Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




quarta-feira, 31 de julho de 2013

Planos de Vida, associações e gestão territorial



Algumas organizações têm apoiado e facilitado processos participativos de elaboração de Planos de Vida ou Planos de Gestão Territorial em terras indígenas, comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Esses processos são constituídos por reflexões coletivas, com ampla participação das comunidades para planejarem seu futuro tendo como base os recursos disponíveis em suas terras, seus conhecimentos e práticas tradicionais, acrescidos de novos conhecimentos e tecnologias, para o atendimento de suas demandas.

Não têm sido poucas as situações que tenho presenciado em que comunidades enfrentam o desafio da sustentabilidade financeira e esperam que projetos, políticas públicas ou “apoios” ofertem o que precisam. Tenho perguntado para muitos deles: o que vocês pretendem fazer com os recursos disponíveis em suas terras e com os conhecimentos e capacidades que têm para viverem felizes em suas terras? A partir disso, como o governo, financiadores e parceiros podem contribuir com o futuro que vocês almejam?

Esses povos e comunicadas convivem há séculos ou mesmo milênios com os diferentes biomas brasileiros, conhecem profundamente os recursos existentes na floresta, cerrado, caatinga, como plantas medicinais, óleos, amêndoas, frutas, resinas, muitos deles com alto valor de mercado. Sabem como extrair, processar e os seus diferentes usos.

Infelizmente encontram poucas pessoas que valorizam esse potencial. Em geral, técnicos governamentais e de organizações valorizam mais os seus programas do que o potencial dessas comunidades, reforçando o paternalismo e a dependência. Neste contexto, as associações se transformam de organizações para o fortalecimento das relações comunitárias e potencializadoras da capacidade de representação e negociação em pedintes, muitas vezes ao nível da mendicância, para se manterem e desenvolverem suas atividades.

Tenho insistido que o maior potencial para as comunidades atingirem o futuro que desejam está mais em suas próprias capacidades e nos recursos de suas terras do que em programas governamentais ou privados. Esses podem apoiar e potencializar o que eles já têm, mas não devem de forma nenhuma substituir aqueles. Os programas e projetos são temporários, incertos e, muitas vezes, causam dependência. As potencialidades da comunidade são constantes e podem ser utilizadas de forma autônoma, reforçando o protagonismo.

Tenho comentado com alguns colegas de trabalho que o futuro das associações está na gestão territorial. Estas têm o papel de, junto com as lideranças tradicionais, organizar as atividades internas e cuidar das reivindicações de políticas públicas que incentivem e apóiem as atividades produtivas comunitárias, negociação com compradores e gestão administrativa e financeira dos empreendimentos. Com isso devem ter a contrapartida para a sua manutenção. “Se contribuem para a geração de renda para as famílias, nada mais justo que seus associados contribuam para a sua manutenção.

As comunidades devem deixar de se enxergar como comunidades carentes para se verem como comunidades com potencialidades que precisam de investimento. O paternalismo daqueles “generosamente” doam faz mais a si próprios do que aqueles que recebem, que não têm reconhecida a sua capacidade de viver por si próprios.

No caso dos povos indígenas, Gersem Luciano, índio Baniwa, doutor em antropologia, escreveu em “O Índio Brasileiro Hoje – in Almeida, Fábio Vaz Ribeiro de (org.) - Guia para a Formação de Gestores de Projetos Indígenas, Brasília, Paralelo 15, 2008”, que o desafio atual “é como reverter o processo de dependência dos povos indígenas do governo ou de brancos para resolver seus problemas, mesmo os problemas simples que a própria comunidade poderia encontrar soluções internamente. Essa dependência é resultado de séculos de tutela e de paternalismo a que foram submetidos.” E ainda que os povos indígenas precisam “recuperar a auto-estima e a capacidade de auto-sustentação, a partir dos conhecimentos tradicionais e dos recursos naturais e humanos locais, eventualmente complementados pelos conhecimentos e tecnologias do mundo moderno.”

Esta é uma boa direção para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, instituída por decreto em junho de 2012 e para o trabalho de organizações apoiadoras e organizações indígenas. E, não há dúvidas, o exemplo pode ser seguido por outras comunidades e povos tradicionais também.

Para não me alongar ainda mais, deixo para uma próxima postagem tratar da metodologia e de uma experiência com a elaboração e possibilidades de implementação de um Plano de Vida.


sábado, 13 de julho de 2013

Padereéhj e Doá Txatô vão caminhar com as próprias pernas?



