Toda
vez que me propõem trabalhar em um programa, penso até que ponto ele facilitará
o empoderamento daquelas lideranças e comunidades, se as atividades são
coerentes com os objetivos propostos e se terá continuidade. Programas de apoio
ao desenvolvimento das organizações comunitárias devem facilitar o processo de
empoderamento das mesmas.
Em
dezembro de 2015 facilitei o encontro para troca de experiências e, de certa
forma, avaliação de um programa de desenvolvimento organizacional de
associações comunitárias que durou 13 meses, com atividades mensais.
De
acordo com o que relataram no início do programa, aquelas comunidades desejavam
há anos fundar a sua associação, mas não tiveram antes a oportunidade e
orientação necessárias.
Iniciamos
pela reflexão, aberta a todas as comunidades envolvidas, da qual participaram
por volta de 70 pessoas, sobre o que é uma associação, seu papel como organização
comunitária, começamos a definir os objetivos e estrutura, falamos sobre as
obrigações legais, custos para a sua manutenção e, sobretudo que, sendo uma
organização comunitária, é uma ferramenta que só funcionaria com o trabalho
conjunto dos associados. Foi formado um grupo de 20 pessoas para estar à frente
do processo de fundação da associação, com a finalidade de mobilizar as
comunidades, continuar as reflexões internamente e procurar as informações
necessárias.
Para
terem maior clareza sobre a gestão de uma associação e os encargos que estariam
assumindo, a atividade seguinte foi uma oficina para o grupo de 20 pessoas
escolhidas, sobre aspectos legais e gerenciais, como a realização de reuniões e
assembleias, elaboração de relatórios e atas e registro dessas últimas;
contratação de pessoal; necessidade de ter um contador trabalhando junto; a
organização financeira e a necessidade de transparência no uso dos recursos.
Para
a fundação da associação, o grupo elaborou com a minha orientação uma proposta
de estatuto, discutida inicialmente entre eles e, em seguida, na assembleia quando
cada artigo foi lido, traduzido na língua materna, discutido e modificado
quando necessário pelos mais de 150 participantes. A associação foi fundada e a
coordenação e conselhos eleitos. Com as informações que já tinham colhido
previamente, os coordenadores providenciaram as assinaturas na ata de fundação
e no estatuto, cópias de documentos pessoais dos eleitos, o dinheiro necessário
junto ao financiador do programa e registraram no cartório. Foram acompanhados
na contratação do contador para providenciar os cadastros nos órgãos
governamentais e fazer a contabilidade de associação.
Foram
feitos dois intercâmbios com outras associações indígenas, escolhidas de acordo
com as experiências que poderiam trocar que fossem relevantes para o estágio de
organização daquela associação. Foi discutido previamente com o grupo que tipo
de informações avaliavam ser importantes naquele momento para eles.
Foi
realizada também uma oficina sobre políticas públicas voltadas para os povos
indígenas, uma vez que participar da criação, reivindicar a implementação e
melhoria de políticas públicas é uma importante atribuição da associação.
Foi
dada uma oficina de elaboração de projetos, em três módulos, tratando de
diagnóstico e planejamento, elaboração e gestão de projetos. Fizeram reuniões
nas aldeias para definirem o objetivo dos projetos a serem elaborados e encaminhados
para financiamento. Fruto dessa mobilização e da clareza de que Associação é
para fazer juntos, mais de 50 pessoas participaram da elaboração do
projeto. Foi enviado pelos coordenadores para dois financiadores e estão concorrendo
ao financiamento.
Fizeram
outras reuniões nas aldeias para falar da inscrição de novos associados, do uso
do patrimônio da associação e da contribuição financeira dos associados.
Realizaram uma assembleia para esclarecer melhor o estatuto e aprovar a
contribuição mensal para a manutenção da associação.
No
último encontro, em dezembro, lembraram os temas que haviam sido tratados nas
oficinas e o que aprenderam sobre cada um deles, as atividades realizadas e os
resultados alcançados. Refletiram sobre o conceito de empoderamento: uma ação coletiva
desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de
decisões, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência
ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma
realidade em que se encontra. O empoderamento possibilita a aquisição da
emancipação individual e também da consciência coletiva necessária para a
superação da dependência social e dominação política. O empoderamento devolve
poder e dignidade a quem desejar o estatuto de cidadania, e principalmente a
liberdade de decidir e controlar seu próprio destino com responsabilidade e
respeito ao outro.
Lembrei
que tinha visto recentemente em um programa de televisão, algumas artesãs do
Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, “traduzirem para o mineirês” o
conceito de empoderamento, já traduzido do empowerment, em ingês, como empodimento, significando “nóis podi”. Perguntados
sobre “o que vocês podem”, os mais de 60 participantes elencaram as decisões
que podem tomar livremente e as atividades que têm autonomia para realizar.
Por
fim, definiram quais são os próximos passos que precisam dar para a
continuidade do processo de fortalecimento de sua organização e de seu “empodimento”.
Serão apoiados por outro programa que será iniciado neste mês, com duração
prevista de quase dois anos.
Avaliamos
que os avanços foram significativos no primeiro ano desse processo. Estamos
apostando que nos próximos dois serão mais significativos ainda.
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