Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sábado, 31 de janeiro de 2015

Formar, capacitar ou qualificar lideranças comunitárias?

Em vários momentos fui confrontado com esses conceitos ao planejar ou discutir estratégias e metodologias de troca e construção de conhecimentos e práticas para o desenvolvimento comunitário e de suas organizações, assim como o papel do “professor”, “facilitador”, “formador”, “monitor”, entre outros.

Confesso que nunca tive muita paciência para esse debate que sempre me pareceu muito mais de natureza semântica, uma vez que para mim sempre importou a postura que se adota: devemos nos colocar como quem tem alguns conhecimentos e experiências que podem ser importantes para aquelas pessoas e elas também têm; trocamos o que temos e construímos juntos um novo conhecimento.

Já ouvi colegas de trabalho e outros dizerem que o “verdadeiro” conhecimento é dos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e nós é quem temos que aprender com eles. Será que o conhecimento empírico e intuitivo adquirido durante décadas ou séculos em suas comunidades tradicionais é suficiente para atender a todos os desafios que enfrentam? Se assim for, nós não temos papel e o trabalho que desenvolvemos não tem nenhuma importância. Neste caso, devemos buscar algo mais produtivo a que se dedicar, não é?

Implementar o “colonialismo cultural”, acreditando que só o conhecimento técnico-acadêmico importa e as inúmeras experiências e os conhecimentos com elas adquiridos não tem valor porque “não são científicos”, também está longe de ser a melhor opção e já vi experiências desastrosas que desconsideraram a realidade e o conhecimento local.

Vejamos alguns dos significados para os conceitos apontados no título:

Formar: transmitir conhecimentos e práticas em um processo de ensino/aprendizagem.

Capacitar: desenvolver habilidades para que a pessoa esteja apta a desenvolver determinadas atividades.

Qualificar: desenvolver qualidades para o exercício de uma profissão ou atividade.

Tenho me convencido cada vez mais de que não somos capazes de formar, nem capacitar e nem qualificar ninguém, porque a aquisição ou construção de conhecimentos não é um ato passivo. Só a própria pessoa é capaz de aprender.

Acredito que podemos desempenhar um papel importante se nos propusermos a facilitar o caminho de quem deseja adquirir novos conhecimentos e construir novas experiências. Uma metodologia adequada, que parta dos conhecimentos e experiências locais, confrontada com os desafios a serem enfrentados e que agregue de forma acessível novos conhecimentos e práticas pode levar à elaboração de novos conhecimentos próprios daquele grupo e que contribua para atingir os objetivos a que se propõem.

Não somos inúteis nem “salvadores da pátria”, não somos senhores do processo e, por isso, não podemos formar, capacitar ou qualificar lideranças comunitárias, por exemplo, porque aprender ou apreender não depende principalmente de nós, mas dos sujeitos principais que são as pessoas com quem trabalhamos.


Como facilitadores, podemos tornar mais fácil esse caminho ao reunir e transmitir em linguagem mais acessível as diferentes abordagens sobre um determinado assunto, “traduzir conceitos”, orientar pesquisas, partilhar experiências realizadas em diferentes lugares e realidades, moderar debates e auxiliar na síntese entre o conhecimento tradicional e os conhecimentos técnico-acadêmicos.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Reforma de Estatuto e Assembleia como oportunidade de empoderamento

Nos dias 21 a 24 de janeiro estive na Aldeia Cojubim, Terra Indígena Cachoeira Seca, em Altamira-PA para ajudar na elaboração de uma reforma do estatuto e na realização da Assembleia Geral Ordinária da Associação Akanemã que aprovou a reforma, elegeu nova Coordenação Executiva e Conselho Fiscal e planejou as linhas de ação para 2015 e 2016, período do novo mandato da coordenação eleita.


Muitas vezes o Estatuto é visto como uma coisa ininteligível, que só os advogados sabem fazer e entendem, necessária para o registro da associação no cartório, mas que não interessa aos associados. Penso que ele é “a Constituição” da associação definindo, de acordo com a vontade dos associados, os objetivos, a estrutura administrativa, quem pode se associar, deveres e direitos dos associados e como a associação vai funcionar. Sendo assim, os associados devem participar ativamente de sua elaboração ou reforma, expressando a sua vontade, entendendo como deve ser elaborado, quais são as exigências legais e o que ela deixa livre para ser definido pelos associados.

Para facilitar e abreviar o tempo necessário, um grupo de 9 lideranças da Associação Akanemã se reuniu para definir a proposta de reforma do estatuto, que depois foi apresentada, explicada e discutida na Assembleia Geral. Com auxílio de um projetor multimídia, foi exposto o estatuto até então vigente e cada artigo foi lido, explicado e alterado conforme avaliaram ser conveniente para eles. Meu papel como facilitador desse processo foi explicar o que estava escrito, principalmente os termos jurídicos, e provocar a discussão para possíveis alterações, tomando o cuidado para seguir o que é definido no Código Civil e questionando quando necessário a viabilidade do que era proposto.


Sempre que necessário, recorreu-se ao capítulo do Código Civil que trata de associações para verificar o que a legislação exige que conste do estatuto e as outras poucas exigências que faz.

Acredito que, com esse processo, as lideranças e, posteriormente, os associados em geral reunidos na assembleia se apropriaram do estatuto como seu. Foram motivados a olhar para a organização interna da aldeia e se inspirar para a organização da associação. Trocaram a “diretoria”, “presidente”, “tesoureiro” por terem, em especial os dois primeiros, uma carga muito forte de poder, por Coordenação Executiva, Coordenador Geral e Coordenador de Finanças. Destaque especial para a criação do Conselho dos Mais Velhos, com caráter consultivo, dada a importância que essas pessoas têm com seus conhecimentos para a condução da vida da aldeia e, agora, também da associação, substituindo um Conselho de Base que não estava muito claro como era composto nem quais eram as suas atribuições.


