Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Elaboração participativa de projetos ou as suas "ruínas"

Tenho sugerido, e cada vez mais financiadores têm exigido, que os projetos tenham a participação da comunidade, desde a identificação do problema até a avaliação, passando pela definição da estratégia para superá-lo, a elaboração, execução, gestão e avaliação. Até mesmo a observação tem mostrado que projetos impostos ou oferecidos “de paraquedas” são mal executados e geridos e não dão resultados satisfatórios.

Em seu artigo “A cultura Ramkokamekrá de apoio aos índios”, publicado no livro Povos indígenas: projetos e desenvolvimento, pela Contra Capa Livraria, Andreas Friedrich Kowalski, que trabalhou com esse povo, também conhecido como Canela, relata que “outra constatação surpreendente foram ruínas de vários projetos que, pelas informações dos próprios índios, andavam muito bem enquanto eram implantados e cuidados por técnicos não indígenas. A partir do momento em que ficavam sob a responsabilidade do grupo, eram extintos rapidamente, sem que alguém pensasse em como obter efeitos sustentáveis. Assim, já sumiram, por exemplo, roças com grande diversidade de frutos, um rebanho de gado bovino, uma criação de peixes, um sistema de canalização para distribuir água na aldeia e um laboratório odontológico. Hoje, há na ladeia um moinho de arroz fechado, ainda que a lavoura de arroz tenha crescido e, em Barra do Corda, ao lado da casa dos estudantes, uma padaria doada por uma igreja, mas logo depois fechada pelos índios.”

Conta também que “em conversas com colaboradores indígenas sobre esses casos e sobre como conseguir efeitos sustentáveis, utilizando os desdobramentos dos projetos para manter a autossuficiência e autonomia econômica do grupo, muitos de meus interlocutores me surpreenderam outra vez com a opinião de que a ideia de continuação sustentável, sem dúvida, é importante, porém pertence à cultura dos ‘brancos’ e, portanto é tarefa de assistentes técnicos não indígenas. Assim, tornou-se claro que, na opinião desses índios, os efeitos sustentáveis são uma responsabilidade dos apoiadores, de acordo com o lema: ‘Como és tu quem sabe, é necessário que fiques e trabalhes com nós, os Canela’. A ideia em jogo era que os apoiadores trabalhassem para os Canela ou pagassem salários para que estes continuassem com as ações do projeto após a sua execução.”

Na conclusão afirma que “na área de apoio aos índios, os representantes do grupo, ao menos os que conheço, participam pouco no planejamento dos projetos e contam muito com os patrões não indígenas.

Desde que li esse artigo pela primeira vez fiquei pensando que, muito mais do que fruto da cultura indígena, que vale também para as diferentes comunidades tradicionais, o pouco sucesso e sustentabilidade dos projetos estão relacionados à forma de trabalhar das organizações governamentais e não governamentais e seus técnicos.

Fábio Vaz Ribeiro de Almeida, tratando de “O mercado de projetos e a busca pelo protagonismo indígena”, no Guia para a formação em gestão de projetos indígenas, do Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI, publicado pela Paralelo 15, identifica que “há entre os projetos apoiados pelo PDPI, inúmeros que contam com a parceria de ONGs indigenistas com atuação local. Raramente são elas as proponentes dos projetos, mas a sua importância no arranjo institucional responsável pela gestão do projeto é muitas vezes central. Apesar da diferença nas formas de trabalhar, a busca da autonomia aparece de forma unânime nos discursos das ONGs, em seus textos, nos projetos elaborados e nas conversas com técnicos a ela ligados. Este discurso está afinado com aquela que as agências financiadoras pretendem ouvir. É curioso reparar, no entanto, como é difícil que apareçam de forma não hegemônica (...). Por outro lado, o principal problema associado ao papel das ONGs na construção da autonomia indígena está na dificuldade de superar alguns vícios da relação de seus parceiros com ‘o mundo dos brancos’, reificando algumas vezes o paternalismo e até mesmo o clientelismo que tradicionalmente orientaram sua relação com este. Jaime Siqueira, em sua tese de doutorado, mostra claramente como os próprios índios acionam essas relações tradicionais em proveito próprio, às vezes até manipulando com o seu ‘desconhecimento das coisas do mundo dos projetos’. Mas o fato é que, muitas vezes, os técnicos ou dirigentes de ONGs, assim como fazem também técnicos de governo e lideranças indígenas, se furtam a esclarecer o que seria necessário para uma boa gestão do projeto, evitando entrar em choque com seus aliados. Essa postura, ao invés de contribuir para a almejada autonomia, caminha na sua contramão.”

Aqueles que se dedicam de fato ao desenvolvimento comunitário e à autonomia dos povos indígenas e comunidades tradicionais podem ter nos projetos uma contribuição para isso. Na conclusão de seu artigo, Andreas Kowalski, reflete também que: “ Mas se estou certo e se os Ramkokamekrá realmente protegem a sua cultura da maneira como esbocei, o que pode ser feito é aumentar a parte do conselho, quer dizer, da intermediação nos futuros projetos, sempre que for possível e houver condições.”

Com um dos povos indígenas da Amazônia brasileira que tenho trabalhado há quase um ano e que, inclusive, orientei a fundação de sua associação em março, facilitei em abril uma oficina sobre diagnóstico e planejamento participativos. Ficaram de fazer nas aldeias, como preparação para a oficina seguinte, de elaboração de projetos, mas não o fizeram. Em julho, definiram entre eles um possível projeto para geração de renda. Em agosto, em uma assessoria técnica avançamos um pouco mais na elaboração e eles ficaram de conversar nas 5 aldeias que fazem parte da associação quais seriam a melhores atividades. Fizeram essas conversas e, neste mês de outubro, nos reunimos novamente para finalizar o projeto e responder a um dos editais abertos.

Fiquei surpreendido com a participação de mais de 60 pessoas em uma atividade programada para a diretoria da associação e algumas lideranças. Apresentei e expliquei o edital, com o auxílio de um projetor multimídia. Orientei a elaboração do orçamento para a produção e comercialização de artesanato e castanha, como haviam decidido, para verificarmos se estava dentro dos limites de recursos definidos pelo financiador. Como só seria possível uma das atividades, decidiram pelo artesanato. Toda essa conversa foi feita em português e traduzida para a língua indígena para que aqueles que não compreendiam bem o português pudessem também participar. Como já havia verificado em outras atividade que eles tinham dificuldade para escrever, me propus a fazer isso, desde que as ideias partissem deles. A elaboração do projeto foi sendo acompanhada por todos, já que estava sendo feita projetada com data show. Propostas e decisões também foram feitas na língua indígena e traduzidas para mim, para que fossem incorporadas ao projeto. Como o envio do projeto deve ser feito online, os diretores da associação ficaram de fazer isso. Caso tenham dificuldades com a conexão na aldeia, me propus a enviar caso precisem.


