Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 29 de setembro de 2014

E como se faz desenvolvimento comunitário?

Em uma reunião com coordenadores de uma organização para a qual presto consultorias, depois de refletirmos sobre a impossibilidade de desenvolver associações sem ao mesmo tempo investir no desenvolvimento comunitário, fui confrontado com a seguinte questão: Como alguém que trabalha com o desenvolvimento de associações pode acreditar tão pouco nelas? Respondi que acredito muito nas associações, mas não descoladas de sua base comunitária. Como exposto no livro Associação é para fazer juntos: uma associação é como uma árvore e para que ela cresça saudável precisa ter suas raízes bem fincadas na comunidade. É nela que há solo fértil necessário para o seu desenvolvimento. Como tenho ouvido em alguns lugares: sem a comunidade não existe associação.

Me perguntou também se agora deveríamos deixar de investir nas associações e investir mais nas comunidades. Não se trata de ceder ao limite da dicotomia “isso ou aquilo”, mas avançarmos para uma abordagem que considere o desenvolvimento das associações como de fato é, indissociável do desenvolvimento comunitário.

Outro coordenador presente me perguntou: E como se faz desenvolvimento comunitário? Respondi a ele que a pergunta era bastante complexa para ser respondida rapidamente, mas que voltaríamos a falar sobre isso.

Segundo Cristhiane da Graça Amancio em seu artigo “Educação Popular e Intervenção Comunitária: Contribuições para a reflexão sobre empoderamento”, quando falamos de participação social, valorização do conhecimento popular e alternativas pedagógicas que promovam a emancipação de sujeitos críticos, estamos tratando de educação popular e esta não tem em sua fundamentação pedagógica um programa de referência que sirva de eixo básico de ações e não existem conteúdos pré-estabelecidos a serem ensinados.

Não ter uma “receita” é o grande diferencial dessa pedagogia. O processo educativo com o grupo ou comunidade deverá ser construído em conjunto por todos os atores envolvidos partindo de sua realidade, como se relacionam com ela, suas necessidades, suas capacidades, porque não existe metodologias de desenvolvimento local e sim metodologias que possam apoiar a tomada de decisão, de reflexão e fortalecer os laços comunitários. Na perspectiva da educação popular, todo interventor assume um papel de fato educativo onde os sujeitos populares não são objetos de sua intervenção. Eles são enxergados como agentes de mudança tal como esse interventor.

É preciso identificar grupos com interesses comuns, orientar a comunidade na identificação dos problemas e promover a organização inicial do grupo, que por conseguinte tem um papel totalmente ativo, diagnosticando e estabelecendo meios para solucionar os problemas bem como suas causas.

Cristhiane descreve cinco subprocessos do que chama de abordagem educacional, no qual tanto o agente externo quanto o grupo aprendem: o desenvolvimento da consciência da realidade onde os indivíduos passam a compreender a realidade social que molda suas vidas; participação; organização ou estruturação interna do grupo; solidariedade, no sentido da predisposição para a cooperação entre os membros do grupo, que podem ser estendidas a outros grupos e articulação, que visa aumentar o poder de contraposição dos grupos.

O papel do mediador ou do educador, de acordo com Paulo Freire, será o de dar força e jeito para que esses grupos populares transformem de fato o dia de amanhã, têm o papel de instigadores com uma contribuição fundamental a dar, estimulando a autoconfiança do grupo e dando-lhe subsídios para adquirirem autonomia, conhecimento e consequentemente poder de contraposição. Círculos de reflexão vão propiciar que as pessoas se reúnam e reflitam coletivamente sobre seus problemas e suas histórias individuais permitindo que sejam tomadas decisões coletivas, uma postura coletiva. Devem levar a recuperação da autoestima para romperem com formas antigas de relação de dependência e terem consciência da capacidade que possuem de transformar sua realidade.

Compreender que as necessidades poderão ser satisfeitas a medida que o grupo se tornar mais coeso, mais solidário e mais reflexivo são caminhos possíveis onde esses indivíduos começam a dimensionar suas próprias potencialidades e limites.

Quando não é estabelecida uma relação “dialógica”, como conceituou Paulo Freire, o que se cria é uma dependência de assessores sempre intervindo na realidade das comunidades. Como consequência, o que de forma mais comum tem acontecido é das duas uma: ou a comunidade aceita passivamente as referências e “verdades” dos interventores ou, na ausência deles, se sentem abandonados. Até esse momento temos sido responsáveis pelas escolhas destas comunidades ou temos servido como apoio para ajuda-las a escolher e a viabilizar suas decisões?

Fui questionado também a respeito de muitas lideranças comunitárias que passam a ser também autoritárias ou ausentes de suas comunidades, se dedicando mais a usufruir do prestígio conquistado fora e dos benefícios trazidos por isso. A reflexão sobre o papel e as diferentes características de um líder também merecem um cuidado especial para que ele não passe a “encarnar o opressor”, a confundir a situação de evidência com uma prática de pensar e fazer pelos outros companheiros, o que, de forma preocupante, não o permite mais agir com eles, deixando de agir como um ser complexo, de tecer junto.

A educação popular como pedagogia para o desenvolvimento comunitário dá uma nova perspectiva para o trabalho de organizações governamentais e não governamentais. Em primeiro lugar, não comporta ações pontuais e previamente decididas. Exige tempo e dedicação para estabelecer relações de confiança, segue o ritmo da própria comunidade para fortalecer seu tecido social. Em segundo lugar, desloca o centro das decisões das agências e seus técnicos para as comunidades. Em contrapartida, qual não será a legitimidade e capacidade de mudanças que passarão a ter os projetos de educação, cultura, atividades sustentáveis de geração de renda, entre outros, apoiados por essas organizações, que germinaram, cresceram e frutificaram em um ambiente de crescente empoderamento?


E as associações? “Associações são ferramentas.” As comunidades saberão quando vão precisar delas.

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