Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




terça-feira, 19 de maio de 2015

O que as associações tem a ver com políticas públicas?

Nos dias 06 a 14 de maio facilitei oficinas sobre políticas públicas voltadas para os povos indígenas para dirigentes e lideranças de três associações indígenas do baixo Rio Teles Pires, na divisa dos estados do Mato Grosso e Pará.

Discutindo o conceito de política pública, chegou-se à definição de que “É uma ação do Estado para atender às necessidades e interesses coletivos.” Duas reflexões importantes surgiram a partir daí. A primeira é que política pública não é um favor, mas uma obrigação do Estado, compreendendo não só o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário. São baseadas nos direitos coletivos estabelecidos. A segunda é que atendem a interesses coletivos de bem-estar da população em geral ou de grupos específicos, mas não a necessidades pessoais, como fornecer utensílios, ferramentas ou outros insumos de uso particular, característico da política indigenista durante muito tempo.

O ciclo de uma política pública começa pela formação da agenda, quando temas de interesse entram na pauta de discussões do governo. Para que isso ocorra, os grupos interessados devem se manifestar e pressionar, tendo em vista que outros grupos também estão fazendo o mesmo e se não o fizerem, os próprios gestores se encarregarão de definir as prioridades a seu modo. Na formulação de políticas são definidos os objetivos, ações, público beneficiário, etc. Aqui é novamente fundamental a manifestação e pressão da sociedade civil organizada para que as suas necessidades sejam contempladas, assim como no estágio posterior da tomada de decisões, quando se fará a escolha entre as diferentes alternativas apresentadas. A participação não termina com a publicação em lei, decreto ou outro dispositivo legal instituindo a política. Durante a implementação a participação na execução e monitoramento, é fundamental, em especial com uma atuação qualificada nas instâncias de controle social, o que também deve ocorrer durante a avaliação.

E o que a associação tem a ver com isso? Segundo os participantes de uma das oficinas, As políticas públicas são obrigação do governo e é também papel da associação cobrar a execução adequada dessas políticas.”

A base do reconhecimento nacional dos direitos indígenas está na Constituição Brasileira, em especial em seus artigos 231 e 232. Também são muito importantes os preceitos estabelecidos na Convencão nº 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT. Há quem questione se o governo brasileiro deve obedecer a um tratado internacional. Para dirimir qualquer dúvida, esta convenção foi ratificada pelo legislativo brasileiro através do Decreto Legislativo 143, de 2002 e pelo Decreto 5.051, de 2004 que, em seu artigo 1º, estabelece que “A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.”

Muitos indígenas, em especial os mais velhos, lembram com saudades do tempo em que a Fundação Nacional do Índios – Funai supria suas necessidades por roupas, ferramentas, utensílios de cozinha, material de pesca e de caça. Alguns chegam a dizer que “sua antiga mãe os deixou órfãos”. Na verdade, o foco da atuação do órgão indigenista estatal está na proteção territorial e na promoção do desenvolvimento sustentável. Ou seja, “a mãe não abandonou seus filhos, mas reconhece que devem andar por suas próprias pernas”. Depois de ter viabilizado o reconhecimento, demarcação e homologação de boa parte das terras indígenas no Brasil, cabe agora oferecer condições para que os povos indígenas possam utilizar de forma sustentável os recursos naturais de suas terras para viverem bem nelas, atendendo às suas necessidades. É preciso que as organizações indígenas, formais e informais, cobrem da Funai a efetiva realização das ações que estão a seu encargo. Foram estimulados a participarem de forma qualificada dos Comitês Regionais, canais de controle social em que os indígenas têm participação paritária.

Desde 1991 as ações relativas à saúde e educação deixaram de ser executadas pela Funai e passaram aos ministérios da Saúde e Educação. Tanto nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena quanto nos Territórios Etnoeducacionais, os índios têm participação garantida em lei, o que não tem sido aproveitado adequadamente pelos povos participantes das oficinas.

Foi discutido que, além das manifestações promovidas pelo movimento indígena, esses espaços institucionais de controle social devem ser aproveitados ao máximo de seu potencial. Os representantes devem ser escolhidos democraticamente; devem ser qualificados para de fato intervirem e devem manter diálogo constante com as comunidades que representa, de forma a expressarem a sua vontade e informar sobre os resultados. Não há representação de fato sem esse diálogo.

