Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O mais importante é o desenvolvimento das associações ou da organização comunitária?

Este é um falso dilema, como aquele de uma antiga propaganda dos biscoitos Tostines: "É fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é mais fresquinho?" Duas perguntas não me saem do pensamento quando facilito uma oficina ou participo de discussões sobre a organização de associações: Toda comunidade precisa ter uma associação? Para que formalizar uma associação da comunidade?

Lembro sempre que até o Código Civil deixa claro que as associações se constituem de pessoas que se organizem por objetivos. Então a primeira coisa a se pensar é quais são as necessidades da comunidade? Quais mudanças querem provocar na situação atual, quais objetivos querem atingir? A segunda coisa é quem são as pessoas que estão dispostas a trabalhar juntas para atingir esses objetivos?

Comparando a associação com ferramenta, resta ainda ter claro se essa organização formal é a melhor forma para unir as pessoas e atingir seus objetivos. O que se pretende fazer que a organização informal da comunidade não é suficiente e é necessário formalizar uma associação? A ideia de que associações são meios fáceis de conseguir recursos tem se mostrado insustentável, já que a grande maioria das associações comunitárias nunca conseguiram aprovar um projeto ou conseguem isso pontualmente, sendo raras ou inexistentes as que tenham se mantido regularmente em funcionamento através dessa fonte de recursos.

As organizações coletivas têm como principal mérito mobilizar e articular os recursos existentes na comunidade, a capacidade de um grupo de pessoas pensar juntos para encontrar as melhores soluções, as diferentes habilidades de seus membros e a capacidade conjunta de trabalho. Para essa mobilização é necessário ter objetivos claros e significativos para todos. A união, que muitas lideranças reclamam não existir, só será alcançada se os objetivos forem definidos participativamente e forem importantes para o grupo. Esse esforço comunitário pode ser complementado por parcerias e financiamentos naquilo que os recursos próprios da comunidade não forem suficientes.

Nesta linha de pensamento, o foco deixa de ser a fundação ou não de uma associação e passa a ser o fortalecimento da organização comunitária. Se ela será formalizada em uma associação ou cooperativa passa a ser uma questão secundária, a ser avaliada quando a necessidade de ter uma personalidade jurídica surgir.

Em uma oficina sobre associativismo que facilitei recentemente, os participantes demonstraram pouco interesse sobre as questões técnicas e legais de uma associação. A participação do grupo era quase nenhuma. A razão para essa quase apatia ficou clara quando se falou da associação como organização da comunidade. Nesse ponto o interesse e a participação aumentaram significativamente. A primeira questão era se eles de fato formavam uma comunidade. Alguns disseram que:

·         Nós não somos uma comunidade porque não trabalhamos juntos. Não pensamos juntos. É só o nome. Não temos nada juntos. É cada um por si.”

·         “Se eu quero uma coisa, eu vou trabalhar e vou comprar. Agora, na hora de trabalhar ou pagar para todo mundo, não vão querer.”

Nesse momento eu cheguei a propor deixarmos de lado a discussão sobre associação e focarmos na organização da comunidade. Estava claro que nenhuma associação se desenvolveria e funcionaria bem com um grupo com um tecido social tão frágil. 

Continuamos com a programação, mas antes, refletimos que um grupo de pessoas ou famílias não formam uma comunidade apenas porque moram no mesmo lugar. O que define uma comunidade são as relações entre as pessoas, os interesses comuns, o trabalho conjunto. Viver e trabalhar em comunidade não é fácil, porque as pessoas têm pensamentos diferentes, interesses diferentes. Não devemos pensar que tudo tem que ser decidido e feito coletivamente. Algumas coisas sempre serão feitas em família ou individualmente. Outras, que se referem a problemas comuns, devem ser tratadas coletivamente. Para essas é preciso chegar a um consenso, uma decisão que seja boa para todos, sem privilegiar o interesse ou o jeito de um ou outro. É preciso focar naquilo que é comum e não naquilo que é diferente. Outra coisa é que dificilmente se consegue que todos participem. Tem gente que não gosta de trabalhar junto, que prefere ficar sozinho. Isso não deve impedir o desenvolvimento do trabalho coletivo, esperando que todos se unam. É preciso fazer com quem está disposto e se pode realmente contar.

Essa comunidade já havia sido estimulada a fundar uma associação. Chegou a ser aprovado um estatuto, mas nunca foi registrado. Ao final da oficina, o cacique disse que “agora é comigo e com a comunidade. Nós vamos conversar e ver o que fazer.”

Não é sempre que a fundação de uma associação contribui para o fortalecimento da comunidade. Há situações em que atrapalha. Há muitos casos em que uma comunidade, razoavelmente bem organizada de sua forma tradicional, vê surgir conflitos internos quando a associação é fundada e seus diretores passam a competir com as lideranças tradicionais e querendo se sobrepor a elas porque negociam projetos, parcerias, participam de discussões de políticas públicas.

Durante o processo de planejamento em uma assembleia de associação indígena, o presidente recém eleito perguntou o que é atribuição da associação e o que é da comunidade. Devolvi a pergunta: Qual é o papel da associação? Em quais situações a comunidade precisa de sua representação formal?

Relataram que a comunidade, através de suas lideranças, tem representação em vários conselhos que tratam de políticas públicas importantes para eles. No entanto, é possível que a associação seja demandada em caso de reivindicações formais e representações junto aos órgãos governamentais ou do judiciário. Também há perspectivas da associação assumir tarefas como a gestão da comercialização de produtos, buscar recursos e parceiros para suas atividades.

Disseram também que não têm sido feitas reuniões na aldeia para discutir as questões tratadas nos conselhos e levar para essas instâncias suas propostas, denúncias, cobranças e reivindicações, o que contribuiria para melhorar a organização comunitária, dar legitimidade e força aos seus representantes e melhorar a qualidade das políticas públicas para a comunidade.

Foi refletido que aquela aldeia, como muitas outras, tem duas formas de organização: sua organização tradicional e sua organização formal, a associação. 

As duas formas de organização devem ser fortalecidas para que cada uma cumpra bem as suas atribuições. Tudo o que sempre foi feito e o que vem sendo feito mais recentemente pelas lideranças tradicionais, porque não há demanda por representação formal, deve continuar sendo feito por ela e quando for exigida uma pessoa jurídica, a associação assume, em colaboração com as lideranças da comunidade. 

Uma comunidade bem organizada, articulada e mobilizada, é a base necessária para uma associação forte. A associação é necessária para a comunidade sempre que a formalização é exigida e, tendo sucesso em suas atividades, contribui para o fortalecimento da organização comunitária, que se sente mais motivada ao trabalho coletivo em novas frentes. 

Dessa forma, o trabalho colaborativo e compartilhado entre a associação e a comunidade é a melhor maneira de melhorar as condições de vida na aldeia.

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