Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 30 de março de 2015

Acreditar e inovar é preciso para obtermos resultados

O que diríamos de um padeiro que não consegue fazer pão, de um agricultor que não consegue produzir, de um advogado que não consegue ganhar uma causa? E de projetos sociais que se sucedem durante anos e anos sem provocar mudanças?

Acredito que todos nós conhecemos vários casos de organizações que elaboram projetos de acordo com editais disponíveis, mas nem sempre em acordo com a suas verdadeiras aspirações, seu planejamento, prioridades estabelecidas dentro de uma estratégia de ação. Assim, realizam atividades, envolvem recursos e pessoas e não atingem resultados ou atingem resultados muito aquém do esperado. Certa vez conversando com dirigentes de uma organização que, entre outras coisas, apoia o desenvolvimento de organizações comunitárias, me perguntaram sobre a adequação de seu trabalho. Respondi que eles já atuavam naquelas regiões há 10 anos, quais as mudanças que haviam provocado na vida daquelas pessoas? Dez anos é um bom período para termos pelo menos alguns resultados concretos. Me responderam que nenhuma mudança. Então está na hora de rever as estratégias adotadas, não é?

Observo, com espanto, que um número significativo de pessoas e organizações nem ao menos acreditam na possibilidade de mudança através de sua atuação, apesar disso estar bem presente no discurso.  Por que continuam, então? Não seria melhor se dedicarem a algo em que pudessem ser realmente produtivos? Aprendi ainda na adolescência que a condição para convencermos alguém é estarmos nós mesmos convencidos e mostrar essa certeza na nossa expressão e no que falamos. Será que é por isso que se consegue tão pouco resultado em relação ao que é investido? Em outra ocasião perguntei para coordenadores de programa de uma organização se eles realmente acreditavam ser possível alcançar os resultados propostos em um projeto. Um olhou para o outro e me responderam: “Mas você pergunta cada coisa, né?” Estava respondido. Era apenas uma ideia bonita para convencer o financiador e é claro que não deu os resultados esperados.

Acredito que as agências financiadoras, nacionais e internacionais fariam um grande bem para as organizações do Terceiro Setor e, principalmente, para as comunidades e causas atendidas ou defendidas por elas, se dessem maior atenção para os resultados alcançados com os projetos financiados por elas. A realização de atividades, por si só, não é o bastante. “Cumprir tabela” não é tão difícil assim. Agora, atingir os objetivos e provocar impacto...

Também tem a questão da inovação. Se estratégias até então utilizadas não se mostraram eficazes, não será necessário sermos inovadores e mais ousados? Exigimos novas tecnologias em aparelhos eletrônicos, novos sabores na culinária, novos modelos e cores para as roupas... Porque nos projetos nos contentamos em oferecer sempre o mesmo? É impressionante o peso de cursos, reuniões e publicações nos projetos. Não que não sejam importantes, mas será que tudo se resolve assim, com palavras faladas ou escritas? Em uma reunião de equipe que atuava com desenvolvimento comunitário, regularização fundiária, cadeias produtivas, propus o desafio de ficarmos um ou dois anos sem fazer encontros, cursos e publicações. No final da reunião a coordenadora local comentou: “Bom, já que vamos ficar dois anos sem trabalhar...” Não foi isso que eu propus. "A minha proposta foi pararmos de fazer sempre as mesmas coisas. Vamos deixar de trazer as lideranças para a cidade e vamos nós para as comunidades e não vai ser só para sentar e conversar. Vamos adotar outras estratégias que vamos definir juntos. Vamos reinventar o nosso trabalho." 

Esse “vício” passa para as comunidades e associações atendidas por essas organizações. Em um um curso de gestores de projetos para lideranças comunitárias, percebi que todos os projetos elaborados estavam baseados principalmente nisso. Até para combater o garimpo ilegal, diminuir a desnutrição infantil era só o trinômio capacitação-reunião-publicação e brinquei com eles: “Vocês estão com síndrome de Deus. Segundo a Bíblia, Deus criou o universo só falando: faça-se isso e acontecia; faça-se aquilo e acontecia. Pensam que a gente também, é só falar que tudo acontece? Reunião é boa para combinar o que vai ser feito. Depois temos que fazer. Curso é para a gente adquirir um conhecimento que estamos precisando, depois temos que usar esses novos conhecimentos.” Depois a coordenadora do curso comentou comigo: "É verdade, a gente só faz reuniões. Será que é por isso que as coisas não mudam?"

