Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os impactos da participação no Desenvolvimento Organizacional

Nos dias 02 a 12 de setembro estive nas terras indígenas Xipaya e Kuruaya, em Altamira-PA junto com a equipe local da Verthic. Na Aldeia Tukaya facilitei uma oficina sobre aspectos legais e organizacionais de associações. Na Aldeia Curuá, já havíamos realizado essa oficina em julho e voltamos para facilitar a elaboração participativa de uma proposta de reforma do estatuto da associação e apoiar a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária para aprovar a reforma do estatuto e eleger nova Diretoria e Conselho Fiscal e definir linhas de ação e objetivos para o trabalho durante a nova gestão. Na Aldeia Tukamã realizamos as três atividades, que utilizo como exemplo para falar dos impactos da abordagem utilizada, em especial do enfoque participativo.


A oficina foi iniciada com o debate sobre as motivações que levaram à fundação da associação da comunidade: o que desejavam fazer que a associação era necessária. A partir daí foi falado da associação como organização comunitária, que deve ter objetivos claros e associados dispostos a trabalhar juntos para atingí-los, utilizando essa forma de organização como “ferramenta”. Para não sobrecarregar ninguém e potencializar a capacidade de trabalho, é fundamental que haja divisão de tarefas, envolvendo os associados e não só os diretores. Essas reflexões tem contribuído muito para desmistificar a associação como “um ente” capaz de resolver os problemas da comunidade sem que ninguém precise se esforçar ou como uma forma quase mágica de se conseguir recursos para tudo o que se deseja. Ao mesmo tempo reforça a ideia de que a união de esforços, capacidades e criatividade dos associados para a solução dos problemas ou conquista de melhorias é o grande diferencial de uma associação. Isso foi retomado ao ser tratados os objetivos: natureza dos objetivos, como defini-los e sua importância para orientar o planejamento e todas as ações da associação. Lendo os objetivos no estatuto da associação, sentiram a necessidade de discutir melhor para definir objetivos que realmente sejam significativos para eles, que mobilizem a comunidade e motivem os associados a trabalharem juntos.

A discussão sobre os órgãos de administração da associação, ao mesmo tempo em que trouxe uma reflexão sobre como a associação estava estruturada e como estava funcionando, suscitou um olhar sobre as alternativas, tanto no que se refere a como melhorar o funcionamento dos órgãos existentes, mas também de como criar uma estrutura de decisão e gestão mais apropriada para cada povo ou comunidade. A leitura e explicação do capítulo do Código Civil sobre associações foi importante para as pessoas terem segurança jurídica e abandonarem o que se tornou praticamente um paradigma (lamentavelmente tanto entre lideranças quanto entre técnicos de órgãos governamentais e organizações privadas) de que todas as associações devem ter a mesma estrutura e funcionamento “porque a lei exige que seja assim”. Constataram o quanto a legislação deixa em aberto para decisão dos associados, que devem definir no estatuto.

Assim foram estimulados a repensar o papel e importância da associação na comunidade e a rever o estatuto como quem elabora “a constituição” de sua organização. Esse estímulo foi muito significativo para a elaboração da proposta de reforma do estatuto, feita em seguida.


Também foram abordados na oficina os aspectos legais, como os documentos que precisam ser mantidos atualizados, os requisitos para manter a imunidade do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, as declarações e informações aos órgãos do governo, a contratação de pessoal e a necessidade de ter um contador.

A elaboração da proposta de reforma do estatuto se deu com ampla participação de diretores e associados. Com um projetos multimídia, o estatuto vigente foi projetado para que todos pudessem acompanhar a leitura e as alterações propostas. Cada artigo foi lido, explicado e alterado com as sugestões dos participantes e orientações do facilitador. A definição dos objetivos foi uma das partes que mais demandou tempo e discussões. O resultado foi um estatuto mais claro para todos e uma apropriação maior da associação como uma organização da comunidade e não como um “corpo estranho” em seu meio.


Na preparação da assembleia junto com a presidente e uma liderança da aldeia, sugerimos a apresentação de dança ou música tradicionais, também como uma forma simbólica de demonstrar que aquela era uma associação indígena e não apenas “uma organização de branco” como muitos dizem e sentem. Fiquei alegremente surpreso ao chegar no salão comunitário onde seria realizada a assembleia e verificar que quase todos estavam pintados e com “adereços” típicos de sua cultura (as aspas são em função do depoimento de um indígena em outra ocasião: “Aí falam que a gente está enfeitado. Isso não é enfeite. É a nossa roupa.”). Após a abertura apresentaram uma dança.

A proposta de reforma do estatuto foi apresentada pela presidente, também com projeção, para que todos acompanhassem. Como quase todos os participantes da assembleia tinham participado da elaboração da proposta, não houve questionamentos e foi aprovada por unanimidade. Os aplausos espontâneos que se seguiram à proclamação da aprovação demonstraram o sentimento dos participantes com relação ao novo estatuto. Perguntei a uma liderança sobre as assembleias anteriores e ele me respondeu: “assembleia, assim, com a comunidade discutindo, é a primeira vez.” Em seguida os candidatos aos cargos da Diretoria e do Conselho Fiscal foram apresentados e eleitos por aclamação, cargo a cargo, já que em alguns casos tinha mais de um candidato. A Diretoria e o Conselho Fiscal recém eleitos foram saudados com mais uma dança.

Eu havia sugerido no início dos trabalhos que fossem definidos também algumas linhas de ação prioritárias com seus objetivos para orientar o trabalho da diretoria que fosse eleita: “a diretoria, depois de eleita, precisa saber o que fazer e, se associação é para fazer juntos, é preciso que os associados definam coletivamente o que deve ser feito.” A proposta foi aceita e o segundo dia da assembleia foi dedicado a isso. Dividiram-se em dois grupos para responderem: O que é preciso melhorar na nossa aldeia? O que vamos fazer para conseguir isso? As conclusões dos grupos foram apresentadas e, para organizar melhor as propostas, sugeri inseri-las em uma Matriz de Planejamento. Nela foram definidas linhas de ação, objetivos gerais e objetivos específicos. Foram orientados e contarão com apoio da equipe do Programa de Fortalecimento Institucional para concluírem a matriz, definindo seus demais elementos.

Foi muito significativa a discussão feita durante o planejamento sobre o papel da associação e da organização informal da comunidade, mas esse assunto, deixo para tratar na próxima postagem, porque ele também merece bastante atenção.


Os depoimentos ao final dos trabalhos demonstraram o novo ânimo de todos para trabalharem juntos, fortalecerem a associação e a organização comunitária, sem deixar de ter consciência de que há muito o que fazer e de que o caminho é longo. Disseram que contam com a continuidade do processo formativo e orientações em seu trabalho, o que foi confirmado pela equipe, que renovou sua disposição para isso.

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