Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




terça-feira, 26 de junho de 2018

Crônicas de Itupeva 1 - Audiência Pública é isso mesmo?


Em uma segunda-feira, às 9:30 da manhã saí de casa para ir a uma Audiência Pública na Câmara Municipal de Itupeva. É, estou aposentado e não precisava estar no trabalho. E acho importante participar das coisas da cidade. O aviso que vi no perfil de um dos vereadores em uma rede social era um tanto enigmático, “Compareça – Audiência Pública - projeto de lei complementar nº 492, nº 494 e nº 495 – projeto de transformação de área”, mas resolvi ir assim mesmo. Eu tinha perguntado para o mesmo vereador na rede social do que se tratava e ele me respondeu que eram projetos para transformar três áreas rurais do Bairro da Lagoa em áreas urbanas.

Na Câmara Municipal fui recebido por funcionárias muito atenciosas, que me convidaram a entrar na galeria destinada aos cidadãos alguns minutos antes de iniciar a audiência. Além de mim tinha mais seis ou sete pessoas. Também, nesse horário, né? Está todo mundo trabalhando...

Com a rápida apresentação do representante da prefeitura – os projetos de lei eram de iniciativa do prefeito – fiquei sabendo que as três áreas somavam pouco mais de 480 mil m2 e os proprietários tinham interesse em fazer loteamentos ali. Essas áreas são suficientes para trazer para a cidade mais 480 famílias, se forem feitos lotes de 1.000 m2, como onde eu moro. Ou 960 famílias se cada lote tiver 500 m2 ou mesmo 1920 famílias, se os lotes forem de 250 m2 como no centro da cidade. Isso certamente vai provocar impactos na infraestrutura existente na cidade, que já é bastante deficiente, seja no consumo de água e produção de esgoto, lixo, na demanda por creche, escola, postos de saúde e hospital, transporte, bancos e correio que estão sempre lotados, parques e áreas de lazer que já são poucos.

Dois vereadores demonstraram sua preocupação com a preservação ambiental, em especial das áreas verdes nas nascentes e margens de córregos que passam por ali.

Em mais ou menos uma hora a audiência havia terminado e eu estava voltando para casa e me perguntando: audiência pública é isso mesmo?

Em casa, fui pesquisar melhor sobre o assunto. Descobri um boletim muito interessante, publicado pelo Instituto Polis (http://www.polis.org.br/uploads/1042/1042.pdf) que explica que “A Audiência Pública é um instrumento de participação popular, garantido pela Constituição Federal de 1988 e regulado por Leis Federais, constituições estaduais e leis orgânicas municipais. É um espaço onde os poderes Executivo e Legislativo ou o Ministério Público podem expor um tema e debater com a população sobre a formulação de uma política pública, a elaboração de um projeto de Lei ou a realização de empreendimentos que podem gerar impactos à cidade, à vida das pessoas e ao meio ambiente.”

Explica também que o órgão competente, neste caso a Câmara Municipal, precisa divulgar com a máxima antecedência no Diário Oficial e em outros meios de comunicação como jornais, televisão, etc. o edital com a data, o horário, a forma como será feita a disponibilização de informações e o local acessível para a realização da Audiência.

Êpa! Espera aí! Eu só tive notícia da audiência no perfil do vereador, no sábado anterior de manhã. Procurei no site da prefeitura, e nada. No da Câmara Municipal, também nada. No perfil da prefeitura na rede social, e nada. Lá na entrada da Câmara peguei um jornal da quinta feira anterior e, com a ajuda de um vereador que foi me cumprimentar e eu reclamei que não tinha sido divulgado em lugar nenhum, encontrei o edital na penúltima folha. Aqueles que começam assim: “O presidente da Câmara Municipal de Itupeva, Estado de São Paulo, com fundamento no inciso I do parágrafo 4º da Lei Federal nº ...” e ninguém consegue mais ler. Isso vale como informação à população? Ah, também tinha uma faixa na frente da Câmara. Dois ou quatro dias podem ser considerados como “máxima antecedência”?