Ao final reconheceram o projeto como deles. Tinham claro que uma organização internacional tinha interesse em investir na melhoria da sua geração de renda e qualidade de vida, mas que financiaria apenas aquilo que eles não tinham condições de conseguir por conta própria. Toda a mão de obra para a coleta de materiais na mata, gestão do projeto e da comercialização será voluntária. A sustentabilidade financeira da atividade após o final do financiamento será viabilizada pagando aos artesãos o valor da mão de obra e considerando o investimento em materiais e equipamentos como capital de giro, que retornará para a associação para iniciar um novo ciclo de produção e comercialização. Tinham claro que eu apenas ajudei tecnicamente a elaborar o projeto, mas ele foi feito de acordo com a decisão deles. Serão os responsáveis pela gestão do projeto e da atividade produtiva, inclusive porque a minha assessoria é temporária e eles devem “caminhar com as próprias pernas”. Lembraram que eu havia dito que eles não são "coitadinhos que precisam de ajuda, mas são um povo com grande potencial e que precisa de investimentos." Elegeram uma coordenadora do projeto, que dividirá com a coordenação da associação a execução e a gestão. Sabem também que não têm garantia que serão financiados, porque concorrerão com muitos projetos do Brasil a fora e a sua proposta precisa ser melhor do que muitas outras e talvez tenham que tentar várias outras vezes. Mas estão torcendo muito para que o seu projeto seja aprovado e eu também, porque é uma proposta muito boa e, se aprovada, aposto que não terá “ruínas”.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Planejamento Estratégico como aprendizado organizacional

Muitas organizações sociais têm se dado o benefício de um planejamento estratégico, assim como muitas outras têm perdido essa oportunidade de aprendizado sobre si mesmas e sobre a realidade em que atuam. Para que seja bem feito é preciso que seja investido o tempo necessário para amadurecer reflexões e tomadas de decisão e, para que seja realmente proveitoso, deve contar com a participação do máximo possível de pessoas da organização, no momento em que sentem a necessidade de pensar o seu futuro.

Nas oportunidades que tenho tido de facilitar esse processo, para ajudar a pensar na organização para além de suas ações e projetos, refletimos sobre os “quatro campos essenciais” de uma organização social, apresentados por Antonio Luiz de Paula e Silva, no livro Utilizando o Planejamento como Ferramenta de Aprendizagem, publicado pela Editora Global e o Instituto Fonte, em 2000. Como o autor não só apoia, mas estimula adaptações, algumas foram feitas, sendo fundamental a base dada por ele.

Inseridos na figura dinâmica de um trevo de quatro folhas, o primeiro campo é a sociedade. Uma organização social existe para tratar de problemas da sociedade, antecipar problemas, preparar e conduzir para um novo patamar de vida e convivência construindo uma nova sociedade. Os serviços são o que a organização escolheu o que fazer entre as necessidades que identificou. Uma ação social só é efetiva quando une ação à necessidade. Esses serviços estão representados em seus programas, projetos e atividades. O trabalho de uma organização social deve gerar resultados, impactos, na sociedade. Os recursos são a base para que a organização possa atuar na sociedade e alcançar os objetivos a que se propõe com os serviços que presta. É preciso que a organização seja realista ao definir suas metas, levando em conta os recursos que tem disponível e que pode vir a conseguir. As pessoas constituem o campo mais sensível e estratégico para uma organização, porque é nelas que estão a criatividade, o potencial, os talentos, a experiência, os conhecimentos de uma organização. Estão também os conflitos, as relações, as amizades, a equipe, a liderança, as vaidades pessoais, a disputa pelo poder. É através das pessoas que a organização cresce, se transforma. É através das pessoas que ocorre o seu aprendizado. O desenvolvimento da organização guarda estreita relação com o desenvolvimento das pessoas que fazem parte dela.

A dinâmica dos 4 campos no trevo se expressa pelas suas relações, já que não estão separados uns dos outros, mas se influenciam mutuamente. Essas influências e movimentos constantes são vitais para a organização. Sem isso a organização ficará fragmentada ou estática. É preciso manter o todo equilibrado e harmonioso.

A relação entre serviços e sociedade dá o direcionamento para a organização: define a sua direção, papel, estratégia e foco. Contribui para a definição da missão, vocação, valores e princípios. A capacidade de ação é definida pela relação entre recursos e pessoas. Se a relação entre a sociedade e os serviços prestados define a missão e a vocação da organização, as pessoas e os recursos dão as condições necessárias para isso. Serviços e pessoas definem a qualidade dos serviços que são prestados. Os talentos e capacidades das pessoas e a forma como os serviços estão organizados potencializam um ao outro. A motivação é definida pela relação entre pessoas e sociedade. Ela é muito importante como força propulsora. Precisa ser reconhecida, respeitada e nutrida. Mobiliza criatividade e vontade para inovar, enfrentar situações difíceis, superar crises. A relação entre recursos e serviços define a viabilidade. É preciso haver uma adequação entre os serviços que se quer prestar e os recursos que se tem: analisar o que é possível fazer com o que está disponível e o quanto poderá ainda ser disponibilizado. A sustentabilidade é alcançada na relação entre sociedade e recursos. Organizações da sociedade civil se mantêm com repasses de recursos pelo governo através de parcerias, comercialização de produtos ou serviços, doações de pessoas físicas e jurídicas. Pessoas e financiadores doam porque querem contribuir com aquelas mudanças na sociedade, mas não querem ou não podem atuar diretamente. Doadores querem ver resultados, mudanças, melhoria na sociedade. É fundamental que a organização divulgue para seus doadores e para a sociedade em geral o que tem feito e os resultados que tem alcançado. Assim poderá manter os atuais doadores e atrair outros.

legitimidade, dada pelo conjunto das relações entre os quatro campos, é o reconhecimento da organização e da importância do seu trabalho pelos financiadores, associados, funcionários, público alvo e a sociedade em geral. É conseguida através dos resultados alcançados com suas ações, do uso eficiente dos recursos, da transparência na prestação de contas das atividades realizadas, dos resultados alcançados e da utilização dos recursos. Um planejamento estratégico tem como objetivo traçar os caminhos para a associação alcançar a sua legitimidade e este éo desafio que se tem pela frente.

O passo seguinte tem sido definir a visão de mundo, um marco referencial da questão social tratada pela associação; os agentes e modelos sociais, econômicos e políticos responsáveis por essa situação problema; a situação alternativa que a organização propõe; os mecanismos ou ideias para viabiliza-la e os fatores internos e externos que contribuem e que dificultam viabilizar a proposta da organização. Inicialmente os participantes podem se dividiram em grupos para um olhar específico na realidade que vivenciam em cada região de atuação para, em seguida o texto ser sistematizado e complementado pelo grupo como um todo, aproveitando os diferentes olhares.

Em sua atuação, a organização convive com diferentes fatores, internos e externos, que contribuem ou dificultam o cumprimento de sua missão. É bastante útil que as fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaças sejam identificadas e sistematizadas em uma matriz FOFA.

Esta compreensão mais clara sobre a realidade é uma base importante para a definição da missão, visão, vocação e foco da organização, de forma coletiva e pactuada pelo grupo. Da mesma forma, os valores, princípios e políticas, assim como o público alvo.

A identificação dos parceiros, clarificando a situação atual em que se encontra a parceria e as ações possíveis de serem realizadas em conjunto é muito importante para ter maior definição de com quem a organização pode contar e para que. O Diagrama de Venn ajuda a dimensionar e posicionar cada um na vida da organização.

