Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Devemos nos ocupar com a burocracia? "A César o que é de César"

Há anos, quando comecei a dar aulas, inseguro com o preenchimento dos diários de classe, fazia todas as anotações a lápis. Quando estava terminando o bimestre, passei um fim de semana inteiro passando a caneta nas anotações de conteúdo, nas presenças e faltas e nas notas dos alunos, com caneta azul ou vermelha conforme o caso, além de apagar o que havia escrito antes a lápis e fazer traços com régua para inutilizar os espaços em branco.
Fiquei bastante incomodado em gastar tanto tempo com esse trabalho burocrático, que não tinha nada a ver diretamente com a minha atuação em sala de aula, de ensino e aprendizagem, mas não poderia dizer para a secretária ou para a diretora da escola que não tinha que gastar tempo com isso. “Fazia parte do pacote.”

Aprendi ali duas lições. A primeira é que não adianta se revoltar contra a burocracia nem discutir com os burocratas. É uma tarefa inglória. A segunda é que essas tarefas burocráticas, sendo inevitáveis, devem ser feitas “da forma mais rápida e ‘indolor’ possível” para depois nos dedicarmos ao nosso objetivo principal. Dali em diante passei a incorporar essas tarefas no dia a dia: ao iniciar cada aula anotava as presenças e ausências e o conteúdo já a caneta e quando devolvia as avaliações registrava as notas com as devidas cores. O fechamento dos diários no final do semestre ficou bem menos trabalhoso.

As associações, sendo elas comunitárias ou não, também têm sua carga burocrática: elaboração e registro em cartório de estatuto e atas, cadastro em órgãos governamentais como Secretaria da Receita Federal, INSS e Caixa Econômica Federal, entrega periódica de declarações e informações a esses órgãos, escrituração fiscal, balanço patrimonial. Já ouvi bastante a reclamação de dirigentes de associações e técnicos de organizações que os apoiam contra o que avaliam ser um excesso. Argumentam que “é um absurdo” esperar que lideranças comunitárias tenham conhecimento técnico e outras condições necessárias para atender a todas essas exigências, além de todas as outras atribuições que têm. Também sou da opinião de que não têm condições e nem devem se ocupar diretamente com isso. Esse trabalho deve ser feito por um contador, que é o profissional adequado, o que pode ser feito a um custo acessível para as associações, de meio salário mínimo ou menos por mês, quando o movimento financeiro é pequeno. No entanto, o trabalho do contador deve ser supervisionado pela diretoria.

Não vou entrar no mérito da questão se a burocracia poderia ou deveria ser menor. Acredito que é uma boa discussão para ser levada ao palco da reforma tributária, tão necessária e aguardada pelo país. Agora, enquanto a legislação não for mudada, não é aconselhável fechar os olhos para ela. Ressalto, em especial aos técnicos de ONGs e órgãos governamentais, que dizer para os dirigentes de associações que “é só burocracia, não precisa dar bola para isso” não ajuda em nada para o desenvolvimento das associações. Pelo contrário, só as coloca em risco. Seria bem-vindo também que profissionais de contabilidade não se propusessem, mesmo que voluntariamente, a fazer apenas declarações de imposto de renda e, principalmente, fazê-las como se a associação estivesse inativa ou sem movimento dando a ilusão de que todas as obrigações estão sendo cumpridas. Tem sido frequente dirigentes de associação pensarem que a organização está “em dia”, até ser pedido um demonstrativo contábil ou tentarem tirar as certidões negativas de débito. Contratos e projetos podem ser perdidos pelo fato de ser descoberto tarde demais que há obrigações não cumpridas.

E não são só as exigências legais e tributárias. Também faz parte da dimensão gerencial das associações a elaboração, negociação e gestão de projetos, a gestão dos empreendimentos comunitários, a negociação com compradores, os procedimentos de compra, a elaboração de relatórios financeiros, o recebimento e envio de correspondências, o arquivo de documentos, reuniões com a equipe técnica e administrativa, com os conselhos, e por aí vai...

Entendo que as associações têm três dimensões fundamentais:

1. Comunitária: a associação é uma organização da comunidade, foi fundada porque a comunidade precisava dessa ferramenta para algumas de suas demandas. A associação precisa da organização comunitária para manter sua capacidade de atuação. Conversar com os velhos, descobrir e valorizar talentos, organizar grupos de trabalho, fazer diagnóstico e planejamento, monitorar e avaliar juntos, atingir os objetivos a que se propôs é o que vai manter e fortalecer a razão da sua existência. É na comunidade que está a sua missão.

2. Política: Fortalecer a articulação e a mobilização da comunidade, lutar por seus direitos, reivindicar e participar do controle social de políticas públicas, fortalecer a sua articulação com organizações similares, contribuindo para o movimento regional, nacional ou internacional é contribuir para a construção de uma cidadania efetiva.

3. Gerencial: Exigências legais cumpridas, procedimentos administrativos bem definidos, as boas práticas de gestão incorporadas e as rotinas administrativas e burocráticas fazendo parte do dia a dia da associação. Não deixando acumular e tornando-as rotineiras, essas tarefas exigirão menos tempo e esforço de uma só vez. Se associação é ferramenta de trabalho, é preciso que esteja “bem afiada e funcionando bem” para que possa nos servir para o trabalho que necessitamos fazer.


Nota: Esta é a 100ª postagem do nosso blog, com mais de 18.000 visualizações, a partir de 74 países. Parabéns e obrigado a todos que têm colaborado, lido, comentado e divulgado. Vamos continuar democratizando conhecimentos sobre o desenvolvimento de associações.

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