Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




terça-feira, 26 de agosto de 2014

Uma ideia publicada é como um pássaro batendo asas. E essa é a graça!

Alguém já escreveu que ao terminar um livro e publicar o autor perde o controle sobre ele e o que as pessoas vão pensar e dizer sobre a sua obra. Porque ela deixa de ser sua e passa a ser dos leitores.

Já relatei aqui algumas vezes como o livro Associação é para fazer juntos tem sido utilizado para leituras dialogadas em cursos e oficinas, treinamento de equipe, leituras e debates em comunidades e peças de teatro amador apresentadas em comunidades e assembleias de associações.

Recentemente fui alegremente surpreendido ao saber que também um livro anterior, Gestão de associações no dia-a-dia, publicado pelo Instituto Socioambiental em 2005, foi utilizado para criação de peça de teatro em 2006, apresentada nas oficinas de capacitação das associações apoiadas pela Brazil Foundation.

Encontrei essa informação na publicação “Brazil, Brasil – 10 anos, uma ideia, muitas histórias”:

Como parte dos encontros de capacitação há a encenação de peças pelo grupo Artistas
de Nós. No repertório da companhia estão seis espetáculos: “Lá no Morro Azul”, “Avaliação, por qual caminho eu vou?”, “Sustentabilidade, do que você precisa?”, “Para que serve uma ONG” e “No Morro Azul moram meus sonhos”, direcionados para os gestores das ONGs, e “O buraco”, voltado para funcionários de empresas que atuam como voluntários em projetos sociais. “A BrazilFoundation percebeu que o teatro poderia ser uma importante ferramenta para facilitar o aprendizado e fixar determinados temas abordados durante os seus cursos de treinamento”, escreve a historiadora Márcia de
Paiva.

A ideia surgiu em 2006, de forma espontânea. Ao se deparar com o livro “Gestão de associações no dia a dia”, de José Strabeli, que falava de um grupo que queria virar uma ONG, Clarissa Worcman, coordenadora de monitoramento da fundação, pensou: “Isso dá uma peça.” Foi além. Quem sabe o espetáculo não poderia servir para abrir as oficinas de capacitação? Afinal, o livro mostrava as dificuldades de se criar uma associação, com toda a burocracia envolvida. Aos poucos, os personagens foram ganhando vida. Já com o texto delineado, Clarissa chamou dois amigos que conheceu quanto estudava teatro – os atores Ricardo Lyra, o Lirinha, e Márcia Alves – e começou a ensaiar. E assim surgiu “Lá no Morro Azul”, que trata de maneira bem-humorada – como todas as peças – dos desafios dos moradores para trabalhar em conjunto e melhorar a vida da comunidade. – Na nossa primeira apresentação, havia poucos gestores, umas dez pessoas. Estávamos muito nervosos e com a sensação: “Será que isso vai funcionar?” – lembra Clarissa. Funcionou.

“As peças abordam, com uma linguagem lúdica, questões do cotidiano na área
social, gerando empatia e identificação com o público, lançando ideias e despertando
debates. O teatro, efetivamente, tornou-se uma ferramenta fundamental na sensibilização
dos gestores, motivando a reflexão e a apropriação dos conhecimentos, de forma
geralmente articulada às oficinas. As apresentações teatrais ‘abrem a cabeça e o
coração das pessoas’ e vêm revelando um efeito pedagógico impressionante”, atestam
Caio Silveira e Ricardo Mello.


As peças incorporam questões comuns às organizações. Para escrever, Clarissa recolhe
material das visitas às comunidades, do monitoramento, da capacitação e do contato
com os gestores. Não raro a plateia se manifesta com risos e frases como “me vi ali”,
“aquela pessoa sou eu”, “é assim mesmo”, “é normal isso acontecer”. – As pessoas se identificam, se sentem representadas – constata ela.

Fiquei muito feliz em saber do uso do livro para elaborar e apresentar “Lá no Morro Azul” para a capacitação de gestores de associações. Isso é um estímulo para que outras pessoas utilizem também do teatro para diferentes processos de desenvolvimento comunitário e organizacional.


