Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




terça-feira, 28 de abril de 2015

A necessidade do Estado e a importância da Cidadania Empresarial e do Terceiro Setor

"Desapegando" das teorias soviética, nacionalista ou neo liberal de Estado, acredito que precisamos discutir o assunto desde os seus princípios e, então, eu me pergunto:

1. Por que precisamos de um Estado?
2. Para que precisamos de um Estado?
3. Quanto devemos pagar para ter o Estado que precisamos?
4. O que devemos fazer como pessoas físicas, empresas ou em organizações da sociedade civil para "o bem viver" de todas as pessoas?

Há anos atrás, no auge dos convênios da Fundação Nacional de Saúde com organizações da sociedade civil para a prestação de serviços de saúde aos povos indígenas, o que levou muitas delas à inadimplência por uma série de dificuldades, inclusive as impostas pela própria Funasa, um advogado amigo meu se posicionou no sentido de que o Estado não pode tranferir as suas responsabilidades para as organizações sociais e deveria executar diretamente o atendimento das comunidades. Respondi a ele que venho de uma geração que foi às ruas reivindicar serviços adequados do governo. Com a redemocratização o governo chamou as organizações sociais para uma atuação em parceria em várias áreas. É sabido que o governo chega com dificuldade e pouca eficiência a muitos lugares e para tratar de várias necessidades da população. Mais capilarizadas e enraizadas, conhecedoras dos problemas locais e dialogando melhor com as comunidades sobre as soluções a serem adotadas, as organizações locais têm se mostrado mais eficientes. Por que se negar a isso? Vamos continuar nos manifestando nas ruas pedindo que o governo resolva os problemas, mas nos negando de participar diretamente?

Desde então venho pensando sobre o papel do Estado e da sociedade civil na solução de problemas e melhoria da qualidade de vida da população.

Na origem dos Estados Nacionais, em substituição aos governos feudais, a defesa do território estava no topo das suas funções. Com o crescimento do comércio, a segurança das estradas e dos mercados foi acrescida. Com um governo, exército e orçamento advindo de impostos, o Estado se tornava capaz de oferecer serviços que pessoas ou organizações menores não seriam capazes.

Com o tempo, outras atribuições foram sendo agregadas, chegando ao “Estado do Bem Estar Social”, experimentado por países europeus, onde o governo deveria garantir com serviços de qualidade o bem estar da população em termos de saúde, transporte, alimentação, educação, lazer, entre outros. O custo foi aumentando a tal ponto que inviabilizou a proposta, sendo abandonada ou diminuída nesses países, fazendo pensar em uma nova definição do que deveria ser assumido pelo governo, o que deveria ser assumido pela iniciativa privada, de empresas e organizações sociais.

E hoje, qual é a função do Estado? Precisamos do governo para atender a quais da nossas necessidades? Quais delas podem ser supridas pelas empresas do Segundo Setor? Quais podem ser atendidas pelas organizações sociais do Terceiro Setor? Não podemos nos iludir, a cada serviço prestado pelo governo, cabe uma contrapartida da sociedade em termos de impostos. Somos nós que pagamos por cada serviço que cobramos que o governo preste.

Muita gente considera que as organizações do Terceiro Setor prestam serviços complementares ao governo, nas áreas em que são especializadas, nas regiões em que têm mais capilaridade, nas ações que realizam com maior eficiência e eficácia. Acredito que é o contrário. O Estado é que cumpre as funções que a sociedade civil não consegue apenas com suas organizações empresariais e sociais.

 A falta de uma definição clara dos papéis dessas três esferas da nossa sociedade cria certos desvios que precisam da nossa atenção. Recentemente, no bojo das denúncias de organizações criadas para desviar recursos públicos, uma campanha na TV fazia questão de frizar que não haveria renúncia fiscal relativa às doações. Algumas organizações faziam questão de ressaltar que não recebiam recursos do governo. Ora, se o governo ainda tem para si essas responsabilidades, qual é o problema de uma organização social com o mesmo objetivo fazer parcerias e executar essas ações desde que com eficiência e transparência?

