Nos dias 06 a 14 de maio facilitei
oficinas sobre políticas públicas voltadas para os povos indígenas para
dirigentes e lideranças de três associações indígenas do baixo Rio Teles Pires,
na divisa dos estados do Mato Grosso e Pará.
Discutindo o conceito de política
pública, chegou-se à definição de que “É uma ação do Estado para atender às necessidades e interesses
coletivos.” Duas reflexões importantes surgiram a partir daí. A primeira
é que política pública não é um favor, mas uma obrigação do Estado,
compreendendo não só o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário. São
baseadas nos direitos coletivos estabelecidos. A segunda é que atendem a interesses
coletivos de bem-estar da população em geral ou de grupos específicos, mas não
a necessidades pessoais, como fornecer utensílios, ferramentas ou outros
insumos de uso particular, característico da política indigenista durante muito
tempo.
O ciclo de uma política pública começa
pela formação da agenda, quando
temas de interesse entram na pauta de discussões do governo. Para que isso
ocorra, os grupos interessados devem se manifestar e pressionar, tendo em vista
que outros grupos também estão fazendo o mesmo e se não o fizerem, os próprios
gestores se encarregarão de definir as prioridades a seu modo. Na formulação de políticas são definidos
os objetivos, ações, público beneficiário, etc. Aqui é novamente fundamental a
manifestação e pressão da sociedade civil organizada para que as suas
necessidades sejam contempladas, assim como no estágio posterior da tomada de decisões, quando se fará a
escolha entre as diferentes alternativas apresentadas. A participação não
termina com a publicação em lei, decreto ou outro dispositivo legal instituindo
a política. Durante a implementação
a participação na execução e monitoramento, é fundamental, em especial com uma
atuação qualificada nas instâncias de controle social, o que também deve
ocorrer durante a avaliação.
E o que a associação tem a ver com
isso? Segundo os participantes de uma das oficinas, “As políticas públicas são obrigação do governo e é também papel da associação
cobrar a execução adequada dessas políticas.”
A base do reconhecimento nacional dos
direitos indígenas está na Constituição Brasileira, em especial em seus artigos
231 e 232. Também são muito importantes os preceitos estabelecidos na Convencão
nº 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT. Há quem questione se o
governo brasileiro deve obedecer a um tratado internacional. Para dirimir
qualquer dúvida, esta convenção foi ratificada pelo legislativo brasileiro através
do Decreto Legislativo 143, de 2002 e pelo Decreto 5.051, de 2004 que, em seu
artigo 1º, estabelece que “A Convenção nº 169
da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais,
adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente
Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.”
Muitos indígenas, em especial os mais velhos,
lembram com saudades do tempo em que a Fundação Nacional do Índios – Funai supria
suas necessidades por roupas, ferramentas, utensílios de cozinha, material de
pesca e de caça. Alguns chegam a dizer que “sua antiga mãe os deixou órfãos”. Na
verdade, o foco da atuação do órgão indigenista estatal está na proteção
territorial e na promoção do desenvolvimento sustentável. Ou seja, “a mãe não
abandonou seus filhos, mas reconhece que devem andar por suas próprias pernas”.
Depois de ter viabilizado o reconhecimento, demarcação e homologação de boa
parte das terras indígenas no Brasil, cabe agora oferecer condições para que os
povos indígenas possam utilizar de forma sustentável os recursos naturais de
suas terras para viverem bem nelas, atendendo às suas necessidades. É preciso
que as organizações indígenas, formais e informais, cobrem da Funai a efetiva
realização das ações que estão a seu encargo. Foram estimulados a participarem
de forma qualificada dos Comitês Regionais, canais de controle social em que os
indígenas têm participação paritária.
Desde 1991 as ações relativas à saúde e
educação deixaram de ser executadas pela Funai e passaram aos ministérios da
Saúde e Educação. Tanto nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena quanto nos
Territórios Etnoeducacionais, os índios têm participação garantida em lei, o
que não tem sido aproveitado adequadamente pelos povos participantes das
oficinas.
Foi discutido que, além das
manifestações promovidas pelo movimento indígena, esses espaços institucionais
de controle social devem ser aproveitados ao máximo de seu potencial. Os
representantes devem ser escolhidos democraticamente; devem ser qualificados
para de fato intervirem e devem manter diálogo constante com as comunidades que
representa, de forma a expressarem a sua vontade e informar sobre os
resultados. Não há representação de fato sem esse diálogo.
