Recentemente voltei a
pensar na fábula da águia e a galinha e na necessidade de estimularmos
organizações soberanas, já publicadas neste blog.
Em uma dinâmica com
lideranças e dirigentes de associações comunitárias em que poi proposto um
desafio a ser vencido coletivamente, ficaram alguns instantes paralisados,
esperando que alguém dissesse o que fazer. Notei que nas atividades, boa parte
deles ficavam também esperando a orientação dos “assessores” de organizações
presentes. Estes, zelosos em ajudar, orientavam as discussões, se enarregavam
da sistematização e organizavam as apresentações. Com excesso de cuidados,
sufocavam a criatividade e a iniciativa das lideranças.
Em outra ocasião, ouvi
do presidente de uma associação com 6 anos de existência, criada para captar
recursos de projetos, que os associados não se sentiam frustrados por não terem
conseguido nenhum financiamento até aquele momento. “A gente, às vezes, consegue
um equipamento com parceiros, combustível com a prefeitura, conserto de motor
de popa, a associação faz delcaração para recebrem Bolsa Família, salário
maternidade...”
Mais dependentes do
que autônomas e soberanas, essas comunidades e organizações se contentam em ser
beneficiárias de recursos de organizações privadas e governamentais, apesar de
seu grande potencial de recursos naturais, de pessoas e conhecimentos. Não
enxergam a sua capacidade para a melhoria de vida das famílias nos seu próprios
recursos, mas na “ajuda” de fora. Para muitas organizações interessa mais ter
as comunidades beneficiárias de seus projetos “no galinheiro” do que se
reconhecerem “como águias” e baterem asas em seus voos próprios. Há alguns
anos, facilitando um processo de diagnóstico e planejamento participativos em
uma comunidade, que quase não se manifestava, ouvi: “Moço, quando a gente tem
um problema, a gente procura um político para ajudar. É a única coisa que a
gente sabe fazer.”
Construída durante
décadas e internalizada por muitas comunidades, essa dependência é hoje uma
forte estrutura que dificulta o desenvolvimento comunitário autônomo e
soberano.
Ao lado disso, penso
nas atividades eventualmente desenvolvidas por alguns profissionais e
organizações no sentido do empoderamento das comunidades, frente às práticas
sistemáticas no sentido contrário e concluo que, se não são suficientes para
derrubar de pronto a dependência em que as comunidades e suas organizações têm
sido mantidas, fazem o trabalho silencioso dos cupins, que corroem a madeira
por dentro até torná-la frágil.
Precisamos de
consultores e técnicos, organizações e lideranças que sejam cupins, dispostos a
corroer e derrubar a forte estrutura de dependência e liberar as comunidades
para voarem livres como águias que são.
Já tive a alegria de
publicar aqui alguns casos de organizações que apoiaram iniciativas
verdadeiramente empoderadoras e comunidades que desenvolvem processos autônomos
de desenvolvimento. O caminho existe e é possível de ser trilhado. Lembrando
alguns trechos do “Guia Pés Descalços”, em publicação de janeiro de 2013:
No
entanto, a situação está longe de ser desesperadora. Existem organizações e
movimentos de soberania em todos os continentes resistindo a esta tendência,
muitas vezes apoiados por financiadores e organizações sociais com uma
abordagem de desenvolvimento diferenciada. O setor social precisa procurá-los e
aprender com eles. Existem muitas iniciativas, programas e projetos que são
muito promissores, desde que possam se ajustar ou se transformar no sentido de
integrar uma abordagem mais organizacional.
Os
profissionais de desenvolvimento, incluindo os financiadores, devem prestar
mais atenção ao conceito de organização em si e também à prática de facilitar o
desenvolvimento de organizações locais e de movimentos sociais autênticos e
soberanos. Pode haver um crescente corpo de profissionais de desenvolvimento
organizacional trazendo essa abordagem de desenvolvimento, mas acreditamos que
isso precisa ser aprendido por mais gente e se tornar o foco da prática do
setor de desenvolvimento social como um todo e não apenas em uma parte deste
segmento.
É
necessário olhar com calma para aquilo que está vivo nas comunidades, o que é
autêntico, o que tem potencial, acompanhado de um profundo respeito pelo que é
local e nativo e de uma prática sutil que possa dar um suporte bem pensado e
cuidadoso onde for preciso. Isso também exige a presença de facilitadores e
financiadores que estejam trabalhando em sua própria soberania, observando seus
propósitos e valores derivados das necessidades e direitos das pessoas e
organizações que eles escolheram apoiar.
Se você me der um peixe,
Você terá me alimentado por um
dia.
Se você me ensinar a pescar,
Então você terá me alimentado
Até que o rio esteja contaminado
Ou sua margem tenha sido ocupada
pelo desenvolvimento.
Mas se você me ensinar a me
organizar,
Então, qualquer que seja o
desafio,
Eu poderei me unir a meus pares
E, juntos,
Inventaremos nossa própria
solução.
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