É comum, em vários momentos deste processo, os participantes verificarem que cada vez fica mais clara a identidade da associação, como uma imagem que vai aos poucos ficando mais nítida, mais definida. Muitas vezes, dizem também que nada disso é novidade, que sempre esteve na cabeça de cada um e que agora estão pactuando em grupo e “colocando no papel”. Me deixa bastante contente entenderem o meu papel como facilitador: conduzir metodologicamente o processo de reflexão e tomada de decisão deles e não “inventar uma nova roda”.

O mesmo deve acontecer com a estrutura organizacional, partindo inicialmente do que já existe para depois se fazer as alterações necessárias para atender às necessidades reais. Também é esclarecedor “colocar no papel” quais são os programas, projetos e áreas de gestão, definindo as atribuições de cada uma. A elaboração de um organograma, incluindo também os órgãos deliberativos e executivos, facilita a visualização da estrutura da organização e as relações entre as diversas instâncias.

Antes de iniciar a definição dos objetivos e metas é importante pactuar o horizonte de tempo do Plano Estratégico. Para tomar esta decisão deve ser levado em conta qual período pode ser planejado com realismo. Quanto tempo à frente a organização consegue se pensar. Principalmente para organizações iniciantes, ou que planejam pela primeira vez, é bem plausível um período de médio prazo de cinco anos e um ano de curto prazo. Este último pode ser detalhado em uma Matriz de Planejamento, que inclua as atividades, prazos, recursos, responsáveis e parceiros.

Sendo um processo, o planejamento estratégico não pode ser feito com pressa e, em geral, deve prever mais de um momento de encontro e trabalho do grupo como um todo, dando o tempo necessário também para amadurecer ideias e propostas entre grupos específicos de programas ou áreas internas.

O Plano Estratégico deve ser validado pelo grupo antes de dar por encerrado este processo inicial. Sim, inicial, porque não é definitivo. Deve ser revisto e revisado sempre que a organização julgar necessário.

Ele é muito útil para a organização se comunicar com financiadores, parceiros, público alvo e a sociedade em geral, mas a sua grande utilidade é para a própria organização ao ter mais clara a sua identidade, orientar o seu trabalho, dimensionar suas necessidades e prever até onde pode chegar naquele período e, quando feito de forma coletiva e participativa, é um grande aprendizado sobre si mesma.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

É possível associações comunitárias serem autônomas na elaboração de projetos?

Tenho sido convidado várias vezes para facilitar oficinas sobre elaboração de projetos para dirigentes, lideranças e outros membros de comunidades e povos tradicionais. A expectativa dos organizadores é que sejam capacitados para elaborar seus projetos sem a necessidade de técnicos de fora da comunidade, conquistando assim a sua autonomia na captação de recursos para suas associações. Em geral essas oficinas duram de três a cinco dias.

Vamos considerar que um projeto é um documento técnico, que exige um bom domínio da linguagem escrita; poder de síntese para descrever, por exemplo, as características da área onde vivem e da população que forma a comunidade em poucas linhas; compreensão de conceitos como contexto, metodologia, objetivos gerais, objetivos específicos, indicadores;  habilidade para separar as informações sobre a comunidade, a associação e os diferentes aspectos do projeto em cada um desses e outros elementos, “pensando em gavetinhas” como se costuma dizer, e uma boa capacidade de abstração para conceber um conjunto articulado de atividades, para atender a um objetivo, utilizando-se de uma determinada metodologia, meses ou mais de ano antes de iniciar o trabalho.

Vamos considerar também que em grande parte dos casos, essas pessoas têm uma pequena escolaridade, nem sempre de boa qualidade, quando não acontece de não terem escolaridade nenhuma; como consequência possuem pouco domínio da escrita; pouca capacidade de abstração e coloquialmente relatam uma série de informações em uma lógica própria, articulando os diferentes aspectos à sua própria maneira.

É possível que em alguns poucos dias essas pessoas aprendam a elaborar projetos e possam fazê-lo dali para a frente sem a ajuda de ninguém? Conheço pessoas com muito mais formação e experiência neste tipo de coisa, que encontra bastante dificuldade para escrever um projeto.

Em uma oficina de elaboração de projetos, percebi que os participantes tinham uma dificuldade enorme para interpretar textos e também para escrever. Dois deles não tinham escolaridade nenhuma e nem sabiam escrever o próprio nome. Depois de várias tentativas, alguém disse que “vocês estão exigindo de nós uma coisa que não conseguimos fazer. ”

Nesse momento parei a oficina para conversarmos e dizer que não estava ali para “torturar” nenhum deles, mas para ajuda-los a aprender. Concordei que nem todos aprenderiam a elaborar projetos, principalmente aqueles que não sabiam escrever. Esses, no entanto, que eram pessoas com muita experiência de vida e no desenvolvimento das atividades na comunidade, podiam dar muitas ideias para alguém que ficasse encarregado de escrever, de acordo com o formato e a linguagem dos projetos.

A partir daí passei a colher as informações do grupo e a redigir o projeto. A mesma coisa aconteceu em outras associações daquela região. Em uma delas, depois da oficina, ficaram de conversar com a comunidade sobre o interesse pelo projeto, uma vez que não tinham feito antes o diagnóstico e o planejamento, conforme previsto. Quando voltei, tinham conversado e identificado várias pessoas interessadas. Continuamos a elaboração e, uma vez faltando apenas complementar o orçamento, sugeri que reunissem as pessoas interessadas para apresentarmos o projeto, discutir sobre a estratégia adotada e complementar as informações, principalmente do orçamento, já que eram pessoas que costumavam realizar aquelas atividades e sabiam o que era preciso. A reunião foi feita, a proposta apresentada e complementada e saíram todos bastante animados. Alguns deles ficaram de pesquisar preços para o orçamento e eu de encontrar mais editais para apresentar em nosso próximo encontro.

Concordo com muitos financiadores de que um projeto deve contar com a participação da comunidade desde a identificação do problema e a elaboração até a execução das atividades e a avaliação. E acredito que a fórmula que encontramos foi bastante eficiente para isso. No entanto, tenho muitas dúvidas sobre as oficinas como forma de capacitação, para elaborarem seus projetos sozinhos em curto prazo. Pode ser que algumas pessoas da comunidade venham a aprender, principalmente com a prática da elaboração, apoiada por um técnico que tenha a sensibilidade pedagógica e a metodologia apropriada para ir percebendo quando podem assumir mais o processo e dando o espaço para que o façam. Em outros casos, talvez não venham a fazer isso, a não ser que a comunidade passe a contar com uma ou mais pessoas com as habilidades necessárias para isso.

Certa vez me consultaram sobre a possibilidade de dar uma oficina dessas para um grupo de agricultores com muito pouca escolaridade, “semianalfabetos”, como me foi dito. Falei das dificuldades apresentadas acima e concluí que eles não aprenderiam a elaborar projetos antes que aprendessem a escrever bem. Acrescentei que, uma oficina daria a eles conhecimentos sobre a linguagem dos projetos para que pudessem contribuir melhor com alguém que escrevesse o projeto para eles. Esperar mais do que isso seria ilusão.

