Retomando
ainda uma vez o conceito de organizações soberanas,
é muito inspirador o que escreveram Ailton Dias e Josinaldo Aleixo na
introdução do livro Organização Social na Amazônia: uma experiência e
associativismo na RDS do Rio Madeira (Novo Aripuanã e Manicoré – AM), publicado
pelo IEB em 2011. Partilho com vocês alguns trechos:
A organização social das comunidades e populações tradicionais da
Amazônia é um passo fundamental e imprescindível para se alcançar efetividade
em quaisquer esforços voltados para a conservação ambiental e o desenvolvimento
sustentável na região. Há um relativo consenso em torno dessa idéia. Porém, no
cotidiano das instituições imbuídas dessa tarefa, o “como fazer” a organização
social se desdobra em práticas as mais diversas, muitas das quais
contraditórias ou incompatíveis entre si.
Muitas vezes são atores externos (agências governamentais, ONGs,
empresas) que saem em busca de organizações sociais a fim de implementar suas
políticas, projetando sobre as comunidades locais limitações que não são delas
– dispõem de prazos quase sempre muito curtos, vêm imbuídos de intenções que
muitas vezes não se encaixam com as das populações, têm uma lógica própria para
implementar suas ações. Assim não podem esperar um longo tempo até que uma
comunidade se organize de maneira sólida e autônoma. No afã de agilizar seus
projetos e de alcançar suas metas, tendem a queimar etapas imprescindíveis para
um verdadeiro processo de organização social.
A prática mais comum é a da criação de associações como estruturas
meramente formais e artificiais, sem lastro em processos mais orgânicos de
mobilização social. Nesta lógica, abre-se mão da construção de identidades e de
laços de solidariedade e reciprocidade que seriam os alicerces de organizações
de fato. E de direito.
Predominam o “recorta e cola” de estatutos prontos, o centralismo
presidencialista, a falta de transparência na gestão e o déficit de democracia
na condução dos assuntos de interesse da coletividade. O resultado é a
proliferação de um grande número de associações comunitárias criadas
formalmente, mas que não chegam a se materializar enquanto unidade de
mobilização e organização social. Muitas delas têm uma existência curta, caindo
logo em descrédito e provocando desgaste da proposta associativa enquanto
autogestão ou autorganização de um grupo de pessoas com certo interesse em
comum.
No outro extremo, encontramos comunidades e populações
tradicionais que, potencializando-se num caldo de cultura política de
mobilização em torna da luta por direitos, empenharam-se na construção de
organizações lastreadas na participação, capilaridade e mobilização social.
Normalmente essas iniciativas demandam muitos anos de trabalhos, às vezes
décadas. Levam à construção de redes de reciprocidade e de organização informal
das pessoas em torno de objetivos e metas comuns. Mas nem sempre chegam a se
formalizar enquanto organizações legalmente instituídas. Ou, quando o fazem,
tendem a perseguir metas modestas, embora cruciais para o amadurecimento
político do grupo social. Aqui, o trabalho dos atores externos aposta suas
fichas em um trabalho de base mais consistente, de cunho educacional e voltado
para a busca da cidadania e dos direitos do grupo social e, portanto, de
fortalecimento dessas iniciativas. Este parece ser um caminho mais lento, mais
seguro e consistente de formação de organizações enraizadas na realidade local.
[No trabalho desenvolvido pelo IEB no Sul do Amazonas] era preciso
interpelar os grupos comunitários sobre suas expectativas e esperanças em
relação às suas organizações. Se a decisão do grupo era pela construção de
organizações formais, era preciso implementar um processo formativo contínuo e
que pudesse ser sustentado politicamente pelas próprias lideranças locais e não
por atores externos. Por fim, era preciso fazer a mobilização da base, discutir
a fundo em cada localidade os propósitos e objetivos que motivam a criação de
associações.
O papel do IEB no processo não era o de vender facilidades, mas
auxiliar na condução do árduo trabalho de educação para a participação e de
educação para a cidadania. Com o tempo, os primeiros resultados começaram a
aparecer.