Nesta semana, de 08 a 12 de julho, Henyo Barreto e eu demos continuidade ao trabalho de desenvolvimento organizacional com a Organização Padereéhj e a Associação Indígena Doá Txatô.

Com a Padereéhj trabalhamos desde novembro do ano passado, orientando a reforma do Estatuto; assessorando a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária que elegeu uma nova diretoria e elaborou uma agenda de trabalho; participando de reuniões da Coordenação Executiva para discutir a reestruturação da associação.


Com a Doá Txatô trabalhamos desde abril de 2012 facilitando a elaboração de diagnóstico organizacional; a reforma do Estatuto, elaboração de diagnóstico e planejamento participativo com representantes das aldeias; Assembleia Geral Ordinária para aprovar a reforma do Estatuto e o Plano de Ação; reuniões com a Diretoria e Conselho Fiscal para monitorar a execução do Plano de Ação, as ações da Diretoria para desenvolvimento da associação e orientação para o Conselho Fiscal desempenhar as suas funções. Essas ações não foram aleatórias, mas encadeadas em uma metodologia de desenvolvimento organizacional, já descrita aqui anteriormente.

Além do trabalho previsto, Henyo tinha a dura missão de informar que o projeto que financiava essas atividades estava sendo encerrado e que esta seria a última atividade a ser desenvolvida com eles até que se consiga novos recursos. O encerramento foi antecipado de setembro para julho por conta da limitação financeira.


Como seria de esperar, a sensação foi de “abandono antes da hora”. Apesar do encerramento daquele projeto, estávamos todos confiantes na aprovação de novos projetos e esperançosos de que a continuidade do trabalho não seria prejudicada.

Relembramos que um trabalho adequado de desenvolvimento organizacional tem como horizonte não ser mais necessário um dia e esse princípio nos orientou todo o tempo, instrumentalizando os diretores e lideranças com conhecimentos, técnicas e metodologias, de forma que pudessem depois fazerem sem precisarem de nossa colaboração.

Outro aprendizado foi que financiamentos são temporários e nem sempre disponíveis e os parceiros, quando também deixam de ter disponibilidade, perdem as condições de continuar apoiando. Por isso é fundamental que aproveitem o período de trabalho conjunto e desenvolvam capacidades para que a associação continue caminhando “com suas próprias pernas”. Nos dispusemos a continuar orientando à distância o que precisarem e for possível fazer dessa forma. Outras atividades continuam a ser desenvolvidas pelo IEB na região, de forma que podem ser feitas conversas paralelas a esses eventos sobre as associações.

Em especial a Doá Txatô, com quem desenvolvemos atividades por mais tempo, teve ganhos institucionais que não pode deixar se perder: a associação tem uma prática de pagamento de mensalidade pelos associados que, se intensificada, pode dar condições para que ela pague as suas despesas básicas com esses recursos próprios; a Diretoria conviveu com processos de diagnóstico, planejamento e monitoramento da execução do Plano de Ação e tem condições de continuar a fazê-lo para que o planejamento seja efetivado; os tesoureiros foram capacitados para a elaboração de controles financeiros em planilhas eletrônicas, que ajudam muito na gestão dos recursos; o Conselho Fiscal aprendeu e está desempenhando suas funções, o que é raro nas associações comunitárias, iniciando uma cultura de transparência que será sempre salutar para a organização. Foi planejada para setembro a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária, custeada com os recursos da associação, para avaliarem esse período de aprendizagem com o IEB, o trabalho da diretoria eleita em janeiro deste ano e organizarem a coleta e comercialização da próxima safra de castanha.

O segundo tesoureiro, na avaliação final dos trabalhos, disse que achava que o trabalho de tesoureiro era só receber o dinheiro e gastar, que não precisava nota fiscal, era só explicar como o dinheiro foi gasto. Vimos que precisa comprovar tudo. Com o que aprendemos, podemos dar continuidade. Um dos conselheiros achava que o Conselho Fiscal era só para avaliar, assim, mas vi que tem uma função bem bacana de fazer. Depois da primeira reunião em maio, disse para o conselheiro que não veio que ele deveria participar da próxima, porque a gente estava fazendo uma coisa muito importante, estava atuando mesmo. Remetendo ao conhecido princípio de que “só os tolos acreditam que sabem”, o tesoureiro relatou que quando fomos eleitos, a gente pensava que sabia tudo sobre associação. Com essa capacitação vimos que só sabíamos um pouquinho. Par ao presidente, precisamos valorizar a capacitação que recebemos e, quando voltarem a trabalhar com a gente, vão ver que usamos bem o que aprendemos.