Para trabalhar dessa forma, mais demorada e dispendiosa financeiramente, nos defrontamos com a dificuldade do tempo e do cronograma imposto por projetos e programas de organizações que apoiam essas comunidades, mais afinados com o prazo de financiamento do que com o tempo das comunidades.


É preciso que organizações de apoio e financiadores entendam e considerem que as comunidades têm o seu ritmo e o seu tempo próprios, que não atendem à rapidez de nossos prazos e cronogramas. Tem seus próprios processos de aprendizado, de mobilização e amadurecimento de propostas. Passar por cima disso é focar mais em resultados que dê visibilidade do que contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades e suas organizações.

sábado, 4 de julho de 2015

Intercâmbio entre associações indígenas no Xingu

Nos dias 16 a 27 de junho, acompanhei um grupo de 17 dirigentes e conselheiros de associações indígenas da região do baixo Rio Teles Pires, na divisa do Mato Grosso com o Pará, em um intercâmbio com associações dos povos do Parque Indígena Xingu com o objetivo de trocar experiências sobre o desenvolvimento de associações.


A preparação começou alguns meses antes fazendo primeiro um levantamento de associações, de preferência indígenas, que tivessem experiências significativas para partilhar, contribuindo para o aprendizado dos participantes e para o desenvolvimento das associações Kawaip, Sawara e Dace, dos povos Kayabi, Apiaká e Munduruku. Em seguida foi feito um diálogo, por um lado com as lideranças das associações a serem visitadas e, por outro, com os participantes. Foi feita uma cuidadosa preparação da logística em conjunto com a empresa que financiou a atividade e associações do Xingu, para providenciar a alimentação, combustível, veículos e barcos e hospedagem necessários para a viagem.

Na véspera da viagem nos reunimos para que os dirigentes e conselheiros das associações definissem em maior detalhe quais os aspectos do desenvolvimento das associações eles achavam importante tratar, que seriam mais importantes para ajuda-los a atrabalhar em suas organizações:

  • Como é a administração da associação: atuação da diretoria, controles financeiros e do patrimônio;
  • Como é a relação da associação com a comunidade: associação e organização tradicional, participação da comunidade nas decisões, atividades e projetos da associação;
  • Como é feita a captação de recursos: projetos que já executaram e estão executando, outras formas de captação de recursos;
  • Parceiros: quem são e como contribuem para o desenvolvimento da associação;
  • Atividades de geração de renda.
Com a Associação Terra Indígena Xingu – ATIX, em Canarana e no Diauarum, conversaram sobre a sua fundação, organização interna, gestão, projetos executados, parcerias celebradas e atividades realizadas com todos os povos indígenas do parquet relacionadas à vigilância e proteção do território e atividades de geração de renda, especialmente a produção e comercialização do Mel dos Índios do Xingu.


Com a Associação Indígena Kisedje, na Aldeia Ngoiwere, conversaram sobre a sua fundação, organização interna, projetos e outras formas de captação de recursos, parcerias, controles financeiros, prestação de contas para os associados, participação dos associados na tomada de decisões e nas atividades desenvolvidas pela associação, atividades de geração de renda como a produção e comercialização de artesanato, mel e óleo de pequi, além de políticas públicas de saúde, educação escolar e a participação de indígenas à frente da Coordenação Técnica Local e da Coordenação Regional da FUNAI

Na Aldeia Capivara, tomaram conhecimento do projeto desenvolvido pela aldeia, tendo como proponente a ATIX, para a recuperação de área degradada e de sementes tradicionais e a experiência com roça sem fogo, com assessoria técnica do Instituto Socioambiental.


Também houve momentos em que viram, participaram e retribuíram apresentações de danças tradicionais. Chamou a atenção dos participantes como aqueles povos conseguem manter e fortalecer a sua organização tradicional e a sua cultura, ao mesmo tempo em que aprofundam o seu conhecimento e a prática sobre atividades “do mundo dos brancos”.


Foi uma experiência muito significativa de aprendizado, como demonstram os depoimentos que fizeram na avaliação ao final do intercâmbio. Um aprendizado construído a partir de experiências vividas, conhecimentos assimilados e incorporados, que foram transmitidos e trocados sem intermediações como muito bem definiu uma liderança da Aldeia Capivara: “o que vocês aprenderam, nós não aprendemos; o que nós aprendemos, vocês não aprenderam. Por isso esse intercâmbio é muito importante para nós.”

domingo, 28 de junho de 2015

Intercâmbio como construção democrática do conhecimento

O intercâmbio entre comunidades e organizações tem sido bastante utilizado como estratégia de formação através da observação de experiências que estão sendo executadas com algum grau de sucesso e da troca de informações e saberes. Vejo também como uma forma de valorizar os conhecimentos existentes e democratizar a produção de novos. Na Aldeia Capivara, no Parque Indígena Xingu – PIX, o vice cacique, ao receber um grupo de 17 dirigentes e conselheiros de associações indígenas do Baixo Rio Teles Pires que eu acompanhava neste mês de junho disse que “o que vocês aprenderam, nós não aprendemos; o que nós aprendemos, vocês não aprenderam. Por isso esse intercâmbio é muito importante para nós.”


Recentemente uma liderança comunitária que estava querendo organizar um intercâmbio me perguntou o que ele é de fato. Comecei pela etimologia da palavra: “câmbio” é troca e “inter” é entre, então intercâmbio é troca de conhecimentos e experiências, por exemplo, entre pessoas ou grupos.

A democratização da transmissão e construção de conhecimento através do intercâmbio começa com esta sua característica básica: todos os participantes têm conhecimentos importantes a partilhar e a troca se dá em mão dupla ou múltipla, conforme o caso. Lembrei em um dos momentos desse intercâmbio da Távola Redonda, do mítico Rei Arthur, quando preparávamos em roda as cadeiras e mesas para iniciar uma das conversas.

Disse também para aquela liderança que ao preparar um intercâmbio é preciso definir um tema e o objetivo que se quer alcançar com ele. Esse objetivo deve estar contextualizado em um trabalho que está sendo desenvolvido e que se sentiu a necessidade de confrontar conhecimentos teóricos com experiências práticas, complementar informações, ampliar o leque de possibilidades. O tema pode estar previamente definido na estratégia de formação, proposta e executada em geral por uma organização parceira, mas especialmente os objetivos específicos e resultados a serem alcançados devem ser definidos em conjunto com os participantes. O técnico ou consultor tem a função de orientar o processo.

Outro passo importante é identificar pessoas, lugares, organizações que possam ter conhecimentos e experiências significativas para trocar sobre o tema. A prospecção dos possíveis grupos e organizações é um momento muito importante, para o qual se deve dar especial atenção. As diferentes alternativas devem também serem discutidas com o grupo, levando-se em conta qual oferece maiores condições de alcançar de maneira mais significativa os resultados, levando-se em conta a logística, tempo disponível e orçamento.

