Nos dias 02 a 12 de setembro estive
nas terras indígenas Xipaya e Kuruaya, em Altamira-PA junto com a equipe local
da Verthic. Na Aldeia Tukaya facilitei uma oficina sobre aspectos legais e
organizacionais de associações. Na Aldeia Curuá, já havíamos realizado essa
oficina em julho e voltamos para facilitar a elaboração participativa de uma
proposta de reforma do estatuto da associação e apoiar a realização de uma
Assembleia Geral Extraordinária para aprovar a reforma do estatuto e eleger
nova Diretoria e Conselho Fiscal e definir linhas de ação e objetivos para o
trabalho durante a nova gestão. Na Aldeia Tukamã realizamos as três atividades,
que utilizo como exemplo para falar dos impactos da abordagem utilizada, em
especial do enfoque participativo.
A oficina foi iniciada com o debate
sobre as motivações que levaram à fundação da associação da comunidade: o que
desejavam fazer que a associação era necessária. A partir daí foi falado da
associação como organização comunitária, que deve ter objetivos claros e
associados dispostos a trabalhar juntos para atingí-los, utilizando essa forma
de organização como “ferramenta”. Para não sobrecarregar ninguém e
potencializar a capacidade de trabalho, é fundamental que haja divisão de
tarefas, envolvendo os associados e não só os diretores. Essas reflexões tem
contribuído muito para desmistificar a associação como “um ente” capaz de
resolver os problemas da comunidade sem que ninguém precise se esforçar ou como
uma forma quase mágica de se conseguir recursos para tudo o que se deseja. Ao
mesmo tempo reforça a ideia de que a união de esforços, capacidades e criatividade
dos associados para a solução dos problemas ou conquista de melhorias é o
grande diferencial de uma associação. Isso foi retomado ao ser tratados os
objetivos: natureza dos objetivos, como defini-los e sua importância para
orientar o planejamento e todas as ações da associação. Lendo os objetivos no
estatuto da associação, sentiram a necessidade de discutir melhor para definir
objetivos que realmente sejam significativos para eles, que mobilizem a
comunidade e motivem os associados a trabalharem juntos.
A discussão sobre os órgãos de
administração da associação, ao mesmo tempo em que trouxe uma reflexão sobre
como a associação estava estruturada e como estava funcionando, suscitou um
olhar sobre as alternativas, tanto no que se refere a como melhorar o
funcionamento dos órgãos existentes, mas também de como criar uma estrutura de
decisão e gestão mais apropriada para cada povo ou comunidade. A leitura e
explicação do capítulo do Código Civil sobre associações foi importante para as
pessoas terem segurança jurídica e abandonarem o que se tornou praticamente um
paradigma (lamentavelmente tanto entre lideranças quanto entre técnicos de órgãos
governamentais e organizações privadas) de que todas as associações devem ter a
mesma estrutura e funcionamento “porque a lei exige que seja assim”.
Constataram o quanto a legislação deixa em aberto para decisão dos associados,
que devem definir no estatuto.
Assim foram estimulados a repensar o
papel e importância da associação na comunidade e a rever o estatuto como quem
elabora “a constituição” de sua organização. Esse estímulo foi muito
significativo para a elaboração da proposta de reforma do estatuto, feita em
seguida.
Também foram abordados na oficina os
aspectos legais, como os documentos que precisam ser mantidos atualizados, os
requisitos para manter a imunidade do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, as
declarações e informações aos órgãos do governo, a contratação de pessoal e a
necessidade de ter um contador.
A elaboração da proposta de reforma
do estatuto se deu com ampla participação de diretores e associados. Com um
projetos multimídia, o estatuto vigente foi projetado para que todos pudessem
acompanhar a leitura e as alterações propostas. Cada artigo foi lido, explicado
e alterado com as sugestões dos participantes e orientações do facilitador. A definição
dos objetivos foi uma das partes que mais demandou tempo e discussões. O resultado
foi um estatuto mais claro para todos e uma apropriação maior da associação
como uma organização da comunidade e não como um “corpo estranho” em seu meio.
Na preparação da assembleia junto
com a presidente e uma liderança da aldeia, sugerimos a apresentação de dança
ou música tradicionais, também como uma forma simbólica de demonstrar que
aquela era uma associação indígena e não apenas “uma organização de branco”
como muitos dizem e sentem. Fiquei alegremente surpreso ao chegar no salão
comunitário onde seria realizada a assembleia e verificar que quase todos
estavam pintados e com “adereços” típicos de sua cultura (as aspas são em
função do depoimento de um indígena em outra ocasião: “Aí falam que a gente está enfeitado. Isso não é enfeite. É a nossa
roupa.”). Após a abertura apresentaram uma dança.
A proposta de reforma do estatuto
foi apresentada pela presidente, também com projeção, para que todos acompanhassem.
Como quase todos os participantes da assembleia tinham participado da
elaboração da proposta, não houve questionamentos e foi aprovada por unanimidade.
Os aplausos espontâneos que se seguiram à proclamação da aprovação demonstraram
o sentimento dos participantes com relação ao novo estatuto. Perguntei a uma
liderança sobre as assembleias anteriores e ele me respondeu: “assembleia, assim, com a comunidade discutindo, é a primeira vez.” Em
seguida os candidatos aos cargos da Diretoria e do Conselho Fiscal foram
apresentados e eleitos por aclamação, cargo a cargo, já que em alguns casos
tinha mais de um candidato. A Diretoria e o Conselho Fiscal recém eleitos foram
saudados com mais uma dança.
Eu havia sugerido no início dos
trabalhos que fossem definidos também algumas linhas de ação prioritárias com
seus objetivos para orientar o trabalho da diretoria que fosse eleita: “a diretoria, depois de eleita, precisa saber o que fazer e, se
associação é para fazer juntos, é preciso que os associados definam
coletivamente o que deve ser feito.” A proposta foi aceita e o
segundo dia da assembleia foi dedicado a isso. Dividiram-se em dois grupos para
responderem: O que é preciso melhorar na nossa aldeia? O que vamos fazer para
conseguir isso? As conclusões dos grupos foram apresentadas e, para organizar
melhor as propostas, sugeri inseri-las em uma Matriz de Planejamento. Nela
foram definidas linhas de ação, objetivos gerais e objetivos específicos. Foram
orientados e contarão com apoio da equipe do Programa de Fortalecimento
Institucional para concluírem a matriz, definindo seus demais elementos.
Foi muito significativa a discussão
feita durante o planejamento sobre o papel da associação e da organização
informal da comunidade, mas esse assunto, deixo para tratar na próxima
postagem, porque ele também merece bastante atenção.
Os depoimentos ao final dos
trabalhos demonstraram o novo ânimo de todos para trabalharem juntos,
fortalecerem a associação e a organização comunitária, sem deixar de ter
consciência de que há muito o que fazer e de que o caminho é longo. Disseram
que contam com a continuidade do processo formativo e orientações em seu
trabalho, o que foi confirmado pela equipe, que renovou sua disposição para
isso.
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