham condições de resolver com seus próprios recursos (potencialidades). Compuseram o Plano de Vida, o problema enfrentado, o objetivo que o solucionaria, as atividades, responsáveis pela sua organização e os parceiros para cada um dos temas: saúde, educação, fiscalização e proteção da terra indígena, cultura tradicional, alimentação e geração de renda.

Foi interessante notar que algumas ações, como o fortalecimento das práticas culturais no quotidiano da aldeia e a solução para o lixo espalhado foram planejadas com base nas potencialidades. Também ficou claro que as atividades internas da aldeia devem ficar a cargo da liderança tradicional e as negociações com órgãos governamentais, parceiros e investidores, a cargo dos dirigentes da associação.

Ainda serão realizadas reuniões em outras aldeias e, depois de sistematizado, o Plano de Vida será validado em uma reunião com as lideranças.

Em uma das aldeias, terminamos o trabalho com cantos e danças tradicionais no centro da aldeia, para as quais fui convidado e aceitei com alegria.




quarta-feira, 31 de julho de 2013

Planos de Vida, associações e gestão territorial



Algumas organizações têm apoiado e facilitado processos participativos de elaboração de Planos de Vida ou Planos de Gestão Territorial em terras indígenas, comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Esses processos são constituídos por reflexões coletivas, com ampla participação das comunidades para planejarem seu futuro tendo como base os recursos disponíveis em suas terras, seus conhecimentos e práticas tradicionais, acrescidos de novos conhecimentos e tecnologias, para o atendimento de suas demandas.

Não têm sido poucas as situações que tenho presenciado em que comunidades enfrentam o desafio da sustentabilidade financeira e esperam que projetos, políticas públicas ou “apoios” ofertem o que precisam. Tenho perguntado para muitos deles: o que vocês pretendem fazer com os recursos disponíveis em suas terras e com os conhecimentos e capacidades que têm para viverem felizes em suas terras? A partir disso, como o governo, financiadores e parceiros podem contribuir com o futuro que vocês almejam?

Esses povos e comunicadas convivem há séculos ou mesmo milênios com os diferentes biomas brasileiros, conhecem profundamente os recursos existentes na floresta, cerrado, caatinga, como plantas medicinais, óleos, amêndoas, frutas, resinas, muitos deles com alto valor de mercado. Sabem como extrair, processar e os seus diferentes usos.

Infelizmente encontram poucas pessoas que valorizam esse potencial. Em geral, técnicos governamentais e de organizações valorizam mais os seus programas do que o potencial dessas comunidades, reforçando o paternalismo e a dependência. Neste contexto, as associações se transformam de organizações para o fortalecimento das relações comunitárias e potencializadoras da capacidade de representação e negociação em pedintes, muitas vezes ao nível da mendicância, para se manterem e desenvolverem suas atividades.

Tenho insistido que o maior potencial para as comunidades atingirem o futuro que desejam está mais em suas próprias capacidades e nos recursos de suas terras do que em programas governamentais ou privados. Esses podem apoiar e potencializar o que eles já têm, mas não devem de forma nenhuma substituir aqueles. Os programas e projetos são temporários, incertos e, muitas vezes, causam dependência. As potencialidades da comunidade são constantes e podem ser utilizadas de forma autônoma, reforçando o protagonismo.

Tenho comentado com alguns colegas de trabalho que o futuro das associações está na gestão territorial. Estas têm o papel de, junto com as lideranças tradicionais, organizar as atividades internas e cuidar das reivindicações de políticas públicas que incentivem e apóiem as atividades produtivas comunitárias, negociação com compradores e gestão administrativa e financeira dos empreendimentos. Com isso devem ter a contrapartida para a sua manutenção. “Se contribuem para a geração de renda para as famílias, nada mais justo que seus associados contribuam para a sua manutenção.

As comunidades devem deixar de se enxergar como comunidades carentes para se verem como comunidades com potencialidades que precisam de investimento. O paternalismo daqueles “generosamente” doam faz mais a si próprios do que aqueles que recebem, que não têm reconhecida a sua capacidade de viver por si próprios.

No caso dos povos indígenas, Gersem Luciano, índio Baniwa, doutor em antropologia, escreveu em “O Índio Brasileiro Hoje – in Almeida, Fábio Vaz Ribeiro de (org.) - Guia para a Formação de Gestores de Projetos Indígenas, Brasília, Paralelo 15, 2008”, que o desafio atual “é como reverter o processo de dependência dos povos indígenas do governo ou de brancos para resolver seus problemas, mesmo os problemas simples que a própria comunidade poderia encontrar soluções internamente. Essa dependência é resultado de séculos de tutela e de paternalismo a que foram submetidos.” E ainda que os povos indígenas precisam “recuperar a auto-estima e a capacidade de auto-sustentação, a partir dos conhecimentos tradicionais e dos recursos naturais e humanos locais, eventualmente complementados pelos conhecimentos e tecnologias do mundo moderno.”

Esta é uma boa direção para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, instituída por decreto em junho de 2012 e para o trabalho de organizações apoiadoras e organizações indígenas. E, não há dúvidas, o exemplo pode ser seguido por outras comunidades e povos tradicionais também.

Para não me alongar ainda mais, deixo para uma próxima postagem tratar da metodologia e de uma experiência com a elaboração e possibilidades de implementação de um Plano de Vida.