Já falei
anteriormente do “pecado original” de boa parte das associações comunitárias,
que é serem criadas por estímulo externo para captar recursos. A falta de um
“tecido social” fortalecido e o consenso em torno de objetivos, além do pouco
conhecimento sobre funções e atribuições de diretores, conselheiros e
associados comprometem seu funcionamento. O foco na captação de recursos
externos desconsidera a importância e potencial da contribuição financeira dos
associados, desvaloriza as potencialidades da própria comunidade para a solução
de seus problemas, além de não valorizar outras oportunidades além dos recursos
financeiros que parceiros podem oferecer.
Felizmente
várias associações vêm rediscutindo seu papel e funcionamento.
No início
de março fui convidado a iniciar um trabalho com a Associação Indígena
Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo. A AITG foi fundada em 1998 para receber
e gerir recursos de compensação pagos pela Aracruz Celulose. Depois de anos de
má gestão, encontra-se sem recursos, com dívidas e desmobilizada. Várias
aldeias passaram a criar as suas próprias associações. No final de 2012 foi
eleita uma nova diretoria com a proposta de mudar esta situação. Uma das
atividades que fizemos foi uma reunião com diretores, conselheiros e lideranças
para refletir um pouco sobre o que é uma associação e revisitar o estatuto para
lembrar o papel da Assembleia Geral, do Conselho Deliberativo, do Conselho
Fiscal e da Diretoria. Concordaram que a associação teria muito menos problemas
do que tem atualmente se cada instância tivesse desempenhado as suas funções.
Na avaliação da reunião disseram, entre outras coisas, que: Hoje a associação está
estacionada, parada na sede. Só esperou vir, não caminhou para conseguir. Qual é o
objetivo da associação? Vão buscar apoio e recurso para quê? Só para saldar as
dívidas? Precisam ter uma agenda de trabalho, assim cada um vai apoiar uma
coisa. Os projetos precisam ser pensados e
elaborados na comunidade e encaminhados pela associação. Não se deve elaborar
projetos sem a participação das comunidades. Muitas
vezes ficamos dependentes, por exemplo, da FUNAI. Se ela não mandar semente não
tem plantio. Ficamos colocando nos outros a responsabilidade de resolver os
nossos problemas. Precisamos assumir nosso protagonismo. Precisamos superar os
maus hábitos. Marcaram
uma reunião do Conselho Deliberativo, junto com caciques e lideranças das
aldeias para diagnosticar melhor a situação da associação, estabelecer
prioridades e planejar ações para a reestruturação da associação. Com a criação
de associações nas aldeias, estão discutindo também qual deverá ser o papel da
AITG.
Na semana
passada participei da Assembleia Geral Extraordinária da Organização Padereéhj,
em Rondônia. Com a participação de cerca de 100 pessoas, de vários povos
indígenas das Terras Indígenas Rio Branco e Igarapé Lourdes, foi aprovada a
reforma do estatuto (Ver postagem de 22 de fevereiro) e eleita uma nova
diretoria. Sem recursos e desmobilizada, a associação ficou praticamente
inativa nos últimos anos. Também neste caso, várias associações foram criadas
por diferentes povos em suas aldeias. No novo estatuto, os objetivos focam a
articulação com o movimento indígena, reivindicação de políticas públicas e
luta por direitos, deixando para as associações locais as atividades mais
específicas. Seu papel também foi redefinido quando se estabeleceu que podem se
associar a ela as organizações formais (associações e cooperativas) e as
aldeias, reconhecendo assim a organização tradicional daqueles povos.
No breve
planejamento, feito no final da assembleia, além da agenda política programaram
para os próximos meses atividades de fortalecimento da associação: visitas dos
membros do Conselho Geral às aldeias para articulação e mobilização e filiação
das aldeias e associações.
Mesmo que
a partir de um duro aprendizado, associações começam a trilhar seu próprio
caminho, valorizando a mobilização de seus associados, a discussão de seus
objetivos e a sua efetiva organização e funcionamento. Que os exemplos
existentes estimulem outras associações comunitárias e micro-regionais a fazer
o mesmo.