Em uma reunião com
coordenadores de uma organização para a qual presto consultorias, depois de refletirmos
sobre a impossibilidade de desenvolver associações sem ao mesmo tempo investir
no desenvolvimento comunitário, fui confrontado com a seguinte questão: Como
alguém que trabalha com o desenvolvimento de associações pode acreditar tão
pouco nelas? Respondi que acredito muito nas associações, mas não descoladas de
sua base comunitária. Como exposto no livro Associação é para
fazer juntos: uma associação é como uma árvore e para que ela cresça
saudável precisa ter suas raízes bem fincadas na comunidade. É nela que há solo
fértil necessário para o seu desenvolvimento. Como tenho ouvido em alguns
lugares: sem a comunidade
não existe associação.
Me perguntou também se
agora deveríamos deixar de investir nas associações e investir mais nas comunidades.
Não se trata de ceder ao limite da dicotomia “isso ou aquilo”, mas avançarmos
para uma abordagem que considere o desenvolvimento das associações como de fato
é, indissociável do desenvolvimento comunitário.
Outro coordenador
presente me perguntou: E como se faz desenvolvimento comunitário? Respondi a
ele que a pergunta era bastante complexa para ser respondida rapidamente, mas
que voltaríamos a falar sobre isso.
Segundo Cristhiane da Graça Amancio em seu artigo “Educação
Popular e Intervenção Comunitária: Contribuições para a reflexão sobre
empoderamento”, quando falamos de participação
social, valorização do conhecimento popular e alternativas pedagógicas que
promovam a emancipação de sujeitos críticos, estamos tratando de
educação popular e esta não tem em sua fundamentação
pedagógica um programa de referência que sirva de eixo básico de ações e não
existem conteúdos pré-estabelecidos a serem ensinados.
Não ter uma “receita”
é o grande diferencial dessa pedagogia. O processo educativo com o grupo ou
comunidade deverá ser construído em conjunto por todos os atores envolvidos partindo
de sua realidade, como se relacionam com ela, suas necessidades, suas
capacidades, porque não existe
metodologias de desenvolvimento local e sim metodologias que possam apoiar a
tomada de decisão, de reflexão e fortalecer os laços comunitários. Na perspectiva da
educação popular, todo interventor assume um papel de fato educativo onde os
sujeitos populares não são objetos de sua intervenção. Eles são enxergados como
agentes de mudança tal como esse interventor.
É preciso identificar grupos com
interesses comuns, orientar a comunidade na identificação dos problemas e promover
a organização inicial do grupo, que por conseguinte tem um papel totalmente ativo,
diagnosticando e estabelecendo meios para solucionar os problemas bem como suas
causas.
Cristhiane descreve cinco subprocessos do que chama de abordagem
educacional, no qual tanto o agente externo quanto o grupo aprendem: o desenvolvimento da consciência da realidade onde os indivíduos passam a compreender a
realidade social que molda suas vidas; participação; organização ou
estruturação interna do grupo; solidariedade, no sentido da predisposição para
a cooperação entre os membros do grupo, que podem ser estendidas a outros
grupos e articulação, que visa aumentar o poder de contraposição dos grupos.
O papel do mediador
ou do educador, de acordo com Paulo Freire, será o de “dar força e jeito
para que esses grupos populares transformem de fato o dia de amanhã”,
têm o papel de instigadores com uma contribuição fundamental a dar,
estimulando a autoconfiança do grupo e dando-lhe subsídios para adquirirem autonomia,
conhecimento e consequentemente poder de contraposição. Círculos de
reflexão vão propiciar que as pessoas se reúnam e reflitam
coletivamente sobre seus problemas e suas histórias individuais permitindo que
sejam tomadas decisões coletivas, uma postura coletiva. Devem levar
a recuperação da autoestima para romperem com formas antigas de relação de dependência e terem
consciência da capacidade que possuem de transformar sua realidade.
Compreender que as
necessidades poderão ser satisfeitas a medida que o grupo se tornar mais coeso,
mais solidário e mais reflexivo são caminhos possíveis onde esses indivíduos
começam a dimensionar suas próprias potencialidades e limites.
Quando não é estabelecida uma relação “dialógica”, como
conceituou Paulo Freire, o que se cria é uma dependência de assessores sempre
intervindo na realidade das comunidades. Como consequência, o que de forma mais comum tem acontecido é das duas uma: ou a
comunidade aceita passivamente as referências e “verdades” dos interventores
ou, na ausência deles, se sentem abandonados. Até esse momento temos
sido responsáveis pelas escolhas destas comunidades ou temos servido como apoio
para ajuda-las a escolher e a viabilizar suas decisões?
Fui questionado também a respeito de muitas lideranças
comunitárias que passam a ser também autoritárias ou ausentes de suas
comunidades, se dedicando mais a usufruir do prestígio conquistado fora e dos
benefícios trazidos por isso. A reflexão sobre o papel e as diferentes
características de um líder também merecem um cuidado especial para que ele não
passe a “encarnar o opressor”, a
confundir a situação de evidência com uma prática de pensar e fazer pelos
outros companheiros, o que, de forma preocupante, não o permite mais agir com eles,
deixando de agir como um ser complexo, de tecer junto.
A educação popular
como pedagogia para o desenvolvimento comunitário dá uma nova perspectiva para
o trabalho de organizações governamentais e não governamentais. Em primeiro
lugar, não comporta ações pontuais e previamente decididas. Exige tempo e
dedicação para estabelecer relações de confiança, segue o ritmo da própria
comunidade para fortalecer seu tecido social. Em segundo lugar, desloca o
centro das decisões das agências e seus técnicos para as comunidades. Em
contrapartida, qual não será a legitimidade e capacidade de mudanças que passarão
a ter os projetos de educação, cultura, atividades sustentáveis de geração de
renda, entre outros, apoiados por essas organizações, que germinaram, cresceram
e frutificaram em um ambiente de crescente empoderamento?
E as associações? “Associações são ferramentas.” As
comunidades saberão quando vão precisar delas.
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