Muitas organizações sociais têm se dado o benefício
de um planejamento estratégico, assim como muitas outras têm perdido essa
oportunidade de aprendizado sobre si mesmas e sobre a realidade em que atuam.
Para que seja bem feito é preciso que seja investido o tempo necessário para
amadurecer reflexões e tomadas de decisão e, para que seja realmente
proveitoso, deve contar com a participação do máximo possível de pessoas da
organização, no momento em que sentem a necessidade de pensar o seu futuro.
Nas oportunidades que tenho tido de facilitar esse
processo, para ajudar a pensar na organização para além de suas ações e
projetos, refletimos sobre os “quatro campos essenciais” de uma organização
social, apresentados por Antonio Luiz de Paula e Silva, no livro Utilizando o
Planejamento como Ferramenta de Aprendizagem, publicado pela Editora Global e o
Instituto Fonte, em 2000. Como o autor não só apoia, mas estimula adaptações,
algumas foram feitas, sendo fundamental a base dada por ele.
Inseridos na figura dinâmica de um trevo de quatro
folhas, o primeiro campo é a sociedade. Uma organização social
existe para tratar de problemas da sociedade, antecipar problemas, preparar e
conduzir para um novo patamar de vida e convivência construindo uma nova
sociedade. Os serviços são o que a organização escolheu o que fazer
entre as necessidades que identificou. Uma ação social só é efetiva quando une
ação à necessidade. Esses serviços estão representados em seus programas,
projetos e atividades. O trabalho de uma organização social deve gerar
resultados, impactos, na sociedade. Os recursos são a base
para que a organização possa atuar na sociedade e alcançar os objetivos a que
se propõe com os serviços que presta. É preciso que a organização seja realista
ao definir suas metas, levando em conta os recursos que tem disponível e que pode
vir a conseguir. As pessoas constituem o campo mais sensível e
estratégico para uma organização, porque é nelas que estão a criatividade, o
potencial, os talentos, a experiência, os conhecimentos de uma organização.
Estão também os conflitos, as relações, as amizades, a equipe, a liderança, as
vaidades pessoais, a disputa pelo poder. É através das pessoas que a
organização cresce, se transforma. É através das pessoas que ocorre o seu
aprendizado. O desenvolvimento da organização guarda estreita relação com o desenvolvimento
das pessoas que fazem parte dela.
A dinâmica dos 4 campos no trevo se expressa pelas
suas relações, já que não estão separados uns dos outros, mas se influenciam
mutuamente. Essas influências e movimentos constantes são vitais para a organização.
Sem isso a organização ficará fragmentada ou estática. É preciso manter o todo
equilibrado e harmonioso.
A relação entre serviços e sociedade dá o direcionamento para
a organização: define a sua direção, papel, estratégia e foco. Contribui para a
definição da missão, vocação, valores e princípios. A capacidade de
ação é definida pela relação entre recursos e pessoas. Se a relação entre a
sociedade e os serviços prestados define a missão e a vocação da organização,
as pessoas e os recursos dão as condições necessárias para isso. Serviços e
pessoas definem a qualidade dos serviços que são prestados. Os
talentos e capacidades das pessoas e a forma como os serviços estão organizados
potencializam um ao outro. A motivação é definida pela relação
entre pessoas e sociedade. Ela é muito importante como força propulsora.
Precisa ser reconhecida, respeitada e nutrida. Mobiliza criatividade e vontade
para inovar, enfrentar situações difíceis, superar crises. A relação entre
recursos e serviços define a viabilidade. É preciso haver uma
adequação entre os serviços que se quer prestar e os recursos que se tem:
analisar o que é possível fazer com o que está disponível e o quanto poderá
ainda ser disponibilizado. A sustentabilidade é alcançada na
relação entre sociedade e recursos. Organizações da sociedade civil se mantêm
com repasses de recursos pelo governo através de parcerias, comercialização de
produtos ou serviços, doações de pessoas físicas e jurídicas. Pessoas e
financiadores doam porque querem contribuir com aquelas mudanças na sociedade,
mas não querem ou não podem atuar diretamente. Doadores querem ver resultados,
mudanças, melhoria na sociedade. É fundamental que a organização divulgue para
seus doadores e para a sociedade em geral o que tem feito e os resultados que
tem alcançado. Assim poderá manter os atuais doadores e atrair outros.