Quando se trata de representação em órgãos nacionais como a Comissão Nacional de Política Indigenista, não dá para pensar que os representantes de regiões como a Amazônia, conversem em cada aldeia. O movimento indígena deve se organizar em nível local, microrregional e estadual para que o diálogo seja viabilizado.

Um dos participantes comentou ressentido que no último Acampamento Terra Livre, em Brasília, quando o governo queria conversar chamava apenas lideranças da APIB, COIAB e outras organizações regionais. Foi ponderado que o governo não pode chamar a todos. Quando quer conversar com os industriais, chama a Confederação Nacional da Indústria – CNI; quando quer conversar com os fazendeiros, chama a Confederação Nacional da Agricultura – CNA e os industriais ou os fazendeiros não acham isso ruim, porque se sentem bem representados. Por que os indígenas não se sentem bem representados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ou por suas organizações regionais? Isso não é responsabilidade do governo, mas do próprio movimento indígena, que deve fortalecer sua organização e representação.

Com a participação social o interesse público passa a ser definido por coletividades que colocam em debate suas demandas determinando com a sua representatividade e capacidade de pressão aos gestores públicos o maior ou menor atendimento de suas reivindicações. As Políticas Públicas são o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da sociedade que buscam defender e garantir os seus interesses.

O Estado brasileiro tende a uma burocratização e a uma disseminação de instâncias de consulta que, muitas vezes inibe a execução prática de suas políticas. Estão em curso encontros locais e regionais que antecedem à realização da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista. O mesmo deve acontecer no próximo ano para a realização da 1ª Conferência Nacional da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas - PNGATI. Acontece que os temas são em grande parte similares:


Eixos Temáticos da Conferência Nacional de Política Indigenista
Eixos da PNGATI
1. Territorialidade e o direito territorial dos povos indígenas;
Eixo 1 - proteção territorial e dos recursos naturais:
2. Autodeterminação, participação social e o direito à consulta;
Eixo 2 - governança e participação indígena:

Eixo 3 - áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas:

Eixo 4 - prevenção e recuperação de danos ambientais:
3. Desenvolvimento sustentável de terras e dos povos indígenas;
Eixo 5 - uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas:
5. Direitos individuais e coletivos dos povos indígenas; e
Eixo 6 - propriedade intelectual e patrimônio genético:

Eixo 7 - capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental:
4. Diversidade cultural e pluralidade étnica no Brasil; e 

6. Direito à Memória e à Verdade


Alguém pode me explicar porque passaremos de março a novembro deste ano mobilizando esforços para a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista e depois o próximo ano para a 1ª Conferência Nacional da PNGATI, se os temas são em grande parte coincidentes? Como não estão contempladas em nenhuma das duas as políticas públicas de Saúde e Educação para os povos indígenas, isso significa que as conferências nacionais de Saúde e Educação continuarão a acontecer separadamente? Mas a ideia da Conferência Nacional de Política Indigenista não é articular as políticas públicas voltadas para os povos indígenas? Se em um ano terá a conferência nacional de política indigenista, no outro a da PNGATI, no outro a de saúde e no outro a de educação, sobrará tempo para a execução? Será que é maldade minha pensar que a ideia do governo é mesmo ficarmos tão ocupados com conferências que não teremos tempo de cobrar execução nenhuma, acreditando (ingenuamente?) que alguma coisa está acontecendo?

Para quem possa se perguntar qual é, então, a minha proposta: que haja apenas uma Conferência Nacional de Política Indigenista, que contemple todas as políticas voltadas para os povos indígenas, a ser realizada a cada 5 anos; que o Conselho Nacional de Política Indigenista, a substituir a CNPI, seja desencalhado no Congresso e criado, para se reunir a cada 6 meses a fim de monitorar a execução e caso ela não ocorra adequadamente, que o Ministério Público Federal seja acionado e, se necessário, que os 900 mil indígenas e mais todos os apoiadores de sua causa vão às ruas exigir do governo o cumprimento da lei.

Um colega comentou que isso é tão simples que seja a ser assombroso. Tenho uma admiração especial pelas coisas simples e óbvias. Lembrando dos idos dos anos 1970 e 1980, chego a pensar que são revolucionárias. Um companheiro de trabalho, há muitos anos, dizia que "o rio, quando é pequeno, faz muitas curvas para parecer que é grande...". Precisamos fugir disso, não é?

As lideranças indígenas com quem conversei avaliaram que as políticas públicas para os povos indígenas, conforme estão formuladas, são muito boas. O que falta é a execução conforme está prescrito...

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