Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Precisamos devolver as associações para os movimentos sociais



O conceito de organização soberana (ver Estamos contribuindo para que as associações sejam soberanas?) me faz pensar em outra questão que tenho refletido bastante com colegas que trabalham com o desenvolvimento de  organizações comunitárias: qual é o papel ou papéis atuais das associações comunitárias?

Nas décadas de 1960 a 1980, principalmente, desenvolveram-se os chamados movimentos populares, alicerçados nas Comunidades Eclesiais de Base, em especial da Igreja Católica e na Educação Popular, de Paulo Freire. Nas cidades e áreas rurais proliferaram movimentos por moradia, contra a carestia, direitos humanos, comunicação popular, saúde, entre muitos outros. O que movia as pessoas era o objetivo que pretendiam alcançar. Eram informais, não tinham recursos e sabiam que contavam com a força política de sua união para alcançar melhorias para suas vidas. Lançavam mão da mobilização, reivindicação, pressão através de diferentes estratégias.

Um pouco antes, mas em especial a partir da década de 1980, a cooperação internacional de países mais ricos passou a investir com somas significativas de recursos para “contribuir com o desenvolvimento” de países menos favorecidos. A disponibilidade de recursos estava atrelada à criação de organizações formais e a mais adequada que foi encontrada foram as associações. Estas deveriam desenvolver competências gerenciais, não só no sentido administrativo e financeiro, mas também de monitoramento e avaliação das ações em vista dos resultados a serem alcançados.

Aos poucos o meio (recursos financeiros) passou a ser objetivo. Inúmeras associações comunitárias foram criadas para acessarem os recursos oferecidos. Organizações criadas para determinada causa, inclusive o apoio ao desenvolvimento comunitário, passaram a incentivar a criação de associações para viabilizar os seus projetos. Com a democratização do Brasil, o governo passou a incentivar também a criação de associações para a descentralização de recursos e a execução de seus programas.

O que era opção, aos poucos, tem se tornado condição necessária: na ausência de agências do INSS, os sindicatos de trabalhadores rurais passaram a receber os pedidos de aposentadoria, licença maternidade e outros benefícios, deixando de lado cada vez mais, as bandeiras próprias de uma organização de classe; os assentados, para receberem recursos do INCRA para moradia e plantio, precisam ter associações; as comunidades, para receberem os recursos da Bolsa Floresta, do governo do Amazonas, precisam criar uma associação; moradores de Unidades de Conservação, para receberem a Concessão de Direito Real de Uso coletiva das terras que ocupam, precisam ter uma associação.

Não há mais opção. Para ter acesso a essas e outras políticas públicas, as pessoas são obrigadas a se organizar em associações, passando por cima do preceito constitucional de “liberdade de organização”. Ter liberdade significa não só não ser impedido, como também não ser obrigado a se associar, o que não tem sido respeitado.

Já ouvi de organizações que “precisamos muito que essas organizações se fortaleçam”, porque precisam que elas gerenciem atividades de seus projetos e não porque as pessoas que vivem nessas comunidades precisam. Já ouvi, inclusive, de organizações que “apóiam o desenvolvimento de organizações”, que não desejam um desenvolvimento que leve à autonomia daquelas associações porque elas deixariam de precisar de “seu apoio”. Algumas dessas organizações foram criadas a partir de movimentos sociais, mas ao incentivarem a criação de organizações comunitárias imprimem um pragmatismo exacerbado, do tipo “associações comunitárias só servem para trazer dinheiro de projetos”. Perguntei certa vez para o secretário executivo de uma dessas organizações: “porque nós podemos ter objetivos e as associações comunitárias só servem para conseguir dinheiro de projetos? Elas não podem ou não devem lutar por objetivos também?”

Li no Plano de Gestão de uma Unidade de Conservação no Sul do Amazonas que, para fortalecer a organização social pretendiam criar associações nas comunidades, depois de já terem praticamente imposto a criação de uma associação mãe (de todas as comunidades da UC). Por que associação é a única forma de organização social? Quem pensa assim, desconsidera as inúmeras formas tradicionais de organização dessas comunidades. Em outra Unidade de Conservação próxima, há anos atrás, criaram 11 associações. Hoje apenas uma funciona. Todas as outras estão inadimplentes com os órgãos governamentais, devendo declarações e outras informações, além de multas em alguns casos.

Muitas comunidades têm sido oneradas com a criação de organizações formais, não tem condições de pagar um contador, não tem habilidade para a gestão financeira e administrativa e nem foram preparadas para isso pelos “seus criadores”. Estes, ao mesmo tempo, criticam a “extensa burocracia a que as associações comunitárias são submetidas.”

Muitos dirigentes de associações estão envolvidos em uma intensa agenda de reuniões, cursos, oficinas, seminários e outros, que não encontram tempo para o desenvolvimento das suas atividades econômicas em suas comunidades e nem para mobilização e articulação dos associados. É impressionante observar que, em vários casos, as diárias de viagem que recebem para assembleias, ajuda de custo para cursos e outros, são superiores ao rendimento que conseguiriam com suas atividades em suas comunidades. Ser liderança está se tornando “uma profissão” vantajosa até mesmo do ponto de vista econômico, sem contar o prestígio político, dentro e fora de suas bases.

Muitas dessas lideranças têm uma facilidade bastante grande, fruto de processos de formação, para dialogar com dirigentes de outras organizações e com órgãos governamentais, mas encontram grande dificuldade para dialogar em suas comunidades, comandar uma reunião, mobilizar seus pares para uma reivindicação ou mesmo para atividades comunitárias de geração de renda, entre outras. Ouvi de um colega recentemente que “temos um time excelente para dialogar politicamente, mas falta preparação para atuar em suas comunidades.”

Dependentes de “ajuda” externa, desconsideram as potencialidades da própria comunidade. Por serem “pouco vantajosas”, deixam em segundo plano ações de diagnóstico, planejamento e execução de ações de iniciativa da própria comunidade. Freqüentes em diferentes eventos e, por isso mesmo, pouco presentes em suas bases, são mais conhecidos fora do que dentro de suas comunidades.

Temos refletido que não podemos prescindir das habilidades gerenciais, uma vez que essas organizações querem executar projetos, organizar e gerenciar a produção e comercialização de produtos agroextrativistas, etc. No entanto, se queremos realmente contribuir com as organizações sociais, precisamos recuperar o caráter mobilizador, político e popular dessas organizações. Precisamos resgatar os escritos, princípios e estratégias da educação popular, idealizados por Paulo Freire e outras pessoas e organizações que se mantiveram nesse caminho. Quando for o caso de criar ou manter associações formais, que sejam “devolvidas” aos seus legítimos donos: os movimentos sociais e populares, de forma soberana.

Lembrando mais uma vez o Guia Pés Descalços: Se desenvolvimento diz respeito à mudança ou transformação do poder, deve haver um conceito que defina o lugar em que esse poder possa ser mantido com legitimidade e sustentabilidade. As organizações locais e os movimentos sociais soberanos parecem ser o local óbvio para isso.”

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