Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




terça-feira, 1 de setembro de 2015

É possível associações comunitárias serem autônomas na elaboração de projetos?

Tenho sido convidado várias vezes para facilitar oficinas sobre elaboração de projetos para dirigentes, lideranças e outros membros de comunidades e povos tradicionais. A expectativa dos organizadores é que sejam capacitados para elaborar seus projetos sem a necessidade de técnicos de fora da comunidade, conquistando assim a sua autonomia na captação de recursos para suas associações. Em geral essas oficinas duram de três a cinco dias.

Vamos considerar que um projeto é um documento técnico, que exige um bom domínio da linguagem escrita; poder de síntese para descrever, por exemplo, as características da área onde vivem e da população que forma a comunidade em poucas linhas; compreensão de conceitos como contexto, metodologia, objetivos gerais, objetivos específicos, indicadores;  habilidade para separar as informações sobre a comunidade, a associação e os diferentes aspectos do projeto em cada um desses e outros elementos, “pensando em gavetinhas” como se costuma dizer, e uma boa capacidade de abstração para conceber um conjunto articulado de atividades, para atender a um objetivo, utilizando-se de uma determinada metodologia, meses ou mais de ano antes de iniciar o trabalho.

Vamos considerar também que em grande parte dos casos, essas pessoas têm uma pequena escolaridade, nem sempre de boa qualidade, quando não acontece de não terem escolaridade nenhuma; como consequência possuem pouco domínio da escrita; pouca capacidade de abstração e coloquialmente relatam uma série de informações em uma lógica própria, articulando os diferentes aspectos à sua própria maneira.

É possível que em alguns poucos dias essas pessoas aprendam a elaborar projetos e possam fazê-lo dali para a frente sem a ajuda de ninguém? Conheço pessoas com muito mais formação e experiência neste tipo de coisa, que encontra bastante dificuldade para escrever um projeto.

Em uma oficina de elaboração de projetos, percebi que os participantes tinham uma dificuldade enorme para interpretar textos e também para escrever. Dois deles não tinham escolaridade nenhuma e nem sabiam escrever o próprio nome. Depois de várias tentativas, alguém disse que “vocês estão exigindo de nós uma coisa que não conseguimos fazer. ”

Nesse momento parei a oficina para conversarmos e dizer que não estava ali para “torturar” nenhum deles, mas para ajuda-los a aprender. Concordei que nem todos aprenderiam a elaborar projetos, principalmente aqueles que não sabiam escrever. Esses, no entanto, que eram pessoas com muita experiência de vida e no desenvolvimento das atividades na comunidade, podiam dar muitas ideias para alguém que ficasse encarregado de escrever, de acordo com o formato e a linguagem dos projetos.

A partir daí passei a colher as informações do grupo e a redigir o projeto. A mesma coisa aconteceu em outras associações daquela região. Em uma delas, depois da oficina, ficaram de conversar com a comunidade sobre o interesse pelo projeto, uma vez que não tinham feito antes o diagnóstico e o planejamento, conforme previsto. Quando voltei, tinham conversado e identificado várias pessoas interessadas. Continuamos a elaboração e, uma vez faltando apenas complementar o orçamento, sugeri que reunissem as pessoas interessadas para apresentarmos o projeto, discutir sobre a estratégia adotada e complementar as informações, principalmente do orçamento, já que eram pessoas que costumavam realizar aquelas atividades e sabiam o que era preciso. A reunião foi feita, a proposta apresentada e complementada e saíram todos bastante animados. Alguns deles ficaram de pesquisar preços para o orçamento e eu de encontrar mais editais para apresentar em nosso próximo encontro.

Concordo com muitos financiadores de que um projeto deve contar com a participação da comunidade desde a identificação do problema e a elaboração até a execução das atividades e a avaliação. E acredito que a fórmula que encontramos foi bastante eficiente para isso. No entanto, tenho muitas dúvidas sobre as oficinas como forma de capacitação, para elaborarem seus projetos sozinhos em curto prazo. Pode ser que algumas pessoas da comunidade venham a aprender, principalmente com a prática da elaboração, apoiada por um técnico que tenha a sensibilidade pedagógica e a metodologia apropriada para ir percebendo quando podem assumir mais o processo e dando o espaço para que o façam. Em outros casos, talvez não venham a fazer isso, a não ser que a comunidade passe a contar com uma ou mais pessoas com as habilidades necessárias para isso.

Certa vez me consultaram sobre a possibilidade de dar uma oficina dessas para um grupo de agricultores com muito pouca escolaridade, “semianalfabetos”, como me foi dito. Falei das dificuldades apresentadas acima e concluí que eles não aprenderiam a elaborar projetos antes que aprendessem a escrever bem. Acrescentei que, uma oficina daria a eles conhecimentos sobre a linguagem dos projetos para que pudessem contribuir melhor com alguém que escrevesse o projeto para eles. Esperar mais do que isso seria ilusão.

Para trabalhar dessa forma, mais demorada e dispendiosa financeiramente, nos defrontamos com a dificuldade do tempo e do cronograma imposto por projetos e programas de organizações que apoiam essas comunidades, mais afinados com o prazo de financiamento do que com o tempo das comunidades.


É preciso que organizações de apoio e financiadores entendam e considerem que as comunidades têm o seu ritmo e o seu tempo próprios, que não atendem à rapidez de nossos prazos e cronogramas. Tem seus próprios processos de aprendizado, de mobilização e amadurecimento de propostas. Passar por cima disso é focar mais em resultados que dê visibilidade do que contribuir para o desenvolvimento dessas comunidades e suas organizações.

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