Por outro lado, podemos considerar como filantrópica a ação de uma empresa que repassa parte dos impostos que deveria pagar ao Estado para uma organização social realizar atividades de cunho social? Entendo que não. Ela não está fazendo filantropia, entendida aqui em seu sentido amplo originado do termo grego, que significa “amor à humanidade”, manifestado por ações que pretendem construir uma sociedade mais justa e equitativa, na qual todas as pessoas tenham as mesmas possibilidades de desenvolvimento. Está apenas exercendo o seu direito de escolher pagar os impostos que deve para o governo ou investir diretamente nas ações de uma organização de interesse público. Destinar recursos da sua estratégia de marketing para ações sociais, abatendo de seu imposto de renda e ainda exigindo em contrapartida que o beneficiário faça propaganda dela, está longe de ser filantropia. Não tenho nada contra a renúncia fiscal, pelo contrário, acredito que é em muitos casos uma forma mais eficiente de uso dos recursos públicos, mas se a empresa quer ser cidadã deve ir além, dando de si, sem receber nada em troca, o que está no cerne da filantropia.

Tem todo o meu apoio também as doações individuais, de pessoas físicas. As organizações de ajuda mútua estão na origem das organizações da sociedade civil, inicialmente para atender famílias que ficavam desempregadas e em dificuldades financeiras; para as que eram surpreendidas pelo falecimento de algum de seus membros e não tinham como arcar com as despesas do funeral; para melhorar o acesso à habitação, etc. Hoje temos organizações para o desenvolvimento cultural, esportivo, conquista de primeiro emprego pelos jovens, proteção do meio ambiente, garantia dos direitos das populações indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, entre muitos outros objetivos.
  

A solidariedade é uma qualidade humana e não uma atribuição de governos. Cabe à sociedade civil se organizar e se fortalecer de forma autônoma para que “todas as pessoas tenham as mesmas possibilidades de desenvolvimento.”

sábado, 18 de abril de 2015

Fundamos a associação. E agora, fazemos o quê?

No livro Associação é para fazer juntos, logo após a fundação da Associação Jequitibá, os diretores se reunidos se perguntaram “o que nós vamos fazer com essa ferramenta que temos na nossa mão? Quais são as coisas mais importantes que precisamos ajudar a resolver para melhorar a vida na nossa comunidade? O que nós vamos fazer para resolver, ou pelo menos diminuir, esses problemas?”

No mês de março passado, assessorei a fundação das associações indígenas Sawara, do povo Apiaká e Dace, do povo Munduruku, no Norte do Mato Grosso e sul do Pará, respectivamente. Nos dias 08 a 16 deste mês de abril, voltei a trabalhar com eles, além da Associação Indígena Kawaip Kayabi, com quem facilitei um diagnóstico organizacional, reforma do estatuto e encaminhamento de providências para resolver algumas pendências contábeis, para tentar responder a essas perguntas.

Os dirigentes das associações Sawara e Dace continuam providenciando as informações e documentos necessários para o registro da Ata de Fundação e do Estatuto no cartório. Enquanto isso, realizamos o Módulo I da Capacitação em Elaboração de Projetos, sobre Diagnóstico e Planejamento Participativos.

Tratamos do conceito de diagnóstico e da importância da sua realização para identificar a conhecer bem os problemas da comunidade. Para isso, lançamos mão de algumas metodologias de Diagnóstico Rápido Participativo, como a Chuva de Ideias, Entrevista Semi Estruturada, Mapeamento Participativo, Perfil Histórico, Calendário Sazonal e Caminhada Transversal. Foi ressaltada a necessidade de ser participativo porque “o paciente é a melhor pessoa para falar sobre o seu problema. Não é o médico que diz o que a pessoa está sentindo...”. Além disso, o comprometimento e envolvimento dos associados será muito maior se participarem e forem ouvidos a partir da discussão dos problemas e buscarem juntos a melhor solução.

Fizemos um exercício de Chuva de Ideias, levantando problemas reais das aldeias ali representadas, trabalhamos a sua formulação para que ficassem bem claros e fizemos a priorização, levando em conta: qual é o mais grave, que mais ameaça a vida ou a qualidade de vida das pessoas; o que atinge o maior número de pessoas e o que está relacionado ao maior número de outros problemas. Essa definição foi antecedida em vários casos por uma discussão do problema, que pode ser conseguida com a Entrevista Semi Estruturada, individual ou em grupo focal, além das outras “ferramentas de diagnóstico”.