O grupo, comunidade ou organização a ser visitada deve ser informado previamente das características dos visitantes, o contexto do trabalho que está sendo realizado, os objetivos do intercâmbio e os resultados que se espera alcançar com ele, para que possam se prepara adequadamente. As necessidades de hospedagem e alimentação, entre outras, também devem ser informadas claramente. Surpresas nesse sentido podem causar constrangimentos tanto nos visitantes quanto nos visitados, que em geral fazem questão de receber bem.


A execução também merece cuidados. Antes de iniciar a viagem é importante se reunir com o grupo para detalhar ou lembrar o que já foi detalhado sobre os objetivos e resultados, pactuar algumas regras de convivência e dar as últimas orientações necessárias. Tenho observado uma grande possibilidade de intercâmbios facilmente descambarem para um passeio, se transformando em momento de puro lazer ao invés de atender aos seus objetivos. Claro que é importante prever momentos de conversas informais, um joguinho de futebol no final da tarde, apresentações culturais ou diversão à noite, mas não se pode perder o foco. Avaliações com o grupo durante o desenvolvimento da atividade ajuda a corrigir rumos quando necessário.

Neste momento é fundamental o técnico ou consultor não perder de vista qual é o seu papel. Não é o seu conhecimento técnico que se foi buscar, mas sim os conhecimentos e experiências adquiridas e desenvolvidas pelo grupo visitado, a troca com os visitantes e a construção conjunta de novos conhecimentos. Ele é um facilitador desse processo e deve contribuir para fomentar a troca e a reflexão, lembrar quando necessário de aspectos que não foram tratados ou podem ser melhor explorados e eventualmente complementar com alguma informação que for relevante e contextualizada na conversa que está sendo feita.

Solicitar previamente um relato de cada um dos participantes ou em grupos contribui para que direcionem sua atenção durante as atividades e, depois de terminadas, seja um momento para organizarem e sistematizarem suas informações. É também importante como registro ou memória de sua realização.

Uma avaliação final é a ferramenta adequada para checar o alcance dos objetivos e resultados e contribuir para aprimorar futuros intercâmbios.


Para não alongar muito essa postagem, deixarei para a próxima o relato do intercâmbio realizado neste mês entre as organizações indígenas do Baixo Rio Teles Pires e do Parque Indígena Xingu.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Consultorias devem estar inseridas no contexto das comunidades

Em julho de 2014 afirmei em uma das postagens que “As consultorias devem estar inseridas na estratégia de ação da organização” que a contrata e agora quero acrescentar um elemento muito importante: as consultorias precisam também estar inseridas no contexto da comunidade onde as ações são realizadas. Isso não depende só do consultor, mas também da forma como a organização que trabalha com aquela comunidade atua, como se relaciona com ela.

Acredito que não precisaria nem lembrar que a posição de quem chega na comunidade como quem tem as soluções e vai salvá-los de alguma coisa, está completamente fora de questão. Toda comunidade tem uma história, tem saberes, tem desenvolvido atividades econômicas, culturais e outras que a fizeram ser o que são hoje, inclusive com seus problemas, fragilidades a serem superadas e desafios a serem enfrentados. Primeiro é fundamental ouvir muito para conhecer esse contexto para depois começar a pensar em que a organização para a qual trabalhamos pode contribuir no enfrentamento dos seus desafios, superando as suas fragilidades para resolver ou diminuir seus problemas e melhorar a vida coletivamente.

Isso leva tempo? Claro que leva! Uma organização não pode chegar de repente e nem ir embora de repente. As comunidades não funcionam “por produto”. É preciso ter uma proposta de médio, ou melhor ainda, de longo prazo. É preciso ter tempo para estabelecer uma relação de confiança com as lideranças e demais pessoas da comunidade, mostrando que o que se tem para oferecer não é uma atividade pontual que a organização precisa mais da comunidade para executar seus projetos do que a comunidade tem necessidade de receber. Muitas vezes até aceitam isso, por não terem uma alternativa melhor e acreditarem que “alguma coisa é melhor do que nada”, mas isso tem mais a ver com dependência do que com empoderamento e desenvolvimento comunitário.

Esse acúmulo de relações e conhecimentos da organização contratante é fundamental para o sucesso do trabalho. Um consultor é um especialista na sua área, mas conhece pouco ou nada sobre aquela comunidade e precisa aprender para inserir corretamente suas contribuições naquele contexto.

Também é preciso ter paciência, disponibilidade e postura para ouvir quando se trata da identificação de problemas, levantamento de demandas e escolha das alternativas. Então os técnicos da organização e o consultor não têm nada a dizer, já que o verdadeiro saber é o da comunidade? Não, eles têm muito a contribuir quando utilizam seus conhecimentos e técnicas para facilitar esse processo. São muitas as dinâmicas e técnicas de facilitação que nem sempre as comunidades têm acesso ou sabem como utilizar adequadamente. Os técnicos e o consultor, trabalhando juntos, também podem oferecer diferentes alternativas, expor de forma clara e simples as vantagens e desvantagens de cada uma para que a comunidade possa decidir de forma qualificada.

Também no planejamento e execução das atividades a serem realizadas não se pode deixar de lado os conhecimentos, científicos em muitos casos, apesar de não reconhecidos pela academia, desenvolvidos historicamente pelas comunidades. E os técnicos? Ah, eles podem contribuir, e muito, com novas técnicas para enfrentar novos desafios. Esses técnicos, além de desenvolverem as atividades com competência, devem ter a sensibilidade e metodologia necessárias para também transmitir seus conhecimentos e habilidades, para que depois de um período necessário de aprendizado, possam continuar por si próprios.

Desenvolvimento comunitário ou de suas organizações não pode prescindir disso.

Não estou deixando de considerar que os prazos e as condições possíveis para a elaboração dos projetos que vão viabilizar financeiramente essas atividades são, em geral, muito menores do que o tempo necessário para amadurecer as propostas e os processos nas comunidades, nem que os recursos disponíveis são, muitas vezes, menores que o necessário. Os financiadores não teriam também o que aprender? Os recursos dispendidos nas últimas décadas no Brasil, por financiadores nacionais e internacionais, têm tido o seu correspondente resultado e impacto? Se não estão, não cabe também aos financiadores reverem seus critérios e estratégias? Os financiamentos também devem estar inseridos no contexto comunitário e de organizações que realmente atuam para o desenvolvimento comunitário e de suas organizações para a conquista do bem viver.

Tem ainda uma última questão: se as comunidades serão empoderadas e ganharão autonomia, o que as organizações e consultores vão fazer depois? Depende do que elas vão precisar para se desenvolver mais e do que as organizações e consultores estiverem preparados para oferecer. Talvez nem precisem de nada, pelo menos por um tempo. Tenho três filhos, hoje entre 22 e 26 anos, cada vez mais adultos, empoderados e autônomos. Não vou negar que tenho uma certa nostalgia de quando precisavam mais de mim, mas também é evidente o meu orgulho de ter contribuído para que eles sejam o que são hoje. É verdadeiro o ditado popular de que “criamos os filhos para o mundo”. Tenho precisado me reinventar como pai em diferentes momentos o que, admito, não é nada fácil.

