Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Capital de Giro "é o karakuri (dinheiro) que vai passear e volta"


Em dezembro de 2011 facilitei uma oficina para um grupo de mulheres artesãs do Tumucumaque, no Amapá (ver postagem daquele mês). Dando continuidade ao trabalho iniciado de organização do grupo de artesãs, controle dos materiais, de estoque de peças e financeiro, em especial a gestão do capital de giro, foi feita uma reunião na Missão Tiryó, no dia 23 de agosto, com o grupo de mulheres daquela aldeia que vai iniciar a produção das peças para comercialização no Rio de Janeiro, durante uma exposição que o Museu do Índio realizará com as peças que compraram delas.


Por volta de 20 mulheres participaram da reunião, entre elas duas que estavam na oficina em Macapá no ano passado, para decidirem se pagariam pelo material recebido do Museu do Índio como forma de terem um capital de giro para a sustentabilidade das atividades. Na primeira venda que fizeram ao Museu do Índio para o seu acervo e que será exposto nos próximos meses, as artesãs receberam todo o dinheiro arrecadado com a venda. A conseqüência disso foi não terem dinheiro depois para comprarem mais miçangas e continuar comercializando as peças.

Além do exposto acima, expliquei que, por exemplo, um comerciante, ao iniciar o seu empreendimento, precisa ter um capital inicial para as instalações, equipamentos, mercadorias e as despesas iniciais até começar a ter o retorno financeiro de sua atividade. O dinheiro utilizado para a compra das mercadorias e pagamento dos custos de comercialização e outras despesas é chamado de Capital de Giro. Isso porque ele é recuperado quando a mercadoria é vendida; os custos de comercialização e outras despesas, inclusive a remuneração do comerciante, são pagos e o restante investido na compra de novas mercadorias para que um novo ciclo se complete. Para que entendessem melhor disse que “capital de giro é o karakuri que vai passear e volta”.

“Imaginem se o comerciante levasse para a casa dele, para comprar comida, roupas e outras despesas, todo o valor de suas vendas. Teria que fechar a loja porque não teria mais dinheiro para comprar outras mercadorias e continuar vendendo. O karakuri foi passear e não voltou, como o dinheiro delas que,depois da primeira venda para o museu, foi ‘passear’ no mercado, na loja de roupas, de utensílios e eletrodomésticos e ficou por lá.”

Todas elas gostam de ter miçangas para fazer peças para si, para a família e para dar de presente. Assim, parte do material do grupo é utilizada para fins pessoais. Se pagarem apenas o material que utilizaram nas peças entregues para venda, o que vai acontecer? Demonstrando claro entendimento do conceito, responderam que o karakuri vai indo embora.

Naquela oficina foi feita uma planilha de formação de preços que identificava o custo com materiais, uma taxa administrativa e a remuneração do trabalho da artesã. Foi dado um exemplo na reunião para que verificassem que não perdiam muito de sua remuneração, que ficava em torno de 75% do preço de venda.


Como poucas falam português, foi fundamental para que entendessem, a tradução e a complementação de informações com base no que foi aprendido na oficina feitas pelas duas mulheres que participaram daquela atividade e estavam na reunião.

O grupo aceitou a proposta. Agora vão se organizar para a distribuição do material recebido, para a produção e posterior comercialização, gestão financeira, etc. O mesmo processo deverá ser feito nas outras aldeias.

Diagnóstico Participativo em aldeias do Tumucumaque


Dando continuidade ao trabalho de desenvolvimento organizacional das associações indígenas do Tumucumaque, no Amapá, promovido pelo Iepé, moderei nos dias 21 e 22 de agosto uma reunião com pouco mais de 30 caciques e lideranças para a realização de um diagnóstico de suas aldeias para a elaboração de um planejamento das ações da Associação dos Povos Indígenas Tiryó, Kaxuyana E Txikuyana – APITIKATXI.

Para contextualizar o diagnóstico, que será seguido do planejamento, iniciamos por refletir sobre o que é, o papel e a importância de uma associação, focando na participação dos associados, valorização das potencialidades e aproveitamos das oportunidades.

Os trabalhos caminharam lentamente porque poucos falam português. Tradutores indígenas, não só repassavam as explicações nas línguas Tiryó e Kaxuyana, como também complementavam as explicações para facilitar a compreensão. Durante ou após a tradução, os caciques davam também a sua contribuição. Se por um lado, isso levou a uma demora maior do que o esperado para a realização das atividades, por outro levou a uma participação mais efetiva e maior compreensão sobre os conteúdos tratados.

