"Desapegando" das teorias soviética, nacionalista ou neo
liberal de Estado, acredito que precisamos discutir o assunto desde os seus
princípios e, então, eu me pergunto:
1. Por que precisamos de um Estado?
2. Para que precisamos de um Estado?
3. Quanto devemos pagar para ter o Estado que precisamos?
4. O que devemos fazer como pessoas físicas, empresas ou em organizações da sociedade civil para "o bem viver" de todas as pessoas?
2. Para que precisamos de um Estado?
3. Quanto devemos pagar para ter o Estado que precisamos?
4. O que devemos fazer como pessoas físicas, empresas ou em organizações da sociedade civil para "o bem viver" de todas as pessoas?
Há anos atrás, no auge dos convênios
da Fundação Nacional de Saúde com organizações da sociedade civil para a
prestação de serviços de saúde aos povos indígenas, o que levou muitas delas à
inadimplência por uma série de dificuldades, inclusive as impostas pela própria
Funasa, um advogado amigo meu se posicionou no sentido de que o Estado não pode
tranferir as suas responsabilidades para as organizações sociais e deveria
executar diretamente o atendimento das comunidades. Respondi a ele que venho de
uma geração que foi às ruas reivindicar serviços adequados do governo. Com a
redemocratização o governo chamou as organizações sociais para uma atuação em
parceria em várias áreas. É sabido que o governo chega com dificuldade e pouca
eficiência a muitos lugares e para tratar de várias necessidades da população.
Mais capilarizadas e enraizadas, conhecedoras dos problemas locais e dialogando
melhor com as comunidades sobre as soluções a serem adotadas, as organizações
locais têm se mostrado mais eficientes. Por que se negar a isso? Vamos
continuar nos manifestando nas ruas pedindo que o governo resolva os problemas,
mas nos negando de participar diretamente?
Desde então venho pensando sobre o
papel do Estado e da sociedade civil na solução de problemas e melhoria da qualidade
de vida da população.
Na origem dos Estados Nacionais, em
substituição aos governos feudais, a defesa do território estava no topo das
suas funções. Com o crescimento do comércio, a segurança das estradas e dos
mercados foi acrescida. Com um governo, exército e orçamento advindo de
impostos, o Estado se tornava capaz de oferecer serviços que pessoas ou
organizações menores não seriam capazes.
Com o tempo, outras atribuições foram
sendo agregadas, chegando ao “Estado do Bem Estar Social”, experimentado por
países europeus, onde o governo deveria garantir com serviços de qualidade o
bem estar da população em termos de saúde, transporte, alimentação, educação,
lazer, entre outros. O custo foi aumentando a tal ponto que inviabilizou a
proposta, sendo abandonada ou diminuída nesses países, fazendo pensar em uma
nova definição do que deveria ser assumido pelo governo, o que deveria ser
assumido pela iniciativa privada, de empresas e organizações sociais.
E hoje, qual é a função do Estado?
Precisamos do governo para atender a quais da nossas necessidades? Quais delas
podem ser supridas pelas empresas do Segundo Setor? Quais podem ser atendidas
pelas organizações sociais do Terceiro Setor? Não podemos nos iludir, a cada
serviço prestado pelo governo, cabe uma contrapartida da sociedade em termos de
impostos. Somos nós que pagamos por cada serviço que cobramos que o governo
preste.
Muita gente considera que as
organizações do Terceiro Setor prestam serviços complementares ao governo, nas
áreas em que são especializadas, nas regiões em que têm mais capilaridade, nas
ações que realizam com maior eficiência e eficácia. Acredito que é o contrário.
O Estado é que cumpre as funções que a sociedade civil não consegue apenas com
suas organizações empresariais e sociais.
A falta de uma definição clara
dos papéis dessas três esferas da nossa sociedade cria certos desvios que
precisam da nossa atenção. Recentemente, no bojo das denúncias de organizações
criadas para desviar recursos públicos, uma campanha na TV fazia questão de
frizar que não haveria renúncia fiscal relativa às doações. Algumas
organizações faziam questão de ressaltar que não recebiam recursos do governo.
Ora, se o governo ainda tem para si essas responsabilidades, qual é o problema
de uma organização social com o mesmo objetivo fazer parcerias e executar essas
ações desde que com eficiência e transparência?
Por outro lado, podemos considerar
como filantrópica a ação de uma empresa que repassa parte dos impostos que
deveria pagar ao Estado para uma organização social realizar atividades de
cunho social? Entendo que não. Ela não está fazendo filantropia, entendida aqui
em seu sentido amplo originado do termo grego, que significa “amor à
humanidade”, manifestado por ações que pretendem construir uma sociedade mais
justa e equitativa, na qual todas as pessoas tenham as mesmas possibilidades de
desenvolvimento. Está apenas exercendo o seu direito de escolher pagar os
impostos que deve para o governo ou investir diretamente nas ações de uma
organização de interesse público. Destinar recursos da sua estratégia de
marketing para ações sociais, abatendo de seu imposto de renda e ainda exigindo
em contrapartida que o beneficiário faça propaganda dela, está longe de ser
filantropia. Não tenho nada contra a renúncia fiscal, pelo contrário, acredito
que é em muitos casos uma forma mais eficiente de uso dos recursos públicos,
mas se a empresa quer ser cidadã deve ir além, dando de si, sem receber nada em
troca, o que está no cerne da filantropia.
Tem todo o meu apoio também as doações
individuais, de pessoas físicas. As organizações de ajuda mútua estão na origem
das organizações da sociedade civil, inicialmente para atender famílias que
ficavam desempregadas e em dificuldades financeiras; para as que eram surpreendidas
pelo falecimento de algum de seus membros e não tinham como arcar com as
despesas do funeral; para melhorar o acesso à habitação, etc. Hoje temos
organizações para o desenvolvimento cultural, esportivo, conquista de primeiro
emprego pelos jovens, proteção do meio ambiente, garantia dos direitos das
populações indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, entre muitos outros
objetivos.
A solidariedade é uma qualidade humana
e não uma atribuição de governos. Cabe à sociedade civil se organizar e se
fortalecer de forma autônoma para que “todas as pessoas tenham as mesmas
possibilidades de desenvolvimento.”