As organizações precisam ter a flexibilidade, a sensibilidade e a criatividade para contribuírem com as comunidades para enfrentarem os novos desafios que terão pela frente. E se essas comunidades apoiadas tiverem “aprendido a aprender” e descobrirem sozinhas como continuar sua caminhada, devem ter a capacidade de se reinventar para começar tudo outra vez, em outras comunidades. Assim como os filhos, elas também não são nossas.

terça-feira, 19 de maio de 2015

O que as associações tem a ver com políticas públicas?

Nos dias 06 a 14 de maio facilitei oficinas sobre políticas públicas voltadas para os povos indígenas para dirigentes e lideranças de três associações indígenas do baixo Rio Teles Pires, na divisa dos estados do Mato Grosso e Pará.

Discutindo o conceito de política pública, chegou-se à definição de que “É uma ação do Estado para atender às necessidades e interesses coletivos.” Duas reflexões importantes surgiram a partir daí. A primeira é que política pública não é um favor, mas uma obrigação do Estado, compreendendo não só o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário. São baseadas nos direitos coletivos estabelecidos. A segunda é que atendem a interesses coletivos de bem-estar da população em geral ou de grupos específicos, mas não a necessidades pessoais, como fornecer utensílios, ferramentas ou outros insumos de uso particular, característico da política indigenista durante muito tempo.

O ciclo de uma política pública começa pela formação da agenda, quando temas de interesse entram na pauta de discussões do governo. Para que isso ocorra, os grupos interessados devem se manifestar e pressionar, tendo em vista que outros grupos também estão fazendo o mesmo e se não o fizerem, os próprios gestores se encarregarão de definir as prioridades a seu modo. Na formulação de políticas são definidos os objetivos, ações, público beneficiário, etc. Aqui é novamente fundamental a manifestação e pressão da sociedade civil organizada para que as suas necessidades sejam contempladas, assim como no estágio posterior da tomada de decisões, quando se fará a escolha entre as diferentes alternativas apresentadas. A participação não termina com a publicação em lei, decreto ou outro dispositivo legal instituindo a política. Durante a implementação a participação na execução e monitoramento, é fundamental, em especial com uma atuação qualificada nas instâncias de controle social, o que também deve ocorrer durante a avaliação.

E o que a associação tem a ver com isso? Segundo os participantes de uma das oficinas, As políticas públicas são obrigação do governo e é também papel da associação cobrar a execução adequada dessas políticas.”

A base do reconhecimento nacional dos direitos indígenas está na Constituição Brasileira, em especial em seus artigos 231 e 232. Também são muito importantes os preceitos estabelecidos na Convencão nº 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT. Há quem questione se o governo brasileiro deve obedecer a um tratado internacional. Para dirimir qualquer dúvida, esta convenção foi ratificada pelo legislativo brasileiro através do Decreto Legislativo 143, de 2002 e pelo Decreto 5.051, de 2004 que, em seu artigo 1º, estabelece que “A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.”

Muitos indígenas, em especial os mais velhos, lembram com saudades do tempo em que a Fundação Nacional do Índios – Funai supria suas necessidades por roupas, ferramentas, utensílios de cozinha, material de pesca e de caça. Alguns chegam a dizer que “sua antiga mãe os deixou órfãos”. Na verdade, o foco da atuação do órgão indigenista estatal está na proteção territorial e na promoção do desenvolvimento sustentável. Ou seja, “a mãe não abandonou seus filhos, mas reconhece que devem andar por suas próprias pernas”. Depois de ter viabilizado o reconhecimento, demarcação e homologação de boa parte das terras indígenas no Brasil, cabe agora oferecer condições para que os povos indígenas possam utilizar de forma sustentável os recursos naturais de suas terras para viverem bem nelas, atendendo às suas necessidades. É preciso que as organizações indígenas, formais e informais, cobrem da Funai a efetiva realização das ações que estão a seu encargo. Foram estimulados a participarem de forma qualificada dos Comitês Regionais, canais de controle social em que os indígenas têm participação paritária.

Desde 1991 as ações relativas à saúde e educação deixaram de ser executadas pela Funai e passaram aos ministérios da Saúde e Educação. Tanto nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena quanto nos Territórios Etnoeducacionais, os índios têm participação garantida em lei, o que não tem sido aproveitado adequadamente pelos povos participantes das oficinas.

Foi discutido que, além das manifestações promovidas pelo movimento indígena, esses espaços institucionais de controle social devem ser aproveitados ao máximo de seu potencial. Os representantes devem ser escolhidos democraticamente; devem ser qualificados para de fato intervirem e devem manter diálogo constante com as comunidades que representa, de forma a expressarem a sua vontade e informar sobre os resultados. Não há representação de fato sem esse diálogo.

Quando se trata de representação em órgãos nacionais como a Comissão Nacional de Política Indigenista, não dá para pensar que os representantes de regiões como a Amazônia, conversem em cada aldeia. O movimento indígena deve se organizar em nível local, microrregional e estadual para que o diálogo seja viabilizado.

Um dos participantes comentou ressentido que no último Acampamento Terra Livre, em Brasília, quando o governo queria conversar chamava apenas lideranças da APIB, COIAB e outras organizações regionais. Foi ponderado que o governo não pode chamar a todos. Quando quer conversar com os industriais, chama a Confederação Nacional da Indústria – CNI; quando quer conversar com os fazendeiros, chama a Confederação Nacional da Agricultura – CNA e os industriais ou os fazendeiros não acham isso ruim, porque se sentem bem representados. Por que os indígenas não se sentem bem representados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ou por suas organizações regionais? Isso não é responsabilidade do governo, mas do próprio movimento indígena, que deve fortalecer sua organização e representação.

Com a participação social o interesse público passa a ser definido por coletividades que colocam em debate suas demandas determinando com a sua representatividade e capacidade de pressão aos gestores públicos o maior ou menor atendimento de suas reivindicações. As Políticas Públicas são o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da sociedade que buscam defender e garantir os seus interesses.

O Estado brasileiro tende a uma burocratização e a uma disseminação de instâncias de consulta que, muitas vezes inibe a execução prática de suas políticas. Estão em curso encontros locais e regionais que antecedem à realização da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista. O mesmo deve acontecer no próximo ano para a realização da 1ª Conferência Nacional da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas - PNGATI. Acontece que os temas são em grande parte similares:


Eixos Temáticos da Conferência Nacional de Política Indigenista
Eixos da PNGATI
1. Territorialidade e o direito territorial dos povos indígenas;
Eixo 1 - proteção territorial e dos recursos naturais:
2. Autodeterminação, participação social e o direito à consulta;
Eixo 2 - governança e participação indígena:

Eixo 3 - áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas:

Eixo 4 - prevenção e recuperação de danos ambientais:
3. Desenvolvimento sustentável de terras e dos povos indígenas;
Eixo 5 - uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas:
5. Direitos individuais e coletivos dos povos indígenas; e
Eixo 6 - propriedade intelectual e patrimônio genético:

Eixo 7 - capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental:
4. Diversidade cultural e pluralidade étnica no Brasil; e 

6. Direito à Memória e à Verdade


Alguém pode me explicar porque passaremos de março a novembro deste ano mobilizando esforços para a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista e depois o próximo ano para a 1ª Conferência Nacional da PNGATI, se os temas são em grande parte coincidentes? Como não estão contempladas em nenhuma das duas as políticas públicas de Saúde e Educação para os povos indígenas, isso significa que as conferências nacionais de Saúde e Educação continuarão a acontecer separadamente? Mas a ideia da Conferência Nacional de Política Indigenista não é articular as políticas públicas voltadas para os povos indígenas? Se em um ano terá a conferência nacional de política indigenista, no outro a da PNGATI, no outro a de saúde e no outro a de educação, sobrará tempo para a execução? Será que é maldade minha pensar que a ideia do governo é mesmo ficarmos tão ocupados com conferências que não teremos tempo de cobrar execução nenhuma, acreditando (ingenuamente?) que alguma coisa está acontecendo?