Estatuto é uma coisa bastante técnica, com uma estrutura e linguagem específicas, mas isso não significa que “seus mistérios não possam ser desvendados”. Sua estrutura e vários termos técnicos foram explicados e usou-se ao máximo uma linguagem compreensível para eles. Perguntaram sobre a substituição de alguns termos por palavras mais acessíveis, mas em muitos casos uma expressão talvez mais complexa seria necessária para fazer a substituição, então optou-se por explicar o conceito.

O Coordenador Geral, que presidiu a assembleia, foi orientado na elaboração da pauta e na condução da assembleia. Recorreu ao consultor para as atividades que avaliou ser melhor que ele conduzisse. As suas dificuldades foram contornadas ou superadas no decorrer do evento, o que avalio ser mais recomendável do que “alguém de fora que já tem experiência” conduzir.


Não tenho dúvidas de que, se queremos empoderar as lideranças comunitárias com o nosso trabalho, devemos aproveitar os diferentes momentos e oportunidades para que eles assumam o processo, com a orientação que for necessária.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Como fundar uma associação - Parte II

Nos dias 03 a 11 de janeiro voltei às aldeias Mairowi, Kururuzinho e Teles Pires, dos povos indígenas Apiaká, Kayabi e Munduruku, no norte do Mato Grosso e sul do Pará para oficinas sobre aspectos legais e gerenciais de associações. Como já relatado em dezembro os Kayabi têm uma associação, mas que desenvolve poucas atividades. Já os Apiaká e Munduruku querem fundar a sua.


Depois de termos falado com toda a comunidade sobre o que é, o papel e a importância de uma associação, essas oficinas foram dirigidas para um grupo de mais ou menos 20 pessoas em cada aldeia, que deverão estar à frente da associação, tanto na diretoria como nos conselhos ou como colaboradores.

Tratamos das rotinas de realização de assembleias e reuniões da diretoria e dos conselhos, elaboração de atas e relatórios e registro das atas em cartório; os requisitos para manter a imunidade do imposto de renda de pessoa jurídica da associação; a contratação de funcionários, prestadores de serviços, estagiários e a aceitação de voluntários; forma de contratação, funções e rotina de trabalho com o contador; procedimentos de compras, comprovantes válidos legal e contabilmente, controle de contas bancárias, relatórios financeiros; elaboração de correspondências e arquivo de documentos.

Por que tratar de tudo isso antes mesmo de terem fundado a sua associação? Lembrando o que falou a liderança Gavião, relatada na postagem “Associação é como curumim que você faz na sua esposa”, http://associacaoeparafazerjuntos.blogspot.com.br/2012/08/associacao-e-como-curumim-que-voce-faz.html: Quem trabalha com associação indígena não fica depois para ajudar a massa a virar pão. Quem sofre com isso é a diretoria. Precisamos nos preocupar com isso, capacitar, sensibilizar os parentes para isso.

A proposta desse trabalho é que, além de toda a comunidade saber que associação não é uma solução mágica para todos os seus problemas ou uma forma fácil de receber recursos abundantes, mas que tem um potencial muito grande de viabilização de projetos comunitários, como ferramenta de organização coletiva que é, terem conhecimento prévio também das exigências e encargos que terão, como atestam alguns depoimentos dados na avaliação das oficinas:

Ficamos contentes de receber você mais uma vez e conhecer melhor os desafios para quem está à frente da associação.

Em cada oficina a gente vai aprendendo mais um pouco. Queria ver a maioria da comunidade participando para ver que querem que a associação saia e funcione. Agradeço à comunidade que nos recebeu e a você que está nos ensinando.

Estou agradecido que você está aqui outra vez e está nos ensinando. No final queremos ter bastante gente para a associação ter bastante força. Seu trabalho está bacana.

Para mim a oficina foi muito boa, para ter mais conhecimento. Se nós não trabalharmos a associação nunca vai ter dinheiro. Se a gente trabalhar vai ter algumas coisas. Temos nosso patrimônio (caminhão, motor, barco). Quem vai cuidar dele? Temos que trabalhar para cuidar das nossas coisas. Você não está capacitando a gente para trabalhar para você, mas para trabalhar para nós mesmos. Temos que aproveitar o que você está ensinando. Agradeço a sua vinda e vamos esperar a próxima oficina.

Nós temos dificuldade para entender sobre associação e como deve funcionar de acordo com o estatuto, mas algumas coisas deu para entender. Outras ficou um pouco difícil, como as várias papeladas da associação. Foi muito boa esta oficina.

A oficina foi muito boa. A gente não aprende de uma hora para outra. Principalmente na prestação de contas a gente quebrou a cabeça, mas é assim que a gente vai aprendendo. A gente conta com o senhor.

A oficina foi boa. Nunca tivemos alguém para ensinar a gente como o senhor. Quando falaram para a gente criar a associação, depois foram embora e tivemos que nos virar sozinhos.

Achei muito importante. Do jeito que está indo fica mais fácil para nós, tem a teórica e a prática. É bom para a gente aprender. Melhor do que ficar só na teoria, a gente escuta, mas não aprende a fazer. Está mais fácil do que eu pensava. Quero agradecer. Foi muito bom.

Foi muito bom. A gente tinha a ilusão de que era só o presidente, o tesoureiro, o secretário, mas aqui a gente viu que o contador também é muito importante. Aprendemos como regularizar a associação, fazer e arquivar documentos. Quando tem capacitação a gente sabe como fazer. Agradeço por ter trazido mais aprendizado para a gente;


Para mim foi muito importante. Eu não conhecia associação. Agradeço a sua vinda.