A elaboração de um projeto pode ir
muito além do pedido de um financiamento e cabe aos consultores e técnicos de
organizações que apoiam as associações comunitárias desvendar (tirar o véu,
revelar) a sua linguagem técnica e a sua lógica para as lideranças e tornar
este um momento importante para o desenvolvimento comunitário e de suas
associações.
Isso se considerarmos a elaboração
do projeto em seu ciclo de vida e não só o momento da elaboração. Nos dias 21 a
27 de junho realizamos o Módulo II da Oficina de Elaboração de Projetos no Parque
Indígena Xingu. Promovido pelo Instituto Socioambiental – ISA e a Associação
Terra Indígena Xingu – ATIX, reuniu 15 lideranças de 5 associações.
No Módulo I, conforme postagem feita
em maio, trabalhamos com o Diagnóstico e o Planejamento, as duas primeiras
fases do Ciclo de Vida de um projeto. Foi dada ênfase na participação
comunitária para o levantamento e priorização dos problemas, o aprofundamento
do conhecimento de suas causas e efeitos através de metodologias de Diagnóstico
Rápido Participativo – DRP e também do planejamento, elaborado em uma matriz.
Para a sua elaboração foi destacada a importância das conversas nas comunidades
para que ficassem claros os objetivos, os resultados a serem alcançados, que
fosse decidido em conjunto a melhor estratégia a ser adotada, o envolvimento de
pessoas da comunidade para a execução das atividades e os parceiros com quem se
poderia contar.
Neste contexto, a elaboração do
projeto passa a ser a forma, muitas vezes necessária, de viabilizar os recursos para executar uma estratégia
de ação coletivamente pactuada e também de definir outros elementos importantes
para a sua execução. A parte mais importante do projeto deixa de ser o
orçamento e “as coisas” para comprar e passa a ser as atividades a serem
realizadas, os objetivos e resultados a serem alcançados, o problema que se
quer resolver ou diminuir.
Sendo assim, a elaboração do projeto
na oficina começou pela Matriz de Planejamento, que já tinha sido feita na fase
anterior: o problema identificado foi transformado no Objetivo Geral; as suas
causas nos Objetivos Específicos que, uma vez alcançados, contribuem para o
Objetivo Geral, tanto quanto as causas contribuem para a existência do
problema; os Resultados Esperados são os compromissos que a associação assume
em relação aos Objetivos Específicos, nem sempre atingidos durante o período de
financiamento, identificados com os efeitos que o problema causa. Para cada
Resultado Esperado é definido um indicador de que ele foi alcançado ou não. Para
isso é necessário que atividades sejam realizadas e cada atividade necessita de
recursos para a sua realização, que vão constar no orçamento.
A descrição do problema, suas causas
e efeitos, levantados no diagnóstico, trazem as informações necessárias para o
Contexto. De que maneira esse problema será resolvido ou diminuído com a
execução do projeto é descrito na Justificativa. A comunidade deve estar
organizada e preparada para a execução das atividades e a maneira como vão
trabalhar juntos é descrita na Metodologia. Como vão distribuir essas
atividades no tempo disponível é demonstrado no Cronograma. Por fim, a
Apresentação, descreve o histórico da associação e a sua atuação anterior com
relação ao problema abordado no projeto, sua capacidade gerencial e política,
suas parcerias.
Isso feito passo a passo, com o tempo necessário para a elaboração em grupos, seguido de troca de experiências e comentários, foi muito produtivo.
Isso feito passo a passo, com o tempo necessário para a elaboração em grupos, seguido de troca de experiências e comentários, foi muito produtivo.
Já tive a oportunidade, não só no
Xingu, mas também em outros lugares, de observar como esse processo leva a um
maior envolvimento e empoderamento das comunidades, uma maior aproximação da
direção da associação com sua base, dando-lhe mais legitimidade e sentido ao “estar
juntos” em uma organização. É um momento privilegiado que não deveria ser
negligenciado ou desvalorizado como tem sido.
Claro que esta não é uma tarefa
fácil. Se até os técnicos têm dificuldades para pensar tantas coisas
previamente, ainda mais com uma lógica pré definida, pessoas com pouca
familiaridade com a escrita, com “a lógica Cartesiana”, terão ainda mais. No
entanto, há formas de tornar esse caminho mais fácil de ser trilhado e esta é a
nossa missão. O que não podemos é “jogar a criança fora junto com a água do
banho” e deixar de aproveitar a oportunidade de planejar com mais acuidade, de
envolver as pessoas nesse processo, de usar os recursos com mais eficiência e de
tornar as ações mais eficazes.
Chamou a atenção durante a leitura
de alguns editais ao final da oficina, que os financiadores estão cada vez mais
exigindo contrapartida das comunidades e parceiros, participação comunitária em
todas as fases do projeto, desde o diagnóstico até a avaliação de sua execução
e que os projetos não sejam assistencialistas, “dando coisas”, mas que eles contribuam
para as iniciativas comunitárias e tenham continuidade depois do período de
financiamento. O presidente de uma das associações me perguntou no início da
oficina qual o tipo de projeto que poderia ser elaborado pelos diretores, sem
conversar com a comunidade: “Aqueles que serão mal elaborados e não darão
certo.”
Depoimentos dos participantes da
oficina mostram que entenderam a mensagem e estão dispostos a fazer diferente:
Me mostrou como elaborar projeto, a levantar os problemas, aprendi
a diagnosticar as necessidades. Assim é, talvez, mais rápido você elaborar o
projeto.
Eu entendi melhor os passos de como elaborar um projeto e ficou
muito claro que não se deve elaborar projeto sem a participação da comunidade.