Para quem possa se perguntar qual é, então, a minha proposta: que haja apenas uma Conferência Nacional de Política Indigenista, que contemple todas as políticas voltadas para os povos indígenas, a ser realizada a cada 5 anos; que o Conselho Nacional de Política Indigenista, a substituir a CNPI, seja desencalhado no Congresso e criado, para se reunir a cada 6 meses a fim de monitorar a execução e caso ela não ocorra adequadamente, que o Ministério Público Federal seja acionado e, se necessário, que os 900 mil indígenas e mais todos os apoiadores de sua causa vão às ruas exigir do governo o cumprimento da lei.

Um colega comentou que isso é tão simples que seja a ser assombroso. Tenho uma admiração especial pelas coisas simples e óbvias. Lembrando dos idos dos anos 1970 e 1980, chego a pensar que são revolucionárias. Um companheiro de trabalho, há muitos anos, dizia que "o rio, quando é pequeno, faz muitas curvas para parecer que é grande...". Precisamos fugir disso, não é?

As lideranças indígenas com quem conversei avaliaram que as políticas públicas para os povos indígenas, conforme estão formuladas, são muito boas. O que falta é a execução conforme está prescrito...

terça-feira, 28 de abril de 2015

A necessidade do Estado e a importância da Cidadania Empresarial e do Terceiro Setor

"Desapegando" das teorias soviética, nacionalista ou neo liberal de Estado, acredito que precisamos discutir o assunto desde os seus princípios e, então, eu me pergunto:

1. Por que precisamos de um Estado?
2. Para que precisamos de um Estado?
3. Quanto devemos pagar para ter o Estado que precisamos?
4. O que devemos fazer como pessoas físicas, empresas ou em organizações da sociedade civil para "o bem viver" de todas as pessoas?

Há anos atrás, no auge dos convênios da Fundação Nacional de Saúde com organizações da sociedade civil para a prestação de serviços de saúde aos povos indígenas, o que levou muitas delas à inadimplência por uma série de dificuldades, inclusive as impostas pela própria Funasa, um advogado amigo meu se posicionou no sentido de que o Estado não pode tranferir as suas responsabilidades para as organizações sociais e deveria executar diretamente o atendimento das comunidades. Respondi a ele que venho de uma geração que foi às ruas reivindicar serviços adequados do governo. Com a redemocratização o governo chamou as organizações sociais para uma atuação em parceria em várias áreas. É sabido que o governo chega com dificuldade e pouca eficiência a muitos lugares e para tratar de várias necessidades da população. Mais capilarizadas e enraizadas, conhecedoras dos problemas locais e dialogando melhor com as comunidades sobre as soluções a serem adotadas, as organizações locais têm se mostrado mais eficientes. Por que se negar a isso? Vamos continuar nos manifestando nas ruas pedindo que o governo resolva os problemas, mas nos negando de participar diretamente?

Desde então venho pensando sobre o papel do Estado e da sociedade civil na solução de problemas e melhoria da qualidade de vida da população.

Na origem dos Estados Nacionais, em substituição aos governos feudais, a defesa do território estava no topo das suas funções. Com o crescimento do comércio, a segurança das estradas e dos mercados foi acrescida. Com um governo, exército e orçamento advindo de impostos, o Estado se tornava capaz de oferecer serviços que pessoas ou organizações menores não seriam capazes.

Com o tempo, outras atribuições foram sendo agregadas, chegando ao “Estado do Bem Estar Social”, experimentado por países europeus, onde o governo deveria garantir com serviços de qualidade o bem estar da população em termos de saúde, transporte, alimentação, educação, lazer, entre outros. O custo foi aumentando a tal ponto que inviabilizou a proposta, sendo abandonada ou diminuída nesses países, fazendo pensar em uma nova definição do que deveria ser assumido pelo governo, o que deveria ser assumido pela iniciativa privada, de empresas e organizações sociais.

E hoje, qual é a função do Estado? Precisamos do governo para atender a quais da nossas necessidades? Quais delas podem ser supridas pelas empresas do Segundo Setor? Quais podem ser atendidas pelas organizações sociais do Terceiro Setor? Não podemos nos iludir, a cada serviço prestado pelo governo, cabe uma contrapartida da sociedade em termos de impostos. Somos nós que pagamos por cada serviço que cobramos que o governo preste.

Muita gente considera que as organizações do Terceiro Setor prestam serviços complementares ao governo, nas áreas em que são especializadas, nas regiões em que têm mais capilaridade, nas ações que realizam com maior eficiência e eficácia. Acredito que é o contrário. O Estado é que cumpre as funções que a sociedade civil não consegue apenas com suas organizações empresariais e sociais.

 A falta de uma definição clara dos papéis dessas três esferas da nossa sociedade cria certos desvios que precisam da nossa atenção. Recentemente, no bojo das denúncias de organizações criadas para desviar recursos públicos, uma campanha na TV fazia questão de frizar que não haveria renúncia fiscal relativa às doações. Algumas organizações faziam questão de ressaltar que não recebiam recursos do governo. Ora, se o governo ainda tem para si essas responsabilidades, qual é o problema de uma organização social com o mesmo objetivo fazer parcerias e executar essas ações desde que com eficiência e transparência?

Por outro lado, podemos considerar como filantrópica a ação de uma empresa que repassa parte dos impostos que deveria pagar ao Estado para uma organização social realizar atividades de cunho social? Entendo que não. Ela não está fazendo filantropia, entendida aqui em seu sentido amplo originado do termo grego, que significa “amor à humanidade”, manifestado por ações que pretendem construir uma sociedade mais justa e equitativa, na qual todas as pessoas tenham as mesmas possibilidades de desenvolvimento. Está apenas exercendo o seu direito de escolher pagar os impostos que deve para o governo ou investir diretamente nas ações de uma organização de interesse público. Destinar recursos da sua estratégia de marketing para ações sociais, abatendo de seu imposto de renda e ainda exigindo em contrapartida que o beneficiário faça propaganda dela, está longe de ser filantropia. Não tenho nada contra a renúncia fiscal, pelo contrário, acredito que é em muitos casos uma forma mais eficiente de uso dos recursos públicos, mas se a empresa quer ser cidadã deve ir além, dando de si, sem receber nada em troca, o que está no cerne da filantropia.