Diz também que “O órgão público deve deixar disponível para consulta pública, com o máximo de antecedência e acessibilidade, informações a respeito da questão a ser discutida na Audiência.” Eu, hein!! Até perguntei na internet onde os projetos de lei estavam disponíveis para a gente tomar conhecimento antes de ir para a audiência e não tive resposta nenhuma.

O boletim Repente, do Instituto Polis, ressalta que os participantes “não vão à Audiência apenas para ouvir, mas para questionar, dar opiniões, buscar informações sobre o tema e pressionar o Estado para que este seja mais democrático na tomada de decisões, realizando assim o controle social.”

E orienta: “Para isso, é necessário que os participantes busquem informações, discutam anteriormente na comunidade, e que já tenham pensado em como vão expor seus pontos de vista ou dúvidas a respeito da questão discutida.” Nossa!! Eu não vi nenhuma associação de bairro se manifestar na audiência. Nenhuma organização da cidade. Nem representantes dos Conselhos Municipais de Defesa do Meio Ambiente e de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, que analisaram os projetos antes de ir para a Câmara e aprovaram com a ressalva de garantirem a preservação ambiental.

Senti uma falta danada de ter organizações de bairro, ambientalistas, de desenvolvimento da cidadania, etc., fortalecidas e atuantes na cidade.

Eu vou ler outras coisas que vi no boletim, Leis Federais: http://www.planalto.gov.br; Resolução do Conselho Nacional das Cidades: http://www.cidades.gov.br; Boletim Dicas – Idéias para a Ação Municipal nº 229: “Realizar Audiências Públicas no Município”– disponível em http://www.polis.org.br; Nelson Saule Júnior – “A participação dos cidadãos no controle da Administração Pública” – Pólis Papers, São Paulo, novembro de 1998 – disponível em http://www.polis.org.br, mas seria muito bom se tivesse algumas pessoas dispostas para ler junto comigo e começar a falar sobre isso na cidade.

Fiquei sabendo também que uma Audiência Pública não é válida, entre outras coisas, quando “falta divulgação prévia e em tempo razoável das informações sobre o tema a ser discutido.” Ihhh! Então não valeu, né?

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Exercer a cidadania no nível municipal: um bom começo!