Nas oficinas com as duas associações recém fundadas, perguntei aos dirigentes o que fariam agora. Nenhum deles soube me responder. Comentei que não sabiam o que fazer porque não haviam feito um planejamento. Nas assembleias de eleição de diretoria, costumo sugerir que além da eleição, façam também um rápido diagnóstico e planejamento, para que os eleitos tenham um Plano de Trabalho, definido em conjunto com os associados, para conduzir as ações da associação. Nesses casos, foi feita apenas a aprovação da proposta de estatuto e eleição das coordenações e conselhos, porque nossa próxima atividade seria esta oficina.

Esta constatação e reflexão iniciou a sensibilização sobre a importância do planejamento. Refletimos também que planejar é uma condição para todas as atividades que realizamos no dia a dia, mesmo que de forma intuitiva e não sistemática. Perguntei como se preparavam para caçar. Responderam que combinavam com um grupo quando fariam, precisariam de arma, munição... Perguntei para que caçavam. Tiveram inicialmente dúvidas de como responder à pergunta óbvia para eles: “Você faz cada pergunta sem rumo...” Insisti na pergunta e responderam: “Para comer, ora.” Esclareci que algumas perguntas poderiam parecer sem utilidade porque eles fazem isso desde crianças e planejam intuitivamente. Então, começamos a trabalhar sobre as perguntas que fazemos para planejar:

       “Para quê?”, que nos ajuda a definir o objetivo (conseguir comida) e o resultado esperado (carne suficiente para alimentar a família);
       “O quê?”: caçar;
       “Com o quê”: armas, munição;
       “Quando?”: o dia e hora em que irão caçar;
       “Quem?”: a pessoa que está organizando a caçada;
       “Com quem?”: as pessoas que irão junto.

Foi apresentado e explicado um modelo de Matriz de Planejamento e os participantes, divididos em grupos, fizeram o planejamento para solucionar alguns dos problemas levantados no diagnóstico.

Foi lembrado que “a associação, em suas atividades, deve valorizar as potencialidades que a comunidade tem e aproveitar as oportunidades existentes e outras que podem ser conseguidas.”

Pelos depoimentos dados, acredito que a oficina tenha cumprido o seu papel de sensibilizar o grupo de participantes, formado por dirigentes, conselheiros e associados para a importância do diagnóstico e planejamento participativos: “vale a pena pensar para fazer as coisas, porque se não pensar direito, dá errado; não é fácil fazer planejamento, mas aos poucos a gente vai aprendendo para fazer bem feito e não dar errado; a gente nunca teve associação e nunca fez esse trabalho. Não é fácil. É preciso ter muita força de vontade e paciência. É difícil, mas não é impossível; com planejamento a gente faz bem o nosso trabalho. Em cima da hora dá tudo errado.”

Foram orientados a fazer o diagnóstico e o planejamento participativos em suas aldeias antes do próximo módulo da capacitação que será sobre elaboração de projetos e captação de recursos. O treinamento sobre a elaboração de projetos será feito com base nos planejamentos feitos. Serão apresentados editais abertos na ocasião e os projetos poderão ser encaminhados para financiamento, começando a viabilizar financeiramente as atividades das associações. Além disso, a sistematização dos planejamentos feitos nas aldeias, poderá compor o Plano de Trabalho das associações Apiaká e Munduruku para este primeiro período de suas existências ou para o mandato da próxima coordenação da associação Kayabi, a ser eleita em breve.


Depois da animação da fundação das associações, estão percebendo que as soluções não virão facilmente, mas como fruto de um trabalho longo, a ser feito com dedicação e paciência. O bom é que parecem dispostos a isso. Espero que esse processo não seja atropelado por algum “salvador da pátria”, oferecendo soluções rápidas como “projetos de gabinete” para “conseguirem logo dinheiro para a associação”, como se a questão fosse só dinheiro...