Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sexta-feira, 30 de maio de 2014

Fundo Rotativo Solidário: o "mistério" está na contribuição da comunidade

Através de um amigo que trabalha com agroecologia no Espírito Santo, tomei conhecimento do Fundo Rotativo Solidário, disseminado pela Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB). Como é explicado no Cordel do Fundo Solidário – gerando riquezas e saberes (http://aspta.org.br/2011/07/cordel-do-fundo-solidario/), é uma forma de ajuda mútua que resgata e reforça a cultura de partilha e solidariedade das famílias e comunidades:  Quem nunca dividiu a pouca água de beber, a carne do bode ou do gado abatido com os vizinhos? Quem nunca participou de um mutirão para limpar o barreiro, para limpar a roça, colher ou debulhar cereais? Quem nunca participou de uma farinhada ou de uma pamonhada? Quem nunca pegou ou passou uma receita de planta de remédio? Quem nunca pegou semente emprestada para pagar no final do inverno?

Os fundos rotativos são “uma poupança” comunitária, que pode ser de dinheiro, banco de sementes, animais, mão de obra, que servem para as famílias adquirirem barragens subterrâneas, canteiros econômicos, produzir cercas de tela de arame, plantar campos de palma, reformar suas casas ou até pagar alguma emergência na família. Estima-se que na Paraíba existam mais de 500 fundos rotativos.

Um Fundo Rotativo Solidário é criado por um grupo de pessoas, interessado no autofinanciamento comunitário. Após várias reuniões de mobilização, sensibilização e construção do funcionamento do fundo rotativo, é necessário realizar uma grande assembleia na comunidade com a participação de todos os interessados em integrar o grupo. É nessa assembleia que ocorrerá o nascimento do fundo e será estabelecida a livre adesão das famílias. Portanto, é nesse momento que será registrada em ata a constituição da poupança comunitária que irá atender os diferentes interesses de seus beneficiários. É feita uma ata e elaborado um regimento interno. Novos participantes poderão aderir, assinando um Termo de Adesão ao Fundo Rotativo Solidário.

Há muitas modalidades diferentes de Fundo Rotativo Solidário, definidas de acordo com os interesses e necessidades das comunidades que os criam. No entanto, a participação e contribuição de todos os associados e a transparência na gestão dos recursos são requisitos fundamentais para todos eles.

O autofinanciamento comunitário se dá de forma muito simples e criativa, como por exemplo, com as contribuições financeiras dos participantes são compradas algumas ovelhas, que serão distribuídas para famílias determinadas pelo grupo. A cada ano a família beneficiada repassa duas ovelhas para outra família, até completar o número de animais que recebeu. Uma família que recebeu arame para fazer cerca de tela, devolverá em arame ou em dinheiro. Alguns aceitam como devolução dias de trabalho, organizando assim um banco de horas de trabalho em benefício da comunidade. A criação de canteiros econômicos pode ser paga em sementes produzidas no próprio canteiro, gerando assim um banco de sementes para beneficiar outras famílias. Esses são alguns dos inúmeros exemplos praticados.

Segundo um dos participantes desses fundos:


O mistério está na contribuição da comunidade. Com o dinheiro do fundo rotativo solidário, nós compramos uma galinha, compramos um bode, compramos até um cachorro se a gente quiser. É um dinheiro livre! A gente não é cativo, a gente não é sujeito. Não estamos sujeitos nem ao banco nem a ninguém. Estamos suando e contribuindo. Estamos trocando e, nessa troca, todo mundo que está nesse movimento está sendo beneficiado. É assim que eu brinco que um benefício pare o outro e a gente nem fica sabendo quem é a mãe.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Projeto não é para comprar coisas. É para resolver problemas.

Nos dias 16 a 22 de maio facilitei o primeiro módulo da Oficina de Elaboração de Projetos para lideranças de associações indígenas do Parque Indígena Xingu, no Mato Grosso. Participaram 27 pessoas de 7 associações.

Aos participantes com uma forte expectativa em começar logo a escrever um projeto para viabilizarem benefícios para suas aldeias, foi explicado que projeto não é para comprar coisas, mas para resolver problemas. Por isso, antes de qualquer coisa é preciso saber qual problema se quer resolver.

Um diagnóstico é o que se faz para levantar com a comunidade quais são os seus principais problemas e estabelecer prioridades. Foi ressaltado que um diagnóstico deve ser feito com a participação da comunidade, que é quem mais sabe sobre seus próprios problemas. A participação do maior número possível de pessoas desde o levantamento e discussão dos problemas é a melhor forma de estimular para participarem também das ações para a solução.

Foram apresentadas e exercitadas algumas metodologias de Diagnóstico Rápido Participativo, como a Chuva de Ideias, Entrevistas Semi Estruturadas, Mapeamento Participativo, Calendário Sazonal, Perfil Histórico, Caminhada Transversal.