sexta-feira, 5 de julho de 2013

Como a elaboração de projetos pode contribuir para o desenvolvimento organizacional



Já comentamos algumas vezes sobre a dependência financeira de muitas associações em relação a financiadores de projetos, como é um erro criar uma associação apenas para captar recursos, etc. Hoje quero partilhar com vocês uma experiência muito interessante de como a elaboração de projetos pode levar a associação a se repensar, rever suas estratégias de ação e os resultados que vem alcançando. Isso me levar a crer que os financiadores também têm um papel importante para o desenvolvimento organizacional das instituições que financia.

Recentemente dei consultoria para uma associação comunitária do Pará para a elaboração de um projeto, respondendo a um edital de demanda espontânea.

Chamou a atenção alguns requisitos exigidos pelo financiador, como uso criativo dos recursos comunitários; participação significativa dos beneficiários na identificação do problema, método escolhido para resolvê-lo, formulação do projeto, execução e avaliação das atividades; contrapartida da associação, dos beneficiários e de organizações parceiras; parcerias com o governo, empresas e sociedade civil; potencial para fortalecer as organizações envolvidas e melhorar a capacidade de autogovernança; potencial para gerar aprendizado e resultados mensuráveis.

A associação com a qual eu trabalhava, preocupada em captar recursos para suas despesas institucionais e prover as comunidades de sua base com bens de consumo, percebeu logo que projeto não é apenas uma forma de se “ganhar dinheiro”, mas é uma proposta de trabalho, que deve ser realizada por todos, juntos, desde a discussão do problema até sua avaliação; que a associação não pode ficar isolada, precisa buscar parceiros; que financiadores apostam em boas propostas e financiam o que a comunidade não tem, mas quer que ela, em contrapartida, disponha daquilo que tem como mão de obra, matérias primas, alimentos, etc.

Algumas informações pedidas no formulário sobre a associação levaram os dirigentes e lideranças a repensar o que a organização tinha sido até aquele momento e o que pretendia ser dali para frente: missão, estrutura de gestão, estrutura operacional, o que já tinha realizado, inclusive com relação ao objetivo do projeto.

Suas práticas também foram colocadas em cheque com algumas perguntas sobre as comunidades e o projeto:

  • Como os membros da comunidade ou grupos representados participarão do projeto?
  • Já trabalharam juntos no passado? Como e por quê?
  • Como este enfoque foi determinado e quem participou?
  • Que parceiros ou organizações participarão deste projeto e o que se comprometeram a contribuir?
  • Indique os resultados previstos, tanto imediatos como de longo prazo. Como você saberá se os alcançou? Como você os medirá?
  • O que torna seu projeto inovador ou diferente?
  • Explique por que o projeto é viável.
  • Indique possíveis desafios para o projeto e como sua organização os abordará.
  • Como as atividades continuarão uma vez terminado o financiamento?

Não duvido que a primeira reação de muitas pessoas seria dizer que o financiador é muito exigente e com isso inviabiliza o financiamento para organizações pequenas, especialmente as comunitárias.

Essa é uma maneira de encarar os projetos, que leva a propostas mal formuladas ou “com aquilo que o financiador quer ouvir” e que ao final poucos benefícios reais levam às comunidades, muitas vezes deixando um rastro de problemas atrás de si.

Outra maneira de encarar, que eu prefiro, é tomar isso como aprendizado: elaborar projetos não é tão fácil como pode parecer para quem não tem experiência e ouviu falar que é fácil; a associação precisa estar preparada para executar um projeto; precisa ter clareza do problema que quer resolver, como fazê-lo, como monitorá-lo e como avaliá-lo; precisa ter um trabalho enraizado na comunidade para que as pessoas participem do projeto desde a sua elaboração e dêem continuidade às atividades depois de terminado o financiamento.

Um projeto entendido desta forma, mais do que um valor em dinheiro, é uma proposta de trabalho, é um sonho partilhado entre financiador e financiados, cada qual dispondo daquilo que têm para que seja alcançado.

Financiadores assim contribuem para o desenvolvimento organizacional. Não geram dependência, mas colaboram para a soberania. “Promovem” as comunidades da posição de carentes para a de comunidades com potencial que precisam de investimento.