Na cidade onde eu moro no interior de
São Paulo, Itupeva, vários deputados estaduais e federais se aproximaram ou
foram procurados por vereadores e o prefeito da cidade para conseguir recursos
de emendas parlamentares do estado ou do governo federal para obras e compra de
equipamentos para a cidade. Recentemente, o prefeito até gravou um vídeo para
agradecer e elogiar o “deputado amigo da cidade”. Esses são os “políticos
bonzinhos que ajudam a gente”.
Mas, faz parte das atribuições dos
deputados estaduais e federais destinarem recursos para as cidades? Não. Eles
são legisladores e fiscalizadores dos respectivos executivos. O que fizeram em
seu último ou últimos mandatos para aprimorar as leis, fiscalizar o executivo e
melhorar o uso dos recursos para que sejam bem investidos, inclusive no
desenvolvimento das cidades? Não sei, não falaram nada sobre isso. Então eu não
sei se eles são bons legisladores e fiscalizadores. Só sei que “são caras
legais, que conseguiram dinheiro para nós”...
Mas, de quem era o dinheiro? Nosso,
dos impostos que pagamos e que são geridos pelos governos estadual e federal
para fazer investimentos em infraestrutura e prestar bons serviços públicos
como educação, saúde, segurança, etc. Então, por que “foi o deputado que
conseguiu”?
Porque nos dois níveis de governo
criaram as tais “emendas parlamentares” ao orçamento, que tem como objetivo
praticar legalmente (sim, isso está definido em lei, aprovada pelos próprios e
sancionada pelos executivos) o velho e conhecido “toma-lá-dá-cá” em que o
governo destina parte do orçamento para os deputados viabilizarem obras nas
suas bases eleitorais, gerando votos, ou seja, dinheiro para compra legal de
votos, enquanto os deputados e senadores aprovam as leis que o executivo quiser
na Assembleia Legislativa ou no Congresso Nacional. Tanto que esses recursos
foram destinados à Itupeva principalmente neste ano, quando vai ter eleições
nos níveis estadual e federal.
Eles são “políticos bonzinhos que
ajudam a gente”? Bem, uma população abandonada e desassistida, até nas suas
necessidades mais básicas, vê com bons olhos qualquer “ajuda que é dada” e, por
desacreditar no sistema político e administrativo, por já ter desanimado de
lutar ou simplesmente porque esse é o caminho mais rápido e fácil para resolver
o que precisa naquele momento, aplaude, agradece e vota no “cara legal que
ajudou a gente quando ninguém fazia nada”.
Isso também acontece no nível
municipal. Os vereadores se reúnem em sessões da Câmara Municipal uma vez a
cada 15 dias. Em geral, dedicam bastante do restante do seu tempo recebendo
lideranças comunitárias e de organizações da sociedade civil em seus gabinetes
para ouvir suas reivindicações. Também visitam os bairros para verificar a
falta de iluminação pública, sinalização das vias, limpeza e manutenção de
ruas, avenidas e estradas, beiras de rios e córregos, escolas e unidades de
saúde. Publicam frequentemente nas redes sociais essas suas andanças. Nas
sessões deste ano apresentaram uma média de 32 indicações desse tipo de
melhorias para a Prefeitura. Quando são atendidos, também publicam, são
aplaudidos, recebem agradecimentos e promessas de voto. Eles são “vereadores
bonzinhos que ajudam a gente”? Sim.
No entanto, as Comissões Permanentes
que deveriam fiscalizar as ações da prefeitura e a gestão correta dos recursos
públicos, para que esses problemas não existissem, não funcionam. Nas sessões
realizadas até a primeira quinzena de junho, os 9 projetos de lei enviados pelo
executivo municipal foram aprovados por unanimidade. Nesse mesmo período, dos 9
projetos de iniciativa dos vereadores, 1 foi da Diretoria da Casa, alterando um
artigo de uma Lei Complementar; 1 foi para conceder o título de Utilidade
Pública para uma organização social da cidade; 1 para conceder título
honorífico; 2 foram para mudar nomes de ruas e de escola e 4 foram para incluir
eventos no Calendário Oficial do Município. Eles são bons legisladores e
fiscalizadores que contribuem para melhorar a gestão da cidade? Pelo que
estamos vendo, fica difícil dizer que sim, não é mesmo?
É claro que isso não é de hoje e muito
menos foi inventado em Itupeva, mas é tão perverso que precisa acabar: os
direitos que são negados à população são em pequena parte devolvidos como
favor. Assim, necessitados agradecidos continuam mantendo essas pessoas no
poder com seus votos. Isso para não falar na corrupção, objetivo primeiro de
muitos dos políticos brasileiros para se manterem no poder.
“Votar bem” não é o suficiente, mesmo
porque em geral os partidos não nos apresentam bons candidatos e ficamos sem
opção, votando no menos ruim ou nos abstendo. Também é comum se dizer que “mesmo
que o político seja bom, acaba se corrompendo quando chega lá, porque o sistema
é assim mesmo”.
Precisamos resgatar a cidadania, que é
ser responsável e atuar constantemente para a boa gestão da cidade, do
estado, do país. Fazer isso individualmente é desanimador, principalmente
porque os resultados são praticamente nulos. Precisamos nos organizar em
associações de bairros independentes dos vereadores; sindicatos e centrais sindicais
independentes de partidos; ONGs que não precisem de títulos de utilidade
pública e recursos do governo para se manter e realizar suas atividades;
movimentos populares focados em seus objetivos e livres de ideologias e
influências partidárias para discutir os problemas, propor soluções, reivindicar, fiscalizar e cobrar legislativos e executivos. Essas
organizações, em rede, são também as mais eficazes para dar sustentação
política para legisladores e administradores populares que se propõem a fazer
diferente do que vem sendo feito, indo contra o tal sistema.
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