Os participantes se organizaram em grupos por associação e começaram definindo entre eles um problema grave de sua área de atuação para utilizarem como exemplo. Todas as “ferramentas de diagnótico” foram realizadas em cima desse problemas, destacando que elas se complementam para pripiciar um conhecimento mais aprofundado do problema:

·         A Chuva de Ideias é uma boa forma de levantar os problemas mais sentidos pela comunidade;

·         A Entrevista Semi Estruturada é uma forma simples para começar a conhecer as causas e consequências daquele problema;

·         O Perfil Histórico e uma boa ferramenta para ser utilizada quando o problema em questão tem uma evolução no tempo. Com ele podemos conhecer melhor e localizar no tempo como essa evolução se deu;

·         O Calendário Sazonal ajuda a ter uma visualização mais rápida das épocas do ano em que determinados problemas ficam mais intensos, para organizar a produção, organizar diferentes atividades que tem relação com as estações do ano;

·         O Mapeamento Participativo ajuda a visualizar no espaço a ocupação do território, áreas mais vulneráveis de invasão, locais de terras férteis, disponibilidade de peixes e caça, etc.

·         A Caminhada Transversal é importante quando é preciso ir ao local para verificar informações que não ficaram claras de outra forma.

Nem sempre é necessário e adequado utilizar todas essas metodologias. Elas devem ser vistas como “ferramentas em uma caixa”, que são utilizadas de acordo com a necessidade. O diagnóstico é um processo no qual vamos lançando mão de novas metodologias de acordo com a necessidade de obter mais informações.

Conhecer bem o problema é fundamental para encontrarmos a solução mais adequada.

No planejamento, que também deve ser participativo, o problema levantado é transformado em objetivo geral e suas causas em objetivos específicos. As consequências do problema, os efeitos sentidos, são transformados em resultados esperados. Completam o planejamento as atividades a serem realizadas, os recursos necessários, responsável, prazo e parceiros.


Voltando para suas aldeias, ficaram encarregados de fazer o diagnóstico e planejamento e levar o resultado para o próximo módulo, que terá como foco a elaboração de projetos. Vão exercitar elaborar um projeto para conseguir financiamento para executar o que foi planejado em suas bases. Serão apresentados alguns editais de projetos para que possam de fato viabilizar o financiamento.


terça-feira, 13 de maio de 2014

A importância do financiamento de pequenas iniciativas comunitárias

Nos dias 22 de abril a 01 de maio, estive em Aracruz, no Espírito Santo, realizando oficinas em aldeias Tupinikim e Guarani para elaboração de projetos para serem encaminhados ao Fundo de Apoio para Iniciativas Comunitárias Indígenas – FAICI, convidado pela Kambôas Socioambiental, que gere o fundo em parceria com a Fibria Celulose S/A.

O fundo, recém criado e em sua primeira chamada de projetos, financia projetos individuais, de famílias, grupos ou associações no valor de até R$ 5 mil, nas áreas de geração de trabalho e renda, subsistência, cultura e esportes.

Depois de participarem de reuniões de divulgação do edital, várias pessoas já chegavam com uma ideia ou mesmo propostas sendo elaboradas. Outros, acostumados a ouvir falar em grandes valores, de projetos ou indenizações, reagiam de imediato dizendo que o valor era insignificante. Alguns começaram a repensar quando foram informados que várias pessoas estavam procurando ajuda para elaborar projetos para coisa pequenas, mas muito importantes para elas.

As propostas eram bastante diversificadas, como reflexo da situação particular daqueles povos indígenas com fortes ligações com a cidade próxima e aldeias nas margens ou próximas de estradas. Iam desde atividades tradicionais como reflorestar a área com frutíferas, fazer casa de farinha até abrir copiadora, lanchonete ou lava carro.

Uma família, que cria perus e galinhas soltos na aldeia, tem tido problemas de carros que atropelam as aves, cachorros que matam ou mesmo os bichos criando problemas com os vizinhos. Querem fazer um cercado de tamanho suficiente para continuarem ciscando e uma área coberta para passarem a noite, botarem e chocarem os ovos. Eles já criam há vários anos e possuem 17 perus, 40 galinhas e outro tanto de pintinhos. Acreditam que sem a perda de animais que tem hoje, a criação vai aumentar.

Outro tem uma pequena oficina de bicicletas e precisa de alguns equipamentos e peças para continuar seu negócio.

Um produtor de mandioca não tem como fazer farinha, porque só tem uma casa de farinha na aldeia, com muitas famílias, e tem vendido sua produção à meia para outra pessoa. Com uma casa de farinha poderá fazer sua própria produção.

Uma aldeia Guarani decidiu fazer um projeto coletivo para a construção de uma Casa de Reza, local tradicional de nomeação das crianças, rituais tradicionais e reuniões. O pequeno valor será suficiente porque a mão de obra e boa parte do material será contrapartida da comunidade.
E por aí se multiplicam as iniciativas comunitárias que poderão ser apoiadas pelo FAICI.
Há muitas experiências de financiamento ou autofinanciamento de pequenos projetos espalhadas pelo Brasil, assim como também programas de micro-crédito bem sucedidas, que acabam provocando um impacto significativo na vida de muitas pessoas. Por outro lado, vemos muitos projetos grandiosos e indenizações milionárias naufragarem, principalmente quando são impostos às comunidades.


É  muito importante estimular a criatividade e a capacidade produtiva das próprias comunidades. Projetos maiores e indenizações bem geridas não devem ser descartadas, mas acredito que experiências como esta devem ser estimuladas e multiplicadas pelo grande resultado que geralmente dão.