Os participantes foram divididos em quatro grupos para o levantamento de problemas. Essa metodologia tem se mostrado mais produtiva do que uma “chuva de idéias” feita com todos de uma só vez. Após a exposição dos grupos, foi feita a sistematização, dividindo os problemas em temas: terra e meio ambiente, saúde e saneamento básico, educação e transporte. Durante esse processo foi necessário que mais informações fossem fornecidas sobre os problemas, inclusive para que fossem elaborados de forma mais clara, cumprindo pelo menos em parte o que seria o papel da “entrevista semi estruturada”.

Como a dificuldade para entender ou falar em português se estende também para a leitura, para a escolha de prioridades foi necessário que o presidente da associação expusesse os problemas de cada tema na língua indígena para que os caciques pudessem fazer a sua escolha.

Foi explicado como será feito o planejamento em uma próxima reunião, ainda a ser agendada. Estava planejado que fosse feito também nessa semana, mas alguns contratempos além da dinâmica das traduções e debates inviabilizaram a realização. Foi opção de todos, inclusive do Iepé, fazer uma parte bem e com calma, respeitando o ritmo dos caciques, do que fazer tudo de forma apressada.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Na Comunidade Cachoeirinha, associação é para fazer juntos


A Associação dos Moradores Agroextrativistas da Comunidade Cachoeirinha – AMAC foi criada “para trazer benefícios para a comunidade” como outras dez associações da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira e as mais de 100 do Município de Manicoré, no Sul do Amazonas.

Como em outros tantos casos, os incentivadores de sua criação foram embora e os dirigentes e moradores ficaram com a associação criada, sem saber o que fazer com ela e os cuidados que deveriam ter com suas obrigações administrativas e legais, além do potencial que essa “ferramenta” tem para o desenvolvimento comunitário. Francisco Udson Oliveira da Conceição, seu primeiro presidente, mantido no cargo pelos mandatos que o estatuto permitiu, não se conformou e buscou informações do que precisava ser feito e do que poderiam fazer com ela.

Os moradores da Comunidade Cachoeirinha contribuem com R$ 5,00 mensais para a manutenção da associação e mais R$ 10,00 anuais para a APRAMAD, associação que reúne 44 comunidades da RDS do Rio Madeira.

Com essas contribuições, além de cobrir as despesas administrativas da associação, criaram um fundo de micro crédito que empresta até R$ 500,00 para os associados, a ser pago em três vezes sem juros. Se for pago fora deste prazo, há uma taxa de juro estipulado pela assembléia. O fundo começou com R$ 8 mil e hoje tem R$ 16 mil, “fora o que está emprestado”, segundo o Sr. Udson. A taxa de inadimplência é zero. Segundo Marquinhos, presidente da APRAMAD, “ninguém deixa de pagar porque não deixaria de pagar para ele mesmo”. Essa é uma demonstração da consciência plena de que a associação é o conjunto dos associados e não uma “entidade” descolada da comunidade.

Entre outras coisas, fizeram um convênio com a Secretaria de Produção Rural do Estado do Amazonas – SEPROR para a compra de um micro trator. Reivindicando junto à prefeitura conseguiram recentemente a construção de uma unidade básica de saúde. Os jovens fazem até o Ensino Médio na escola da comunidade. Com pouco mais de R$ 5 mil da Bolsa Floresta Social, acrescidos de recursos da associação e mão de obra voluntária da comunidade, construíram um excelente salão social para diversas atividades da comunidade.

A Cachoeirinha é uma das comunidades que se destacam na RDS do Rio Madeira pela sua organização e benefícios trazidos para seus moradores. No dia seguinte, em reunião em uma comunidade próxima, dentro da mesma reserva, fui questionado se conhecia alguma associação que funcionava da forma que eu estava explicando que deveria funcionar. Pude dizer com alegria, que bem próximo deles havia uma associação que, pelas informações que obtive na véspera, conseguia muita coisa mobilizando os associados para trabalharem juntos.

