Nos dias
14 a 17 deste mês fui convidado pelo Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação
Indígena para moderar a elaboração do Regimento Interno do Conselho de Caciques
dos Povos Indígenas de Oiapoque – CCPIO, no Centro de Formação da Aldeia Manga, em Oiapoque, no Amapá. Com
o formato atual, o CCPIO existe desde 2011, mas, segundo os próprios indígenas,
é uma retomada
do modelo tradicional de organização política. Há registros da
existência e atuação do conselho desde os anos 1970.
Os
caciques decidiram que, pelo menos por enquanto, o Conselho não terá
personalidade jurídica. Daí decidirem pela elaboração de um Regimento Interno,
que sistematizasse e documentasse a sua composição, forma de funcionamento e
relação com as associações indígenas. Participaram da atividade 18 caciques e
dirigentes de associações dos povos Karipuna, Palikur, Galibi Marworno e Galibi
Kali’na, das Terras Indígenas Uaçá, Galibi e Juminã, totalizando 24 pessoas,
com o apoio de representantes do Iepé e da The Nature Consevancy – TNC.
O
Conselho é formado por um cacique de cada uma das 39 aldeias, mais 5 lideranças
escolhidas pelos caciques pela relevância que podem ter seus conhecimentos e
experiências, todos com direito a voz, votar e ser votados. Os diretores das
associações são convidados para as reuniões do CCPIO com direito a voz.
Foram
definidos como objetivos:
I – Estabelecer diretrizes e normas para a
gestão territorial das terras indígenas: vigilância e fiscalização do
território, utilização dos recursos naturais, proteção ambiental, atividades
econômicas, etc.;
II – Monitorar e definir encaminhamentos para a
execução do Plano de Vida dos Povos Indígenas de Oiapoque, bem como os
programas e projetos dele decorrentes;
III - Representar o movimento indígena de
Oiapoque em outras instâncias do movimento indígena nacional e internacional;
IV – Defender os direitos indígenas e
apresentar reivindicações aos órgãos governamentais em questões gerais das
Terras Indígenas de Oiapoque;
V – Orientar e apoiar as associações na busca
por parcerias, recursos, projetos e reivindicações aos órgãos do governo em
questões específicas às suas áreas de abrangência;
VI – Fiscalizar e cobrar a realização das
atividades sob a responsabilidade das associações e comunidades indígenas;
VII – Apreciar, em conjunto com as organizações
indígenas, as solicitações de pesquisa junto aos povos indígenas de Oiapoque,
respeitadas as normas e exigências legais;
VIII – Apreciar, em conjunto com as
organizações indígenas, as propostas de programas e projetos, governamentais e
privados, a serem desenvolvidos junto aos povos indígenas de Oiapoque;
IX – Representar os povos indígenas de Oiapoque
em reivindicações e negociações transfronteiriças.
Ao final
da elaboração do Regimento perguntaram se o CCPIO precisaria ter CNPJ para ser
reconhecido pelo governo e organizações privadas. Ponderamos que uma
organização só precisa ser formalizada se for assinar contratos, movimentar
conta bancária, emitir nota fiscal e outros compromissos legais. O Conselho já
tem o reconhecimento dos povos indígenas do Oiapoque; de organizações que
trabalham com eles, como o Iepé e TNC e de algumas instâncias do governo, como
do Estado do Amapá. Se uma organização informal, de modelo tradicional, é
reconhecida pelos povos que a criaram, deve ser também reconhecida fora da Terra
Indígena. Disseram que algumas instâncias de governo nem recebem para conversar
se não for pessoa jurídica. As comunidades, inclusive as indígenas, precisam ensinar ao
governo e às organizações privadas a reconhecerem as organizações informais
legitimadas por sua base. Se não sabem que uma organização do movimento social,
legitimada por aqueles que a criaram e os que ela pretende mobilizar e
representar, deve ser reconhecida também pelos órgãos governamentais e não
governamentais, precisam aprender. Para que formalizar e burocratizar todas as
relações, onerando as comunidades com todos os encargos que uma associação
formalizada exige? Pediram apoio aos parceiros para divulgar o CCPIO
para contribuir para o reconhecimento por parte de outras organizações e instâncias
do governo. Aqui está a contribuição que me comprometi com eles a dar.
Na mesma
semana refletimos sobre as associações formalizadas. Além dos dirigentes de
cinco dessas organizações, participaram também os caciques, demonstrando
claramente a integração que desejam continuar imprimindo entre o CCPIO e as
associações. Atualmente há seis organizações desse tipo, além de uma
cooperativa de transporte, criadas pelos índios de Oiapoque. Falamos de sua
importância como organização social, que deve ser uma ferramenta de trabalho
para que, juntos e dividindo tarefas, possam lutar pelas condições necessárias
para viverem bem em suas terras com autonomia e protagonismo, valorizando suas
potencialidades e aproveitando as oportunidades oferecidas por parceiros e
financiadores. Falamos também que não se pode descuidar dos compromissos
fiscais e legais, lembrando que Associação é como curumim que você faz na sua esposa:
precisa cuidar bem desde o processo de criação, deixar os documentos em
dia, tomar todas as providências para que ela cresça forte.
Refletimos
sobre as dificuldades que as associações têm enfrentado para a sua
sustentabilidade financeira, em especial por causa de dependência de recursos
de projetos, programas governamentais, etc., ressaltando que Precisamos
devolver as associações para os movimentos sociais. Despertou
bastante interesse a fábula africana sobre a águia e a galinha, lida na
postagem Sobre
águias, galinhas e associações. Uma das lideranças disse que lembrou
de uma história ancestral onde Deus perguntou aos
diferentes povos o que queriam e os índios responderam que não precisavam de
nada. Só queriam ser livres. Na avaliação, uma “cacica” disse que tinham
aprendido bastante, mas precisavam aprender mais: Vamos ter asas para voar e não ficar só no
galinheiro comendo milho.
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