Em julho de 2014 afirmei em uma das
postagens que “As
consultorias devem estar inseridas na estratégia de ação da organização” que
a contrata e agora quero acrescentar um elemento muito importante: as consultorias
precisam também estar inseridas no contexto da comunidade onde as ações são
realizadas. Isso não depende só do consultor, mas também da forma como a
organização que trabalha com aquela comunidade atua, como se relaciona com ela.
Acredito que não precisaria nem
lembrar que a posição de quem chega na comunidade como quem tem as soluções e
vai salvá-los de alguma coisa, está completamente fora de questão. Toda
comunidade tem uma história, tem saberes, tem desenvolvido atividades
econômicas, culturais e outras que a fizeram ser o que são hoje, inclusive com
seus problemas, fragilidades a serem superadas e desafios a serem enfrentados.
Primeiro é fundamental ouvir muito para conhecer esse contexto para depois
começar a pensar em que a organização para a qual trabalhamos pode contribuir
no enfrentamento dos seus desafios, superando as suas
fragilidades para resolver ou diminuir seus problemas e melhorar a vida
coletivamente.
Isso leva tempo? Claro que leva! Uma
organização não pode chegar de repente e nem ir embora de repente. As
comunidades não funcionam “por produto”. É preciso ter uma proposta de médio,
ou melhor ainda, de longo prazo. É preciso ter tempo para estabelecer uma
relação de confiança com as lideranças e demais pessoas da comunidade, mostrando
que o que se tem para oferecer não é uma atividade pontual que a organização
precisa mais da comunidade para executar seus projetos do que a comunidade tem
necessidade de receber. Muitas vezes até aceitam isso, por não terem uma
alternativa melhor e acreditarem que “alguma coisa é melhor do que nada”, mas
isso tem mais a ver com dependência do que com empoderamento e desenvolvimento
comunitário.
Esse acúmulo de relações e
conhecimentos da organização contratante é fundamental para o sucesso do
trabalho. Um consultor é um especialista na sua área, mas conhece pouco ou nada
sobre aquela comunidade e precisa aprender para inserir corretamente suas
contribuições naquele contexto.
Também é preciso ter paciência,
disponibilidade e postura para ouvir quando se trata da identificação de
problemas, levantamento de demandas e escolha das alternativas. Então os
técnicos da organização e o consultor não têm nada a dizer, já que o verdadeiro
saber é o da comunidade? Não, eles têm muito a contribuir quando utilizam seus
conhecimentos e técnicas para facilitar esse processo. São muitas as dinâmicas
e técnicas de facilitação que nem sempre as comunidades têm acesso ou sabem
como utilizar adequadamente. Os técnicos e o consultor, trabalhando juntos,
também podem oferecer diferentes alternativas, expor de forma clara e simples
as vantagens e desvantagens de cada uma para que a comunidade possa decidir de
forma qualificada.
Também no planejamento e execução das
atividades a serem realizadas não se pode deixar de lado os conhecimentos,
científicos em muitos casos, apesar de não reconhecidos pela academia, desenvolvidos
historicamente pelas comunidades. E os técnicos? Ah, eles podem contribuir, e
muito, com novas técnicas para enfrentar novos desafios. Esses técnicos, além
de desenvolverem as atividades com competência, devem ter a sensibilidade e metodologia
necessárias para também transmitir seus conhecimentos e habilidades, para que depois de um
período necessário de aprendizado, possam continuar por si próprios.
Desenvolvimento comunitário ou de suas
organizações não pode prescindir disso.
Não estou deixando de considerar que
os prazos e as condições possíveis para a elaboração dos projetos que vão
viabilizar financeiramente essas atividades são, em geral, muito menores do que
o tempo necessário para amadurecer as propostas e os processos nas comunidades, nem que os recursos disponíveis são, muitas vezes, menores que
o necessário. Os financiadores não teriam também o que aprender? Os recursos dispendidos
nas últimas décadas no Brasil, por financiadores nacionais e internacionais,
têm tido o seu correspondente resultado e impacto? Se não estão, não cabe também aos financiadores reverem seus critérios e estratégias? Os financiamentos também
devem estar inseridos no contexto comunitário e de organizações que realmente
atuam para o desenvolvimento comunitário e de suas organizações para a
conquista do bem viver.
Tem ainda uma última questão: se as
comunidades serão empoderadas e ganharão autonomia, o que as organizações e
consultores vão fazer depois? Depende do que elas vão precisar para se
desenvolver mais e do que as organizações e consultores estiverem preparados
para oferecer. Talvez nem precisem de nada, pelo menos por um tempo. Tenho três
filhos, hoje entre 22 e 26 anos, cada vez mais adultos, empoderados e autônomos.
Não vou negar que tenho uma certa nostalgia de quando precisavam mais de mim,
mas também é evidente o meu orgulho de ter contribuído para que eles sejam o
que são hoje. É verdadeiro o ditado popular de que “criamos os filhos para o
mundo”. Tenho precisado me reinventar como pai em diferentes momentos o que, admito, não é nada fácil.