Quando se trata de representação em
órgãos nacionais como a Comissão Nacional de Política Indigenista, não dá para
pensar que os representantes de regiões como a Amazônia, conversem em cada
aldeia. O movimento indígena deve se organizar em nível local, microrregional e
estadual para que o diálogo seja viabilizado.
Um dos participantes comentou ressentido
que no último Acampamento Terra Livre, em Brasília, quando o governo queria
conversar chamava apenas lideranças da APIB, COIAB e outras organizações
regionais. Foi ponderado que o governo não pode chamar a todos. Quando quer
conversar com os industriais, chama a Confederação Nacional da Indústria – CNI;
quando quer conversar com os fazendeiros, chama a Confederação Nacional da
Agricultura – CNA e os industriais ou os fazendeiros não acham isso ruim,
porque se sentem bem representados. Por que os indígenas não se sentem bem
representados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ou por suas
organizações regionais? Isso não é responsabilidade do governo, mas do próprio
movimento indígena, que deve fortalecer sua organização e representação.
O Estado brasileiro tende a uma burocratização e a uma disseminação de instâncias de consulta que, muitas vezes inibe a execução prática de suas políticas. Estão em curso encontros locais e regionais que antecedem à realização da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista. O mesmo deve acontecer no próximo ano para a realização da 1ª Conferência Nacional da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas - PNGATI. Acontece que os temas são em grande parte similares:
Eixos Temáticos da
Conferência Nacional de Política Indigenista
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Eixos da PNGATI
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1.
Territorialidade e o direito territorial dos povos indígenas;
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Eixo
1 - proteção territorial e dos recursos naturais:
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2.
Autodeterminação, participação social e o direito à consulta;
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Eixo
2 - governança e participação indígena:
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Eixo
3 - áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas:
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Eixo
4 - prevenção e recuperação de danos ambientais:
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3.
Desenvolvimento sustentável de terras e dos povos indígenas;
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Eixo
5 - uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas:
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5.
Direitos individuais e coletivos dos povos indígenas; e
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Eixo
6 - propriedade intelectual e patrimônio genético:
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Eixo
7 - capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental:
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4.
Diversidade cultural e pluralidade étnica no Brasil; e
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6.
Direito à Memória e à Verdade
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Alguém pode me explicar porque
passaremos de março a novembro deste ano mobilizando esforços para a 1ª
Conferência Nacional de Política Indigenista e depois o próximo ano para a 1ª
Conferência Nacional da PNGATI, se os temas são em grande parte coincidentes?
Como não estão contempladas em nenhuma das duas as políticas públicas de Saúde
e Educação para os povos indígenas, isso significa que as conferências
nacionais de Saúde e Educação continuarão a acontecer separadamente? Mas a
ideia da Conferência Nacional de Política Indigenista não é articular as
políticas públicas voltadas para os povos indígenas? Se em um ano terá a
conferência nacional de política indigenista, no outro a da PNGATI, no outro a
de saúde e no outro a de educação, sobrará tempo para a execução? Será que é
maldade minha pensar que a ideia do governo é mesmo ficarmos tão ocupados com
conferências que não teremos tempo de cobrar execução nenhuma, acreditando
(ingenuamente?) que alguma coisa está acontecendo?
Para quem possa se perguntar qual
é, então, a minha proposta: que haja apenas uma Conferência Nacional de
Política Indigenista, que contemple todas as políticas voltadas para os povos
indígenas, a ser realizada a cada 5 anos; que o Conselho Nacional de Política
Indigenista, a substituir a CNPI, seja desencalhado no Congresso e criado, para
se reunir a cada 6 meses a fim de monitorar a execução e caso ela não ocorra
adequadamente, que o Ministério Público Federal seja acionado e, se necessário,
que os 900 mil indígenas e mais todos os apoiadores de sua causa vão às ruas
exigir do governo o cumprimento da lei.
Um colega comentou que isso é tão simples que seja a ser assombroso. Tenho
uma admiração especial pelas coisas simples e óbvias. Lembrando dos idos dos anos
1970 e 1980, chego a pensar que são revolucionárias. Um companheiro de
trabalho, há muitos anos, dizia que "o rio, quando é pequeno, faz muitas
curvas para parecer que é grande...". Precisamos fugir disso, não é?
As lideranças indígenas com quem conversei avaliaram que as políticas públicas para os povos indígenas, conforme estão formuladas, são muito boas. O que falta é a execução conforme está prescrito...
As lideranças indígenas com quem conversei avaliaram que as políticas públicas para os povos indígenas, conforme estão formuladas, são muito boas. O que falta é a execução conforme está prescrito...
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