Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 21 de julho de 2014

Consultorias devem estar inseridas na estratégia de ação da organização

Tenho trabalhado principalmente como consultor nos últimos sete anos, observado algumas situações e feito reflexões que quero compartilhar com vocês, em especial os colegas de profissão e os dirigentes e coordenadores de programas de organizações da sociedade civil.

Consultores são especialistas em determinadas áreas a quem as organizações recorrem em ocasiões em que não têm profissionais da área em sua equipe. Seu trabalho é, por vezes, pontual e em outras periódico. Por ser um especialista em sua área é comum o consultor ser “revestido de uma aura” de quem vai resolver todos os problemas. É claro que ele acumula conhecimentos e experiências capazes de analisar a situação e propor alternativas, mas sua “passagem” é insuficiente para resolver o que quer que seja se não houver disposição e pessoas com qualificação minimamente suficientes para efetivar as suas orientações e dar continuidade ao que começou. Daí a minha pergunta no título.

As consultorias só surtirão algum efeito se estiverem inseridas na estratégia de ação da organização e se ela tiver pessoas dispostas e qualificadas para dar continuidade ao que foi iniciado. A vontade e efetividade de ações por parte dos dirigentes e da equipe são fundamentais para o sucesso do trabalho. Acredito que a organização que “apostar todas as suas fichas” apenas no consultor, será frustrada em suas expectativas. Acredito também que o consultor que ceder à vaidade de assumir esse papel que, muitas vezes, lhe é atribuído, “estará vendendo o que não tem para entregar”.

Fui contratado há alguns anos para acompanhar a execução financeira de alguns projetos em comunidades, fazer um diagnóstico e propor melhorias para um programa de financiamento. Fiz as visitas, executei o trabalho planejado junto com os dirigentes das associações locais, o diagnóstico com base nos documentos disponíveis, nas conversas e atividades realizadas e apresentei algumas propostas para tornar o programa mais eficiente e eficaz: aprimorar a capacitação dos gestores das organizações comunitárias para a gestão dos projetos, monitorar a execução e aprimorar o sistema de controle a partir das prestações de contas apresentadas. Avaliaram que não havia possibilidade de aprimorar os controles por falta de equipe e também não seria possível aprimorar a capacitação e o monitoramento porque implicaria aumento de custos e de trabalho para uma equipe já reduzida diante da demanda.

Em outra ocasião me convidaram para facilitar o processo de planejamento estratégico de uma organização que, na verdade, estava preocupada porque seu único financiador sinalizou com a interrupção do apoio financeiro e queriam encontrar alternativas de financiamento. Propus primeiro fazer um diagnóstico organizacional para que a organização se conhecesse melhor e enxergasse não só a necessidade de recursos financeiros. Durante o processo um dos integrantes da equipe me disse que tinha uma alternativa de trabalho e estava só esperando a minha resposta se a organização tinha condições de continuar atuando ou se deveria ser extinta pelos associados. Respondi a ele que não estava ali para “decretar a morte” da organização. Isso seria uma decisão deles, se avaliassem que era a melhor alternativa. No entanto, se dissessem que tinha alguma chance e que estavam dispostos a encontrar formas de mantê-la eu apoiaria a decisão tomada, por exemplo, facilitando com eles em outro momento um processo de planejamento estratégico. Um consultor subsidia a direção e a equipe, mas não toma decisão por eles.

Já trabalhei para uma organização com consultorias periódicas para as associações comunitárias que ela apoiava. Discutia as demandas com a equipe local e planejava oficinas ou consultorias para capacitação em serviço. Os técnicos de campo eram encarregados das atividades cotidianas de desenvolvimento daquelas organizações, mas não acompanhavam de perto as atividades que eu realizava. Por várias vezes chamei para participarem. Ficavam para uma conversa ou atividade pontual e depois iam cuidar das outras tantas demandas que tinham. O resultado foi a descontinuidade das ações e o pouco aproveitamento das orientações e sugestões dadas. Muitas vezes acabavam dando orientações divergentes.

Isso, aliás, me lembra de outra situação em que me reuni com um grupo de produtores e conversamos sobre a gestão do capital de giro, a organização da produção, a venda e os controles da entrega dos insumos pela associação, a entrega de produtos, a venda e o pagamento aos produtores, além do controle financeiro das atividades do grupo. A atividade demorou algum tempo para se efetivar e, depois de um ano que tinha iniciado, me chamaram para uma nova consultoria. Deparei-me com uma situação em que a entrega dos insumos não foi feita conforme o combinado, de forma que o capital de giro perdeu-se e os controles não estavam sendo feitos adequadamente. As pessoas da equipe que ficaram encarregadas da continuidade das ações não eram preparadas e não estiveram atentas suficientemente ao que estava sendo combinado e orientado na oficina. Questionei porque não me procuraram antes ou porque não tiraram as dúvidas por e-mail ou telefone antes de fazerem “da forma que encontraram no momento”. Durante essa última consultoria, recente, avaliamos a execução feita até ali, identificamos as fragilidades, aprimoramos os controles e pessoas do grupo foram treinadas para utiliza-los. Insisti para que fosse procurado em caso de qualquer dúvida.

 Algumas consultorias que prestei em oficinas ou capacitações em serviço foram bem sucedidas em si. Quer dizer, as pessoas elogiaram, pediram que eu voltasse para continuar, mas não houve impacto no dia-a-dia da organização. Me lembram o ditado: “Se não sabemos onde queremos chegar, qualquer lugar serve.”

