Tenho sido convidado várias vezes para
facilitar oficinas sobre elaboração de projetos para dirigentes, lideranças e
outros membros de comunidades e povos tradicionais. A expectativa dos
organizadores é que sejam capacitados para elaborar seus projetos sem a
necessidade de técnicos de fora da comunidade, conquistando assim a sua
autonomia na captação de recursos para suas associações. Em geral essas
oficinas duram de três a cinco dias.
Vamos considerar que um projeto é um
documento técnico, que exige um bom domínio da linguagem escrita; poder de
síntese para descrever, por exemplo, as características da área onde vivem e da
população que forma a comunidade em poucas linhas; compreensão de conceitos
como contexto, metodologia, objetivos gerais, objetivos específicos,
indicadores; habilidade para separar as
informações sobre a comunidade, a associação e os diferentes aspectos do
projeto em cada um desses e outros elementos, “pensando em gavetinhas” como se
costuma dizer, e uma boa capacidade de abstração para conceber um conjunto
articulado de atividades, para atender a um objetivo, utilizando-se de uma
determinada metodologia, meses ou mais de ano antes de iniciar o trabalho.
Vamos considerar também que em grande
parte dos casos, essas pessoas têm uma pequena escolaridade, nem sempre de boa
qualidade, quando não acontece de não terem escolaridade nenhuma; como
consequência possuem pouco domínio da escrita; pouca capacidade de abstração e
coloquialmente relatam uma série de informações em uma lógica própria,
articulando os diferentes aspectos à sua própria maneira.
É possível que em alguns poucos dias
essas pessoas aprendam a elaborar projetos e possam fazê-lo dali para a frente
sem a ajuda de ninguém? Conheço pessoas com muito mais formação e experiência
neste tipo de coisa, que encontra bastante dificuldade para escrever um
projeto.
Em uma oficina de elaboração de
projetos, percebi que os participantes tinham uma dificuldade enorme para
interpretar textos e também para escrever. Dois deles não tinham escolaridade
nenhuma e nem sabiam escrever o próprio nome. Depois de várias tentativas,
alguém disse que “vocês estão exigindo de nós uma coisa que não conseguimos fazer.
”
Nesse momento parei a oficina para
conversarmos e dizer que não estava ali para “torturar” nenhum deles, mas para ajuda-los
a aprender. Concordei que nem todos aprenderiam a elaborar projetos,
principalmente aqueles que não sabiam escrever. Esses, no entanto, que eram
pessoas com muita experiência de vida e no desenvolvimento das atividades na
comunidade, podiam dar muitas ideias para alguém que ficasse encarregado de
escrever, de acordo com o formato e a linguagem dos projetos.
A partir daí passei a colher as
informações do grupo e a redigir o projeto. A mesma coisa aconteceu em outras
associações daquela região. Em uma delas, depois da oficina, ficaram de
conversar com a comunidade sobre o interesse pelo projeto, uma vez que não
tinham feito antes o diagnóstico e o planejamento, conforme previsto. Quando
voltei, tinham conversado e identificado várias pessoas interessadas.
Continuamos a elaboração e, uma vez faltando apenas complementar o orçamento,
sugeri que reunissem as pessoas interessadas para apresentarmos o projeto,
discutir sobre a estratégia adotada e complementar as informações,
principalmente do orçamento, já que eram pessoas que costumavam realizar aquelas
atividades e sabiam o que era preciso. A reunião foi feita, a proposta
apresentada e complementada e saíram todos bastante animados. Alguns deles
ficaram de pesquisar preços para o orçamento e eu de encontrar mais editais para
apresentar em nosso próximo encontro.
Concordo com muitos financiadores de
que um projeto deve contar com a participação da comunidade desde a
identificação do problema e a elaboração até a execução das atividades e a
avaliação. E acredito que a fórmula que encontramos foi bastante eficiente para
isso. No entanto, tenho muitas dúvidas sobre as oficinas como forma de
capacitação, para elaborarem seus projetos sozinhos em curto prazo. Pode ser
que algumas pessoas da comunidade venham a aprender, principalmente com a
prática da elaboração, apoiada por um técnico que tenha a sensibilidade
pedagógica e a metodologia apropriada para ir percebendo quando podem assumir
mais o processo e dando o espaço para que o façam. Em outros casos, talvez não
venham a fazer isso, a não ser que a comunidade passe a contar com uma ou mais
pessoas com as habilidades necessárias para isso.
Certa vez me consultaram sobre a
possibilidade de dar uma oficina dessas para um grupo de agricultores com muito
pouca escolaridade, “semianalfabetos”, como me foi dito. Falei das dificuldades
apresentadas acima e concluí que eles não aprenderiam a elaborar projetos antes
que aprendessem a escrever bem. Acrescentei que, uma oficina daria a eles
conhecimentos sobre a linguagem dos projetos para que pudessem contribuir
melhor com alguém que escrevesse o projeto para eles. Esperar mais do que isso
seria ilusão.
Para trabalhar dessa forma, mais
demorada e dispendiosa financeiramente, nos defrontamos com a dificuldade do
tempo e do cronograma imposto por projetos e programas de organizações que
apoiam essas comunidades, mais afinados com o prazo de financiamento do que com
o tempo das comunidades.
É preciso que organizações de apoio e
financiadores entendam e considerem que as comunidades têm o seu ritmo e o seu
tempo próprios, que não atendem à rapidez de nossos prazos e cronogramas. Tem seus
próprios processos de aprendizado, de mobilização e amadurecimento de
propostas. Passar por cima disso é focar mais em resultados que dê visibilidade
do que contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades e suas
organizações.
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