Algumas
organizações têm apoiado e facilitado processos participativos de elaboração de
Planos de Vida ou Planos de Gestão Territorial em terras indígenas, comunidades
quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Esses processos são
constituídos por reflexões coletivas, com ampla participação das comunidades
para planejarem seu futuro tendo como base os recursos disponíveis em suas
terras, seus conhecimentos e práticas tradicionais, acrescidos de novos
conhecimentos e tecnologias, para o atendimento de suas demandas.
Não têm
sido poucas as situações que tenho presenciado em que comunidades enfrentam o
desafio da sustentabilidade financeira e esperam que projetos, políticas
públicas ou “apoios” ofertem o que precisam. Tenho perguntado para muitos
deles: o que vocês pretendem fazer com os recursos disponíveis em suas terras e
com os conhecimentos e capacidades que têm para viverem felizes em suas terras?
A partir disso, como o governo, financiadores e parceiros podem contribuir com
o futuro que vocês almejam?
Esses
povos e comunicadas convivem há séculos ou mesmo milênios com os diferentes
biomas brasileiros, conhecem profundamente os recursos existentes na floresta,
cerrado, caatinga, como plantas medicinais, óleos, amêndoas, frutas, resinas,
muitos deles com alto valor de mercado. Sabem como extrair, processar e os seus
diferentes usos.
Infelizmente
encontram poucas pessoas que valorizam esse potencial. Em geral, técnicos
governamentais e de organizações valorizam mais os seus programas do que o
potencial dessas comunidades, reforçando o paternalismo e a dependência. Neste
contexto, as associações se transformam de organizações para o fortalecimento
das relações comunitárias e potencializadoras da capacidade de representação e
negociação em pedintes, muitas vezes ao nível da mendicância, para se manterem
e desenvolverem suas atividades.
Tenho
insistido que o maior potencial para as comunidades atingirem o futuro que
desejam está mais em suas próprias capacidades e nos recursos de suas terras do
que em programas governamentais ou privados. Esses podem apoiar e potencializar
o que eles já têm, mas não devem de forma nenhuma substituir aqueles. Os
programas e projetos são temporários, incertos e, muitas vezes, causam
dependência. As potencialidades da comunidade são constantes e podem ser
utilizadas de forma autônoma, reforçando o protagonismo.
Tenho
comentado com alguns colegas de trabalho que o futuro das associações está na
gestão territorial. Estas têm o papel de, junto com as lideranças tradicionais,
organizar as atividades internas e cuidar das reivindicações de políticas
públicas que incentivem e apóiem as atividades produtivas comunitárias,
negociação com compradores e gestão administrativa e financeira dos
empreendimentos. Com isso devem ter a contrapartida para a sua manutenção. “Se
contribuem para a geração de renda para as famílias, nada mais justo que seus
associados contribuam para a sua manutenção.
As
comunidades devem deixar de se enxergar como comunidades carentes para se verem
como comunidades com potencialidades que precisam de investimento. O
paternalismo daqueles “generosamente” doam faz mais a si próprios do que
aqueles que recebem, que não têm reconhecida a sua capacidade de viver por si
próprios.
No caso dos povos indígenas, Gersem Luciano, índio Baniwa,
doutor em antropologia, escreveu em “O Índio Brasileiro Hoje – in Almeida,
Fábio Vaz Ribeiro de (org.) - Guia para a Formação de Gestores de Projetos
Indígenas, Brasília, Paralelo 15, 2008”,
que o desafio atual “é como reverter o processo de dependência dos povos
indígenas do governo ou de brancos para resolver seus problemas, mesmo os
problemas simples que a própria comunidade poderia encontrar soluções
internamente. Essa dependência é resultado de séculos de tutela e de
paternalismo a que foram submetidos.” E ainda que os povos indígenas precisam “recuperar
a auto-estima e a capacidade de auto-sustentação, a partir dos conhecimentos
tradicionais e dos recursos naturais e humanos locais, eventualmente
complementados pelos conhecimentos e tecnologias do mundo moderno.”
Esta é uma
boa direção para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas, instituída por decreto em junho de 2012 e para o
trabalho de organizações apoiadoras e organizações indígenas. E, não há
dúvidas, o exemplo pode ser seguido por outras comunidades e povos tradicionais
também.
Para não me
alongar ainda mais, deixo para uma próxima postagem tratar da metodologia e de
uma experiência com a elaboração e possibilidades de implementação de um Plano
de Vida.
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