Como
prometido na postagem anterior, compartilho aqui uma experiência que,
recentemente, tive a oportunidade de iniciar de um processo de elaboração
participativa do Plano de Vida de um povo indígena no Pará. Várias metodologias
já foram experimentadas em diversos lugares do Brasil, com diferentes
populações, de forma que o que relatarei é apenas uma delas.
Em
qualquer das metodologias de que já tive notícia é fundamental que o processo
seja iniciado com a sensibilização da comunidade ou comunidades para a importância
que um Plano de Vida construído de forma participativa tem para a vida da
comunidade e seu desenvolvimento. A sensibilização é fundamental para que sejam
mobilizados para participar das reuniões. Dessa forma, busca-se uma
participação ampla e efetiva para que o Plano tenha a devida legitimidade. Para
que ele saia do papel, é fundamental que o maior número possível de pessoas se
envolva, se comprometa e enxergue a si e a seu futuro nele, para que esteja
estimulado a executá-lo depois de elaborado. Neste caso, a sensibilização e
mobilização ficaram a cargo dos dirigentes e conselheiros da associação. O
consultor pode participar desse processo, mas é muito importante que lideranças
da comunidade estejam à frente.
É
fundamental não limitar o número de participantes. Se o que está sendo
discutido é o presente e, principalmente, o futuro dessas pessoas, todos os que
estiverem dispostos devem ter a oportunidade de participar. Quanto mais pessoas
participando, maior a legitimidade. Por isso a opção foi fazer reuniões por
aldeia, abrindo a participação a todos os interessados.
Em cada
aldeia em que as reuniões já foram realizadas, foi explicado que um plano de
vida é olhar o presente, pensar o futuro e discutir o que precisa ser feito
para chegar ao futuro desejado. Foram apresentadas três perguntas orientadoras
para as discussões:
- Como estamos vivendo hoje: o que está bom e o que está ruim?
- Como queremos viver no futuro para sermos felizes em nossa terra?
- O que precisamos fazer para termos o futuro que desejamos?
As respostas a estas perguntas poderiam ser
discutidas em grupos. Em especial para a terceira pergunta, poderiam ser
organizados grupos temáticos, com as pessoas mais envolvidas e interessadas em
cada tema. Como estávamos trabalhando com um grupo não muito grande eles mesmos
optaram por discutirem todos juntos. Primeiro conversaram em sua língua
materna. Depois, ao terem chegado a algum consenso, traduziam. Quando havia
alguma intervenção a ser feita ou informação complementar a ser dada, voltavam
a conversar na língua e a tradução era feita no final. Esse processo se repetiu
todo o tempo.
O resultado das conversas foi sistematizado no
quadro negro da escola indígena ou em folhas de flip chart, de forma que podiam
acompanhar e opinar sobre o resultado. É preciso que o consultor assuma a
posição de quem facilita um processo que é da comunidade. O Plano de Vida não é
do consultor, é deles. Apenas orientamos o processo.
Ao responder o que estava bom ou ruim, surgiram os
temas relevantes para a comunidade. Eles foram a base para pensar o que queriam
para o futuro: valorizar e dar continuidade ao que estava bom e planejar ações
para melhorar o que estava insatisfatório.
Para a definição de estratégias para melhorar as
condições em que estavam vivendo foi ressaltado que deveriam pensar não só nas
políticas públicas, parcerias e financiamentos (oportunidades), mas também
naquilo que eles tinham condições de resolver com seus próprios recursos
(potencialidades). Compuseram o Plano de Vida, o problema enfrentado, o
objetivo que o solucionaria, as atividades, responsáveis pela sua organização e
os parceiros para cada um dos temas: saúde, educação, fiscalização e proteção
da terra indígena, cultura tradicional, alimentação e geração de renda.
Foi interessante notar que algumas ações, como o
fortalecimento das práticas culturais no quotidiano da aldeia e a solução para
o lixo espalhado foram planejadas com base nas potencialidades. Também ficou
claro que as atividades internas da aldeia devem ficar a cargo da liderança
tradicional e as negociações com órgãos governamentais, parceiros e
investidores, a cargo dos dirigentes da associação.
Ainda serão realizadas reuniões em outras aldeias e, depois de sistematizado, o Plano de Vida será validado em uma reunião com as lideranças.
Em uma das aldeias, terminamos o trabalho com cantos
e danças tradicionais no centro da aldeia, para as quais fui convidado e aceitei
com alegria.
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