 É verdade que novas tecnologias sociais também são criadas, mas muitas inovam mais na forma que no conteúdo e no alcance de resultados. As inovações de fato são poucas. Consequência disso, a meu ver, é alcançarmos poucas mudanças em comparação com o volume de organizações, pessoas e recursos envolvidos.


Não chegaremos a novos destinos trilhando os caminhos que já foram trilhados antes. Gosto da inspiração inovadora de Lulu Santos: "Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia"!!

segunda-feira, 23 de março de 2015

Como fundar uma associação - Parte III

Nos dias 16 a 21 de março foi dado prosseguimento ao processo de fundação das associações dos povos indígenas Apiaká e Munduruku da região do Baixo Rio Teles Pires, no norte do Mato Grosso e Sul do Pará. Digo que foi um processo porque, além dos anos em que eles tem conversado sobre a importância de terem a sua organização formal, desde dezembro de 2014 estamos conversando sobre isso, conforme já relatado nas postagens “Como fundar uma associação – Partes I e II”

A proposta de Estatuto foi elaborada em conjunto com um grupo de lideranças, a partir de um modelo, que foi discutido artigo por artigo para respeitar a vontade, particularidades culturais e sociais de cada povo, aproveitando a reflexão feita anteriormente em uma oficina sobre associativismo sobre os objetivos e estrutura administrativa.

Na Aldeia Mayrowi, do povo Apiaká, a mobilização da comunidade para a Assembleia de Fundação e Eleição da Diretoria, foi reforçada com a ida de casa em casa dos caciques para entregar um convite e estimular a ida para a assembleia “para que essa criança que está para nascer, nasça e cresça forte, com bastante gente trabalhando junto”, como dizia um dos caciques, lembrando a metáfora utilizada nas oficinas. O tempo disponível entre a elaboração da proposta de Estatuto e a realização da Assembleia foi aproveitado também para combinar com o diretor e professores da escola indígena para prepararem com grupos de alunos a apresentação de danças e cantos tradicionais. Os convites pessoais, a mobilização de crianças e jovens para as danças, o que incluiu se pintarem com jenipapo e se vestirem tradicionalmente, foram ajudando a animar e mobilizar a aldeia.

A Aldeia Teles Pires, juntamente com as aldeias próximas, estava bem mobilizada. Sugerimos a apresentação de danças tradicionais na abertura e encerramento da assembleia, que foi aceita. Ensaiaram na noite anterior.


Nas duas aldeias, elaboramos a pauta junto com algumas lideranças e definimos quem conduziria cada um dos itens. A abertura ficou a cargo dos caciques. A apresentação e discussão da proposta do estatuto ficou com o presidente da assembleia, que foi escolhido pelos presentes no início, juntamente com o secretário. Como disse um deles, quando me ofereci para essa tarefa, se precisassem: “Nós podemos apresentar e explicar. Nós participamos da elaboração da proposta e sabemos explicar.” A eleição da diretoria (definida no estatuto como coordenação) e dos conselhos foi conduzida também pelo presidente da assembleia, cada um da maneira que julgaram mais conveniente: na Aldeia Mayrowi já tinham conversado e definido uma chapa, que foi eleita por aclamação; na Aldeia Teles Pires preferiram a apresentação de candidatos e a eleição secreta cargo a cargo. O encerramento foi feito pelo Coodenador Administrativo (representante legal) eleito.

A proposta de estatuto foi apresentada e discutida artigo por artigo. No caso dos Munduruku, que principalmente os mais velhos não entendem ou entendem pouco a língua portuguesa, a presidente da assembleia lia o artigo em português e um jovem traduzia e explicava na língua Munduruku. A minha intervenção se deu apenas a pedido deles quando não entendiam bem uma palavra ou um artigo de conteúdo mais jurídico, de difícil compreensão para eles.

Na Aldeia Mayrowi participaram da assembleia 48 pessoas. Delas 41 assinaram a lista de presença, tornando-se assim associados fundadores. Na Aldeia Teles Pires participaram cerca de 150 pessoas e 118 se associaram como fundadores.


Vejo como bem expressiva do resultado desse processo e da consequente apropriação por eles da fundação de sua associação, a fala de uma liderança no final de uma das assembleias: “Essa associação não veio de fora. Não foi o José que trouxe a associação para a aldeia. Essa é a associação que queremos criar há bastante tempo. Nós discutimos cada artigo do estatuto, para elaborar a proposta e aqui na assembleia e ele ficou do jeito que achamos melhor. O consultor só nos ajudou e orientou no que precisamos. Essa é a nossa associação.”