Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Como fundar uma associação - Parte I

Nos dias 07 a 13 de dezembro estive nas aldeias Kururuzinho (povo Kayabi), Mayrowi (povo Apiaká) e Teles Pires (povo Munduruku) para facilitar oficinas sobre associativismo. Os Kayabi têm uma associação há 12 anos e com pouca ou nenhuma atuação. Os Apiaká e Munduruku estão conversando há alguns anos para fundar a sua.

Utilizamos para reflexão os primeiros capítulos do livro Associação é para fazer juntos que descrevem o caminho percorrido pela “Comunidade Jequitibá”, começando por se perguntarem o que precisavam fazer que a organização tradicional da comunidade não era suficiente e precisavam de uma associação. Uma vez fundada, a associação ficaria encarregada das atividades de representação formal, gestão de atividades econômicas e projetos, comercialização de produtos, reivindicação e controle social de políticas públicas e não das que já são assumidas pela comunidade. Uma associação não deve se sobrepor nem substituir a organização comunitária, mas atuarem juntas, de forma complementar, uma fortalecendo a outra.

Foi dado bastante destaque para a importância da definição dos objetivos com a participação dos interessados em integrar a associação. Os objetivos são a motivação para a fundação da associação: “O que queremos fazer juntos?” Foi feito um primeiro exercício de elaboração, que deverá ser finalizado durante a elaboração da proposta de Estatuto e, principalmente, durante a sua aprovação pela assembleia.

Também começaram a definir a estrutura de funcionamento da associação, lembrando que têm a liberdade de definir a melhor forma de tomada de decisão e de execução das atividades e os órgãos mais adequados para isso, considerando a organização tradicional. Uma primeira proposta foi feita durante a oficina. Vão continuar conversando sobre isso até a realização da assembleia, quando deverá ser definida no Estatuto.

Em seguida foram apresentados os documentos necessários e os procedimentos para a fundação: Assembleia de Fundação e Eleição da Diretoria; registro da ata e do Estatuto no cartório e os cadastros na Secretaria da Receita Federal, INSS e Caixa Econômica Federal/FGTS. Foram apresentados também os documentos que precisam ser mantidos atualizados, a escrituração fiscal que deve ser feita e as declarações e informações aos órgãos do governo que precisam ser enviadas regularmente, necessitando para isso da contratação de um contador.

Foi criado por cada povo um grupo de mobilização das comunidades para esclarecer e motivar as pessoas a participarem do processo de fundação da associação, buscar informações no cartório sobre os documentos exigidos e preço para o registro; identificar, conversar e obter informações sobre a contratação de um contador, para ajudar nos cadastros e, depois, manter atualizadas a escrituração fiscal e as declarações da associação. Esse mesmo grupo participará, em janeiro de 2015, de outra oficina nas mesmas aldeias sobre aspectos legais e gerenciais para que tenham as informações básicas de como “cuidar” da associação.

Está prevista para março a elaboração de uma proposta de Estatuto com um grupo de lideranças, que deverá ser levada para discussão e aprovação na Assembleia, a ser realizada em seguida. Foi ressaltado que a proposta de Estatuto deve ser bem discutida, em cada artigo, porque ele não é só um documento para ser registrado no cartório, mas é “a constituição da associação”, onde estão definidos os objetivos, estrutura de gestão, direitos e deveres dos associados, etc. É preciso que esteja claro e de acordo com a vontade das pessoas que querem fundar a associação, respeitadas as exigências legais. Foi lido e explicado o capítulo do Código Civil referente às associações, para terem conhecimento dessas exigências e também da grande abertura que a lei deixa para definirem da maneira que preferirem características importantes da organização.


Os participantes se manifestaram algumas vezes, demonstrando estar claro que a associação é uma organização da comunidade e só se desenvolverá com a comunidade organizada nela. Comunidade esclarecida, motivada, participando processo e disposta a trabalhar junta é um bom começo. “Associação é para fazer juntos, não tem outro jeito!”

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O que não é possível conseguir com uma associação?

Além das associações comunitárias que são criadas por demanda externa como viabilização de políticas públicas ou programas de financiamento do governo ou programas e projetos de organizações privadas, vez ou outra me deparo com motivações para a fundação de associações comunitárias que na minha avaliação não levarão aos resultados esperados. É como se uma associação tivesse vida própria e resolvesse por si só os problemas sem depender daqueles que fazem parte dela:

A comunidade é desorganizada. Com a associação vai se organizar melhor
Já refletimos aqui que a organização comunitária é a base para a organização da associação e que a estrutura de funcionamento desta deve contemplar a forma de organização, de tomada de decisão e execução de tarefas daquela. Se a comunidade não está bem organizada é preciso que seja feito um trabalho de fortalecimento comunitário para que se organize melhor. Só depois disso é possível pensar em fundar uma associação, se houver a necessidade de uma organização formal para atingir os objetivos a que a comunidade se propõe. Caso contrário, as fragilidades da organização comunitária se refletirão também na associação.

Há conflitos e disputa de liderança. Uma associação ajudará a resolver isso
Sendo uma organização da comunidade, integrada e dirigida pelas mesmas pessoas, os conflitos e disputas de poder irão para a associação também. Poderão até mesmo ficar mais acirrados, uma vez que seus dirigentes terão um “poder” legal, conferido pela organização formal. Poderão crescer também na proporção da disponibilidade de recursos, que levam à distribuição de benefícios, além da contratação de pessoas com salários ou ajuda de custo.

As lideranças da comunidade demandam muitas coisas do técnico. Com a associação terão mais autonomia para resolver suas demandas sozinhos
A dependência é alimentada muitas vezes pelos próprios técnicos que fazem as coisas pelas pessoas ao invés de fazer com elas para que aprendam. A acomodação das lideranças ao encontrar uma pessoa que faça as coisas para elas e as livra do trabalho e da responsabilidade pelo resultado das ações deve ser evitada por quem trabalha para o desenvolvimento e empoderamento comunitário. Sem uma mudança de postura uma associação repetirá os mesmos vícios, aumentando ainda mais as demandas feitas.

Associação é ferramenta e quem dá vida à ferramenta são as mãos que a manejam. E para que ela seja uma boa ferramenta, precisa ser soberana:

·         Essa organização se esforça para conhecer e trabalhar a partir da sua própria intenção. Ela funciona “a partir de” e “com” princípios e valores claros, tendo a coragem de se manter fiel a eles;

·         É uma expressão autêntica da vontade e da voz dos seus próprios constituintes. Ela pode prestar serviços, mas não se presta a servir aos propósitos de outra organização e, embora possa aceitar financiamento, não é um veículo de desenvolvimento dos projetos financiados pelas agências de fora;

·         Uma organização soberana é culturalmente e estruturalmente única: não um clone de algumas “melhores práticas” de um modelo externo;

·         Uma organização soberana é politicamente consciente, conhece seus direitos e responsabilidades e compreende as relações de poder de que faz parte;

·         Uma organização soberana é capaz de cooperar e trabalhar com colegas e parceiros, sem perder sua identidade. Soberania não denota um comportamento isolado, embora possa haver fases de independência, de desenvolvimento interno e de busca pela própria identidade, antes de se abrir para a colaboração;


·         Soberania é tanto uma qualidade, quanto um processo de aprendizagem contínua. A capacidade de aprender e de se adaptar vai determinar a sua soberania em um mundo mutante e volátil. Portanto, vai determinar o crescimento de sua eficácia. Uma organização soberana aprende com muitas e variadas fontes, principalmente a partir de sua própria experiência, mas também por meio de suas diversas relações horizontais de aprendizagem. (Guia Pés Descalços)