É um estímulo também para que as pessoas não guardem suas ideias para si, não as mantenham “engaioladas” pelo direito autoral, mas "deixe-as voar" para que todos possam utilizá-las, apresentá-las de diferentes formas, em diferentes lugares e contextos e elas possam voltar para você de maneiras, muitas vezes, surpreendentes. Essa é a graça!

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Toda comunidade precisa ter uma associação?

Com esse título, o primeiro capítulo do livro Associação é para fazer juntos abriu a reunião com moradores das comunidades Ilha da Fazenda e São Francisco, na Volta Grande do Xingu, e as três oficinas sobre associativismo nas aldeias da Terra Indígena Kuruaya, nas margens do Rio Iriri, no interior no Pará, nos dias 24 e 27 a 31 de julho.

Apenas uma das aldeias Kuruaya tem uma associação formalizada há mais de 10 anos, segundo relataram os participantes da oficina. Outra teve o estatuto elaborado há dois anos, mas não foi registrado. Essas aldeias e as demais demonstraram interesse em conhecer mais o que é uma associação, como funciona e como esse tipo de organização poderia ser adequada para resolver seus problemas.

Após a leitura do texto, perguntei como era a organização da comunidade. Em uma delas, disseram que não havia organização nenhuma, querendo dizer que não tinham nenhuma organização formal. Conversando sobre a escolha de lideranças, as atividades que faziam juntos, como compartilhavam o território, foi ficando claro que todas tinham uma forma própria de se organizar, mesmo que em alguns casos essa organização fosse bastante frágil:

“A nossa organização é só entre nós. Fazemos a roça juntos, conversamos algumas coisas como o trabalho, os recursos que precisamos, fazemos reivindicações e outras coisas de interesse como atividades produtivas, educação, saúde, transporte, moradia, energia, definição fundiária.”

“Nós não somos uma comunidade porque não trabalhamos juntos, não pensamos juntos. É só o nome. Não temos nada juntos. É cada um por si.”


Uma comunidade não é definida pelo espaço geográfico, mas pelas relações existentes. Pessoas que moram no mesmo lugar nem sempre formam uma comunidade. Pessoas que moram em lugares diferentes podem formar uma comunidade se compartilharem dos mesmos objetivos e atuarem coletivamente para atingi-los.

Conversamos sobre a organização comunitária, cada uma com as suas características, que surge e se desenvolve junto com a própria comunidade; que as relações construídas por afinidades de objetivos e trabalho coletivo é fundamental para melhorar suas condições de vida; como ela é capaz de resolver muitas de suas necessidades com os próprios meios e como pode aproveitar as oportunidades de parcerias mesmo sem uma organização formal.

Toda comunidade precisa ter uma associação? Não. Apenas aquelas que, no desenvolvimento de suas ações coletivas, sentirem a necessidade de uma organização formal para representá-las legalmente, assinar contratos, movimentar contas bancárias, emitir notas fiscais. Por isso, antes de decidir pela fundação de uma associação, a comunidade deve se perguntar: o que queremos fazer que não conseguimos se não tivermos uma associação?


Uma associação tem obrigações, despesas e não devemos “adquirir uma ferramenta” se ela não tiver utilidade para nós.

Falamos também da associação como ferramenta de organização coletiva. Foi ressaltado que a organização comunitária é a base para o funcionamento da associação; que os diretores  devem ter ao menos habilidade para desempenhar suas funções, devem ser mobilizadores e articuladores das potencialidades dos associados; que o Conselho Fiscal deve ser atuante no seu papel de controle social do uso dos recursos e que a Assembleia Geral deve reunir de fato os associados para pensarem juntos nas estratégias de ação e para avaliarem os resultados alcançados.

Ao final da reunião e cada uma das oficinas, a conclusão foi de que “sem comunidade não tem associação.” Concluíram também que precisam conversar mais e fortalecer a sua organização antes de decidirem pela criação de uma associação. A aldeia que já possui a sua, que está inoperante há anos, decidiu conversar sobre o aprimoramento de seu funcionamento.


Se as associações devem ser devolvidas aos movimentos sociais, fico contente em pensar que há comunidades e lideranças dispostas a isso.