Diagnóstico e Planejamento Participativos na RDS do Rio Madeira


Nos dias 10 a 13 de agosto estive na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira, nos municípios de Manicoré, Novo Aripuanã e Borba, no Sul com Amazonas, com Rachel Ribeiro Lange, assessora de campo do IEB e Marcos Paulo de Lima Barros (Marquinhos), presidente da Associação dos Produtores Agroextrativistas da RDS do Rio Madeira – APRAMAD para a realização de reuniões de diagnóstico e planejamento participativos nas comunidades Bracinho, Cachoeirinha e Delícia.

A oportunidade foi aproveitada para aprofundar o conhecimento daquelas comunidades sobre o que é, qual a importância e como funciona uma associação, destacando que a participação dos associados é fundamental para que ela atinja seus objetivos. Essa prática estava sendo estimulada já nesses encontros para diagnóstico e planejamento e deve se estender também para a execução das atividades, seu monitoramento e avaliação.

Os participantes das reuniões foram divididos em grupos para inicialmente levantarem os problemas enfrentados pela comunidade. Depois de expostos, tiveram a sua formulação corrigida quando necessário, em especial para que não fossem confundidos com recursos ou atividades. O passo seguinte foi planejar ações e recursos necessários para a superação dos problemas. 

Em alguns casos, as reuniões não foram produtivas como esperávamos, levando em conta o planejamento que pretendíamos obter como produto. No entanto foram fundamentais para iniciar a consciência de que a associação é uma organização da comunidade, que a sua principal força está no trabalho conjunto de seus associados, começando com a discussão sobre seus problemas e como solucioná-los e não ficar esperando recursos externos para tentar resolvê-los

Essas reuniões serviram também como capacitação, em especial para o Marquinhos, em processo de diagnostico e planejamento, feito pela primeira vez de forma sistemática na APRAMAD. Como é inviável para mim e Rachel realizar as reuniões em todas as 44 comunidades que fazem parte da RDS do Madeira e tem associados à APRAMAD, o presidente e outros diretores, depois de terem participado e atuado nas reuniões iniciais farão nas demais comunidades.

Os planejamentos serão consolidados, discutidos e complementados em uma reunião com os líderes das comunidades nos dias 03 e 04 de novembro.

Aos poucos estamos consolidando uma metodologia mais participativa de desenvolvimento organizacional de associações comunitárias, que passa pelo Diagnóstico Organizacional, um Plano de Ação pactuado entre dirigentes e consultores, o Diagnóstico e Planejamento Participativos nas comunidades e a assessoria para a implementação desses planos.

domingo, 5 de agosto de 2012

"Associação é como curumim que você faz na sua esposa"


No dia 30 de julho participei junto com Henyo Barreto e Josinaldo Aleixo, coordenador de projeto e consultor do IEB respectivamente, de uma reunião com lideranças Gavião na Coordenação Regional da FUNAI em Ji-Paraná, Estado de Rondônia, sobre a possibilidade de atuarmos no desenvolvimento organizacional de suas associações.
Durante a conversa, Welinton Gavião, da Terra Indígena Igarapé Lourdes, disse que “o amadurecimento de uma associação é como o de uma pessoa. Quando você faz um curumim na sua esposa, você começa a se preocupar com ele desde que está na barriga da mãe. Precisa ter leite, fraldas, roupinhas, médico. Depois ele vai crescendo e precisa de comida, escola, outras roupas. Índio não pensa nisso. Quem incentiva o índio a criar associação não pensa nisso. Quem trabalha com associação indígena não fica depois para ajudar a massa a virar pão. Quem sofre com isso é a diretoria. Precisamos nos preocupar com isso, capacitar, sensibilizar os parentes para isso.
No mesmo dia fomos para a Aldeia São Luis, na Terra Indígena Rio Branco, em Alta Floresta, para fazer o diagnóstico e planejamento participativos (ver postagem abaixo). Durante a reflexão sobre o papel e importância da associação, um dos participantes disse que é preciso que a associação se desenvolva como um corpo.
Perguntei qual era o corpo da associação e esquematizei o corpo de uma pessoa. Juntos fomos definindo quem representava as diversas partes:

A diretoria é a cabeça. O presidente é o cérebro porque ele é o responsável por conduzir a discussão sobre a organização e as estratégias de ação. Ele coordena e incentiva os demais em seu trabalho. Mas não basta apenas o cérebro funcionar. Os olhos, nariz, boca também precisam funcionar bem, ou seja, todos os membros da diretoria;