Entender uma consultoria como a solução para todos os problemas não é realista. Costumo falar brincando para quem respira aliviado quando eu chego, achando que todos os problemas serão resolvidos, que consultor não resolve nada, não faz nada, consultor dá consulta, sugere alternativas. Qualquer solução ou avanço no trabalho será conseguido por eles. Em uma organização em que trabalhei, que tinha um programa de capacitação de organizações comunitárias e tinha sua atuação baseada na apresentação de demandas, muitas vezes quando a situação já estava crítica, disse em uma reunião de avaliação e planejamento que “não queremos ser pronto socorro, mas médicos de saúde da família. Não queremos apenas eliminar problemas, mas cuidar para que as associações sejam saudáveis e tenham o mínimo de problemas possível.”

Em primeiro lugar, toda organização precisa de um planejamento, bem pensado e pactuado com todos os atores. É fundamental também que tenha os recursos necessários e uma equipe preparada para realizar as atividades e atingir seus objetivos. Consultores são chamados para atividades eventuais dentro do contexto da estratégia organizacional para os quais a equipe não é suficiente e a organização avalia que não é necessário ter um especialista permanente, o que pode ser facilitar processos de planejamento, para avaliar ou aprimorar o trabalho que vem sendo realizado, para agregar novos conhecimentos e técnicas através de cursos ou oficinas.


O trabalho de um consultor não é permanente e não é, necessariamente, contínuo, mas deve com certeza estar inserido no estratégia da organização. Ele deve conhecer o plano a organização, ter claro qual é a necessidade que motiva a sua contratação, dizer claramente qual é a contribuição que pode dar e trabalhar em harmonia com a equipe. Eu costumo também disponibilizar contatos por telefone, e-mail e redes sociais para tirar dúvidas que venham a ocorrer.

domingo, 13 de julho de 2014

A utilidade da gestão financeira e a necessidade de transparência

Nos dias 07 a 10 de julho facilitei uma Oficina de Administração Financeira para 12 dirigentes e lideranças de de 4 organizações indígenas de Oiapoque, no Amapá, a convite do Iepé Instituto de Pesquisa e Formação Indígena. A proposta era aprimorar os controles e gestão financeira de recursos que essas associações estão movimentando, particularmente a contribuição dos associados.

A oficina começou com o relato dos dirigentes sobre os recursos que a associação está recebendo, em que está sendo utilizado e como está sendo controlado. Uma das associações conta principalmente com a contribuição dos associados, feita mensalmente em um valor definido em assembleia; emite recibo, faz relatório financeiro e presta conta. No último ano 90% dos associados pagaram regularmente. Em outro caso, os associados contribuíram durante alguns anos, mas depois a maioria parou de contribuir. A razão apontada foi que os associados acham que o dinheiro é utilizado para despesas pessoais dos dirigentes. O controle e a prestação de contas não eram feitos regularmente. Outra associação não prestou contas de convênios adequadamente, está inadimplente e devendo documentos para órgãos governamentais.

Foi ressaltado que, neste momento em que os financiamentos externos são cada vez mais escassos e que pouquíssimos financiadores aceitam pagar despesas administrativas, é fundamental a associação contar com a contribuição financeira dos associados e com outras formas próprias de captação de recursos para garantir o seu funcionamento básico. Para ter sucesso nisso, é preciso que os administradores sejam transparentes no uso, comprovação e prestação de contas dos recursos recebidos.

Foi demonstrado quais são os comprovantes de despesas válidos contabilmente: nota fiscal para compra de materiais, equipamentos, refeições, etc.; holerite para o pagamento de funcionários com registro em carteira; RPA - Recibo de Pagamento a Autônomo para pagamento de prestadores de serviços; Fatura de água, luz, telefone, internet; o próprio bilhete para passagens de ônibus, barco, avião e recibos de taxi. Os recibos com formulário vendido em papelaria ou outros só são aceitos em casos especiais, quando nenhum dos outros comprovantes é possível como, por exemplo, na compra de alimentos ou prestação de serviços na aldeia. As receitas também devem ser comprovadas com recibos que contenham o valor, tipo de contribuição ou doação, nome e CPF do doador, data e assinatura. Pra melhorar o controle é importante que os recibos sejam numerados. A base para um bom controle financeiro é ter comprovantes adequados.

A contratação de um contador é necessária para fazer a escrituração da movimentação financeira e alterações do patrimônio, enviar as declarações e informações aos órgãos governamentais e orientar os diretores em suas dúvidas e dificuldades para atender às exigências legais.

Foi disponibilizado um modelo de planilha eletrônica para a elaboração de relatórios financeiros. Divididos em grupos, os participantes treinaram a elaboração de Plano de Contas, o lançamento de receitas e despesas e foram informados como fazer e a importância da conciliação bancária. Foi destacado que o relatório financeiro serve não só para o registro da movimentação dos recursos, mas também é uma ferramenta para a gestão. Analisando os dados consolidados no resumo do relatório, os dirigentes podem ter uma visão mais clara sobre a movimentação e tomar providências necessárias para manter a sustentabilidade financeira da associação. Serve também para a análise do Conselho Fiscal e a prestação de contas para os associados.

O Conselho Fiscal deve se reunir regularmente, conforme definido no estatuto, para analisar as contas e emitir seu parecer para a Assembleia Geral. Nela, a diretoria deve apresentar de forma clara os recursos recebidos e em que foram gastos e em seguida, o conselho deve apresentar seu parecer para que a assembleia possa deliberar sobre a aprovação ou não das contas. A importância do Conselho Fiscal não se limita à fiscalização do uso dos recursos. Seu parecer dá legitimidade à prestação de contas apresentada pela diretoria e o controle social que exerce é um fator inibidor de eventuais usos inadequados ou desvio de recursos. Sabendo da efetividade do controle, os administradores tenderão a utilizar corretamente o dinheiro e o patrimônio da associação.


Se o controle financeiro é importante para fazer a gestão dos recursos, a transparência é necessária para que associados e outros doadores se mantenham estimulados a contribuir.