A legitimidade, dada pelo conjunto das
relações entre os quatro campos, é o reconhecimento da organização e da
importância do seu trabalho pelos financiadores, associados, funcionários,
público alvo e a sociedade em geral. É conseguida através dos resultados
alcançados com suas ações, do uso eficiente dos recursos, da transparência na
prestação de contas das atividades realizadas, dos resultados alcançados e da
utilização dos recursos. Um planejamento
estratégico tem como objetivo traçar os caminhos para a associação alcançar a sua legitimidade e este éo desafio que se tem pela frente.
O passo seguinte tem sido definir a visão de mundo,
um marco referencial da questão social tratada pela associação; os agentes e
modelos sociais, econômicos e políticos responsáveis por essa situação
problema; a situação alternativa que a organização propõe; os mecanismos ou
ideias para viabiliza-la e os fatores internos e externos que contribuem e que
dificultam viabilizar a proposta da organização. Inicialmente os participantes podem
se dividiram em grupos para um olhar específico na realidade que vivenciam em
cada região de atuação para, em seguida o texto ser sistematizado e
complementado pelo grupo como um todo, aproveitando os diferentes olhares.
Em sua atuação, a organização convive com
diferentes fatores, internos e externos, que contribuem ou dificultam o
cumprimento de sua missão. É bastante útil que as fortalezas, oportunidades,
fraquezas e ameaças sejam identificadas e sistematizadas em uma matriz FOFA.
Esta compreensão mais clara sobre a realidade é uma
base importante para a definição da missão, visão, vocação e foco da
organização, de forma coletiva e pactuada pelo grupo. Da mesma forma, os
valores, princípios e políticas, assim como o público alvo.
A identificação dos parceiros, clarificando a
situação atual em que se encontra a parceria e as ações possíveis de serem
realizadas em conjunto é muito importante para ter maior definição de com quem
a organização pode contar e para que. O Diagrama de Venn ajuda a dimensionar e
posicionar cada um na vida da organização.
É comum, em vários momentos deste processo, os
participantes verificarem que cada vez fica mais clara a identidade da
associação, como uma imagem que vai aos poucos ficando mais nítida, mais
definida. Muitas vezes, dizem também que nada disso é novidade, que sempre
esteve na cabeça de cada um e que agora estão pactuando em grupo e “colocando
no papel”. Me deixa bastante contente entenderem o meu papel como facilitador:
conduzir metodologicamente o processo de reflexão e tomada de decisão deles e
não “inventar uma nova roda”.
O mesmo deve acontecer com a estrutura
organizacional, partindo inicialmente do que já existe para depois se fazer as
alterações necessárias para atender às necessidades reais. Também é
esclarecedor “colocar no papel” quais são os programas, projetos e áreas de gestão,
definindo as atribuições de cada uma. A elaboração de um organograma, incluindo
também os órgãos deliberativos e executivos, facilita a visualização da
estrutura da organização e as relações entre as diversas instâncias.
Antes de iniciar a definição dos objetivos e metas
é importante pactuar o horizonte de tempo do Plano Estratégico. Para tomar esta
decisão deve ser levado em conta qual período pode ser planejado com realismo.
Quanto tempo à frente a organização consegue se pensar. Principalmente para
organizações iniciantes, ou que planejam pela primeira vez, é bem plausível um
período de médio prazo de cinco anos e um ano de curto prazo. Este último pode
ser detalhado em uma Matriz de Planejamento, que inclua as atividades, prazos,
recursos, responsáveis e parceiros.
Sendo um processo, o planejamento estratégico não
pode ser feito com pressa e, em geral, deve prever mais de um momento de
encontro e trabalho do grupo como um todo, dando o tempo necessário também para
amadurecer ideias e propostas entre grupos específicos de programas ou áreas
internas.
O Plano Estratégico deve ser validado pelo grupo
antes de dar por encerrado este processo inicial. Sim, inicial, porque não é
definitivo. Deve ser revisto e revisado sempre que a organização julgar
necessário.