O tronco e os membros são formados pelos associados. Estes podem ter diferentes funções, contribuindo nas atividades administrativas, representando a associação em fóruns de temas diversos e nas atividades na comunidade;

O pescoço é representado pelos coordenadores de atividades e de temas. Eles são os responsáveis pela ligação entre a cabeça e o restante do corpo. Josi lembrou que, se o pescoço quebra, o corpo fica sem movimentos, perde a necessária ligação com a cabeça. Então, os coordenadores de atividades e temas precisam estar sempre dialogando com a diretoria. É através deles que a diretoria vai dar suas orientações para o funcionamento dos grupos e para manter a unidade do corpo;
Contei para eles o que o Welinton tinha falado na reunião em Ji-Paraná. Uma liderança disse carinhosamente:
- A gente também precisa dar para o curumim uma meinha, um sapatinho, um bonezinho...
Respondi para ele:
- Assim o curumim fica contente, não é?

Eu sempre digo nos cursos, oficinas e reuniões que aprendo muito com as lideranças e comunidades e insisto que não é demagogia. Eles tendem a pensar que nós sabemos de tudo porque temos títulos universitários e eles por não ter não sabem nada, o que não é verdade. Os exemplos acima confirmam. Não tenho dúvidas de que, quando abandonamos a arrogância e a prepotência em favor da construção coletiva do conhecimento, temos um resultado muito melhor para todos, nós e eles.

Diagnóstico e Planejamento participativos na Terra Indígena Rio Branco


Nos dias 01 e 02 de agosto moderamos o Diagnóstico e Planejamento da Associação Indígena Doá Txatô, na Aldeia São Luis, na Terra Indígena Rio Branco. Contei com a valiosa contribuição de Henyo Barreto, diretor acadêmico e coordenador do Projeto de Conservação da Biodiversidade em Terras Públicas da Amazônia Brasileira, um consórcio liderado pelo IEB e Josinaldo Aleixo, consultor como eu da mesma organização.

No dia 31 de julho, já na TI, cuidamos da mobilização das aldeias e da infraestrutura, juntamente com o presidente da associação. Participaram 26 indígenas, entre diretores, lideranças e demais associados de 8 aldeias.

Iniciamos com uma reflexão sobre o papel e importância de uma associação, precedida da leitura dialogada de um dos capítulos do livro Associação é para fazer juntos. Ressaltamos que associação é uma ferramenta para trabalharem juntos, desde a identificação de seus principais problemas e planejamento de ações para resolvê-los ou, pelo menos, diminuí-los até a execução e avaliação dos resultados. Por isso estávamos ali para fazer juntos o diagnóstico e o planejamento. Foi deixado bem claro que não se tratava meramente de um exercício ou de oficina para capacitação, mas de um planejamento que iria orientar o trabalho deles em associação durante o próximo ano.

Assim como em outras associações, foi reforçado que eles têm uma terra indígena homologada, com muitos recursos naturais, com uma população com muitos conhecimentos e capacidade para buscarem sua autossutentação. Cabe à associação identificar e mobilizar as potencialidades existentes e não ficarem dependentes de recursos de fora através de projetos ou programas de governo. Eles devem ser acessórios e não fundamentais ou única forma para obter os recursos necessários para melhorarem sua qualidade de vida na terra indígena. A associação também deve ser mantida pela contribuição dos associados, como já vem sendo feito em vários lugares.

A Fundação Nacional do Índio – FUNAI havia feito um levantamento de problemas, idéias e soluções em novembro de 2010, divididos em temas: Terra e Meio Ambiente, Saúde e Saneamento, Educação e Cultura, Produção e Extrativismo. O relatório foi cedido pela Coordenação Regional de Ji-Paraná e disponibilizado para os participantes, que partiram desse material para, em grupos discutirem inicialmente os seus principais problemas. De acordo com os critérios, já expostos na postagem anterior, priorizaram os problemas levantados. Em seguida, os grupos voltaram a se reunir para planejar: objetivos, resultados esperados, atividades, recursos necessários, prazo, responsáveis e parceiros.

O planejamento será validado e aprovado pela assembléia a ser realizada em outubro, quando será assinado um Termo de Cooperação entre o IEB e a Associação Indígena Doá Txatô. A partir daí nossas ações serão dirigidas para o aprimoramento da organização e administração da associação, conforme levantamento feito no Diagnóstico Organizacional, e para a implementação do Planejamento 2012-2013.