- E daí, o que podemos fazer??
- Muito boa a sua pergunta. O debate está aberto. É a população da cidade, inclusive os proprietários que não residem aqui, quem deve decidir isso. Mas eu tenho algumas considerações e sugestões. Toda cidade tem 3 agentes fundamentais para o seu desenvolvimento e o bem viver de quem mora nela.
- O primeiro é a Prefeitura, encabeçada pelo prefeito, escolhido pelos eleitores, que é encarregada de arrecadar impostos e taxas e utilizá-los de forma eficiente para atender às necessidades da população. Depois de uma gestão ineficiente (para dizer o menos), que deixou uma dívida maior do que a arrecadação anual, não temos informações claras sobre como tem sido a gestão atual e há reclamações constantes com relação à qualidade dos serviços de saúde, educação, manutenção de vias e outros espaços públicos, transportes, segurança, etc.
- Está tudo ruim. Como reclamar da saúde, etc. Fala, se não tem dinheiro???
- Então, é por isso que é preciso ter maior transparência por parte da Prefeitura e da Câmara Municipal sobre o que está sendo feito com os recursos arrecadados, porque em 2017 a receita foi de pouco mais de R$ 221 milhões. Com despesas de pouco mais de R$ 207 milhões, teve um superávit de mais ou menos R$ 14 milhões. O orçamento para este ano é de quase R$ 195 milhões. Faltam informações objetivas e projeções do quanto seria necessário para resolver os principais problemas da cidade, que tem 57 mil habitantes, e fazer investimentos para sabermos se isso é pouco ou não.
- O segundo agente é a Câmara Municipal, composta por vereadores também escolhidos pelos eleitores, que tem as funções de legislar e fiscalizar o executivo. Para isso, tem como obrigação elaborar e aprovar leis que melhorem o funcionamento e gestão da cidade, além de apreciar os projetos de lei encaminhados pelo executivo; aprovar o orçamento, acompanhar a sua execução e aprovar ou rejeitar as contas apresentadas pelo prefeito, entre outras atribuições. Pelo menos no momento, as atividades de fiscalização do executivo são quase ou completamente nulas: as contas dos últimos anos ainda não foram apreciadas pela Câmara (pelo que me disseram recentemente porque estão "enroscadas" no Tribunal de Contas do Estado); as Comissões Permanentes da Câmara, que têm um papel fundamental na fiscalização e proposição de adequações, ao que tudo indica não estão funcionando e os vereadores indicam individualmente as melhorias reivindicadas pela população ao invés de tratá-las nas Comissões, provavelmente porque assim as obras vão "carimbadas" com seus nomes e rendem votos. A Câmara também pode formar Comissões Especiais ou de Inquérito, mas não há notícias de que tenha acontecido, pelo menos recentemente. Ou seja, fiscalizam praticamente nada. Também legislam quase nada, praticamente se limitando a aprovar todos os projetos de lei encaminhados pelo executivo. Ao mesmo tempo, a Câmara promove cursos, faz convênio e os vereadores vão em busca de recursos para o município com deputados de seus partidos, além de promover eventos pela cidade a fora.
- O terceiro agente é a população, os cidadãos, os verdadeiros donos dos mandatos do prefeito e dos vereadores que, com muitas carências fruto da má gestão há anos por parte do executivo e da omissão ou anuência dos vereadores, em geral têm aplaudido e elogiado o "socorro" que é dado em ações pontuais por intervenção principalmente dos vereadores, mesmo que isso seja um desvio de função. Se nem o prefeito nem os vereadores estão garantindo uma boa gestão da cidade, eu só vejo como caminho a mobilização e organização da população para reagir a isso. Não é só na eleição que somos cidadãos. Cidadania se exerce todo dia.
- Há várias formas da população de organizar, como associações de bairro, sindicatos, organizações da sociedade civil com objetivos sociais, que podem se articular, por exemplo, para reivindicar um Orçamento Participativo onde todos possam opinar sobre as prioridades de investimento; formar um Observatório da Sociedade Civil para monitorar as ações da Prefeitura e da Câmara Municipal, pedir esclarecimentos e, se necessário, tomar providências junto ao Ministério Público e outras instâncias da Justiça; um Fórum Municipal, que reúna o poder público, empresários e organizações da sociedade civil para diagnosticar os problemas a serem resolvidos e planejar ações conjuntas para solucioná-los, com orçamento, cronograma e atribuições de cada parte definidas para que possa ser feito monitoramento por todos.
Ou a sociedade civil toma em suas mãos o destino de nossa cidade ou continuaremos nas mãos de quem toma essa iniciativa. Caso a gente prefira que o comando continue nas mãos de quem está, o resultado é o que sentimos no nosso dia-a-dia e que já foi estudado e exposto por pesquisadores, na nossa cidade e em outras da região:
1. Todos os prefeitos e vereadores têm altos salários;
2. Os servidores públicos municipais têm aumentos de salário sempre no mínimo. “Nunca dá para dar mais” e planos de carreira também não têm;
3. A maioria dos cargos na Prefeitura e na Câmara são definidos por vereadores em cargos de comissão. São cargos políticos para amigos e parentes. Isso precisa ter um fim. É um escândalo em algumas cidades;
4. Processos na Justiça, no Ministério Público, Ação Civil Pública por causa de suspeita de direcionamento em licitações, superfaturamento, descumprimento da lei;
5. As cidades têm problemas com saúde, educação, segurança, infraestrutura...

São vícios de décadas. É isso que o povo das cidades do Brasil não aguenta mais!!
De cada 10 vereadores, 7 estão “sentados no colo do prefeito”, atuam como advogados do prefeito. Isso não pode. Essencialmente, os vereadores têm que fiscalizar o prefeito, os contratos, as ações e não estão fazendo isso.
E tem mais, neste ano tem eleição para deputados estaduais e governador, deputados federais, senadores e presidente da República. Os candidatos a deputado estadual e federal já estão visitando as cidades, prometendo e muitas vezes conseguindo verbas de R$ 100 mil para a saúde, R$ 200 mil para pavimentar ruas, para terem votos.
Migalha é o que estão dando para a população das cidades para continuarem no poder.