Tem todo o meu apoio também as doações individuais, de pessoas físicas. As organizações de ajuda mútua estão na origem das organizações da sociedade civil, inicialmente para atender famílias que ficavam desempregadas e em dificuldades financeiras; para as que eram surpreendidas pelo falecimento de algum de seus membros e não tinham como arcar com as despesas do funeral; para melhorar o acesso à habitação, etc. Hoje temos organizações para o desenvolvimento cultural, esportivo, conquista de primeiro emprego pelos jovens, proteção do meio ambiente, garantia dos direitos das populações indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, entre muitos outros objetivos.
  

A solidariedade é uma qualidade humana e não uma atribuição de governos. Cabe à sociedade civil se organizar e se fortalecer de forma autônoma para que “todas as pessoas tenham as mesmas possibilidades de desenvolvimento.”

sábado, 18 de abril de 2015

Fundamos a associação. E agora, fazemos o quê?

No livro Associação é para fazer juntos, logo após a fundação da Associação Jequitibá, os diretores se reunidos se perguntaram “o que nós vamos fazer com essa ferramenta que temos na nossa mão? Quais são as coisas mais importantes que precisamos ajudar a resolver para melhorar a vida na nossa comunidade? O que nós vamos fazer para resolver, ou pelo menos diminuir, esses problemas?”

No mês de março passado, assessorei a fundação das associações indígenas Sawara, do povo Apiaká e Dace, do povo Munduruku, no Norte do Mato Grosso e sul do Pará, respectivamente. Nos dias 08 a 16 deste mês de abril, voltei a trabalhar com eles, além da Associação Indígena Kawaip Kayabi, com quem facilitei um diagnóstico organizacional, reforma do estatuto e encaminhamento de providências para resolver algumas pendências contábeis, para tentar responder a essas perguntas.

Os dirigentes das associações Sawara e Dace continuam providenciando as informações e documentos necessários para o registro da Ata de Fundação e do Estatuto no cartório. Enquanto isso, realizamos o Módulo I da Capacitação em Elaboração de Projetos, sobre Diagnóstico e Planejamento Participativos.

Tratamos do conceito de diagnóstico e da importância da sua realização para identificar a conhecer bem os problemas da comunidade. Para isso, lançamos mão de algumas metodologias de Diagnóstico Rápido Participativo, como a Chuva de Ideias, Entrevista Semi Estruturada, Mapeamento Participativo, Perfil Histórico, Calendário Sazonal e Caminhada Transversal. Foi ressaltada a necessidade de ser participativo porque “o paciente é a melhor pessoa para falar sobre o seu problema. Não é o médico que diz o que a pessoa está sentindo...”. Além disso, o comprometimento e envolvimento dos associados será muito maior se participarem e forem ouvidos a partir da discussão dos problemas e buscarem juntos a melhor solução.

Fizemos um exercício de Chuva de Ideias, levantando problemas reais das aldeias ali representadas, trabalhamos a sua formulação para que ficassem bem claros e fizemos a priorização, levando em conta: qual é o mais grave, que mais ameaça a vida ou a qualidade de vida das pessoas; o que atinge o maior número de pessoas e o que está relacionado ao maior número de outros problemas. Essa definição foi antecedida em vários casos por uma discussão do problema, que pode ser conseguida com a Entrevista Semi Estruturada, individual ou em grupo focal, além das outras “ferramentas de diagnóstico”.

Nas oficinas com as duas associações recém fundadas, perguntei aos dirigentes o que fariam agora. Nenhum deles soube me responder. Comentei que não sabiam o que fazer porque não haviam feito um planejamento. Nas assembleias de eleição de diretoria, costumo sugerir que além da eleição, façam também um rápido diagnóstico e planejamento, para que os eleitos tenham um Plano de Trabalho, definido em conjunto com os associados, para conduzir as ações da associação. Nesses casos, foi feita apenas a aprovação da proposta de estatuto e eleição das coordenações e conselhos, porque nossa próxima atividade seria esta oficina.

Esta constatação e reflexão iniciou a sensibilização sobre a importância do planejamento. Refletimos também que planejar é uma condição para todas as atividades que realizamos no dia a dia, mesmo que de forma intuitiva e não sistemática. Perguntei como se preparavam para caçar. Responderam que combinavam com um grupo quando fariam, precisariam de arma, munição... Perguntei para que caçavam. Tiveram inicialmente dúvidas de como responder à pergunta óbvia para eles: “Você faz cada pergunta sem rumo...” Insisti na pergunta e responderam: “Para comer, ora.” Esclareci que algumas perguntas poderiam parecer sem utilidade porque eles fazem isso desde crianças e planejam intuitivamente. Então, começamos a trabalhar sobre as perguntas que fazemos para planejar:

       “Para quê?”, que nos ajuda a definir o objetivo (conseguir comida) e o resultado esperado (carne suficiente para alimentar a família);
       “O quê?”: caçar;
       “Com o quê”: armas, munição;
       “Quando?”: o dia e hora em que irão caçar;
       “Quem?”: a pessoa que está organizando a caçada;
       “Com quem?”: as pessoas que irão junto.

Foi apresentado e explicado um modelo de Matriz de Planejamento e os participantes, divididos em grupos, fizeram o planejamento para solucionar alguns dos problemas levantados no diagnóstico.

Foi lembrado que “a associação, em suas atividades, deve valorizar as potencialidades que a comunidade tem e aproveitar as oportunidades existentes e outras que podem ser conseguidas.”

Pelos depoimentos dados, acredito que a oficina tenha cumprido o seu papel de sensibilizar o grupo de participantes, formado por dirigentes, conselheiros e associados para a importância do diagnóstico e planejamento participativos: “vale a pena pensar para fazer as coisas, porque se não pensar direito, dá errado; não é fácil fazer planejamento, mas aos poucos a gente vai aprendendo para fazer bem feito e não dar errado; a gente nunca teve associação e nunca fez esse trabalho. Não é fácil. É preciso ter muita força de vontade e paciência. É difícil, mas não é impossível; com planejamento a gente faz bem o nosso trabalho. Em cima da hora dá tudo errado.”

Foram orientados a fazer o diagnóstico e o planejamento participativos em suas aldeias antes do próximo módulo da capacitação que será sobre elaboração de projetos e captação de recursos. O treinamento sobre a elaboração de projetos será feito com base nos planejamentos feitos. Serão apresentados editais abertos na ocasião e os projetos poderão ser encaminhados para financiamento, começando a viabilizar financeiramente as atividades das associações. Além disso, a sistematização dos planejamentos feitos nas aldeias, poderá compor o Plano de Trabalho das associações Apiaká e Munduruku para este primeiro período de suas existências ou para o mandato da próxima coordenação da associação Kayabi, a ser eleita em breve.


Depois da animação da fundação das associações, estão percebendo que as soluções não virão facilmente, mas como fruto de um trabalho longo, a ser feito com dedicação e paciência. O bom é que parecem dispostos a isso. Espero que esse processo não seja atropelado por algum “salvador da pátria”, oferecendo soluções rápidas como “projetos de gabinete” para “conseguirem logo dinheiro para a associação”, como se a questão fosse só dinheiro...