Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Desenvolvimento Organizacional da Associação Indígena Kayabi

Nos dias 03 a 06 de fevereiro trabalhei em Alta Floresta-MT com diretores e lideranças da Associação Indígena Kawaip Kayabi – AIKK, na elaboração de um Diagnóstico Organizacional, leitura e entendimento do Estatuto e elaboração de uma proposta de reforma do mesmo.

Lembro que esta atividade faz parte de um programa e anteriormente fizemos na Aldeia Kururuzinho duas oficinas sobre o papel e importância e aspectos legais e gerenciais das associações. Depois da visão geral que essas oficinas puderam oferecer, o passo seguinte foi avaliar a situação atual da associação em seus diversos aspectos, Regularidade Legal, Regularidade Fiscal e Trabalhista, Organização Administrativa e Financeira, Participação da Comunidade, Projetos, parcerias e outras formas de captação de recursos, Outras atividades analisando documentos, sites de órgãos governamentais como Receita Federal, INSS e Caixa Econômica Federal e conversando com os diretores e lideranças.

Nesta mesma atividade nos propusemos a tomar as providências necessárias para a regularização da documentação da associação. Outras fragilidades encontradas serão objeto do trabalho em outras atividades do programa.

Não foi possível emitir as Certidões Negativas de Débito por falta de informações que deveriam ter sido enviadas àqueles órgãos. Na Caixa Econômica Federal não havia cadastro da associação. Relataram que não julgaram necessário, uma vez que a associação não tem funcionários. Foi ponderado que as certidões serão necessárias para contratos e convênios com órgãos do governo, que oferecem oportunidade de financiamento de projetos e comercialização de produtos, em especial da agricultura familiar. Não ter esses documentos em dia pode inviabilizar contratos, uma vez que os prazos são em geral curtos, não sendo possível regularizar a documentação assim que a situação se apresenta. É melhor que as certidões possam ser emitidas imediatamente, pela internet, sempre que a associação precisar.

As certidões da Receita Federal e do INSS são agora emitidas de forma conjunta. Acompanhei o presidente e o tesoureiro até a agência da Receita em Alta Floresta para termos ciência de quais seriam as pendências. Foi uma oportunidade interessante para os diretores constatarem concretamente o significado e importância do presidente ser o representante legal da associação. A primeira pergunta do funcionário foi “em nome de quem estava a associação” e pedir os documentos pessoais do presidente antes de fazer a consulta e liberar as informações. Essa é uma das razões para não fazermos as coisas pelas lideranças comunitárias, mas acompanha-las quando necessário. Todas essas experiências são aprendizados importantes e de forma muito mais eficaz do que explanações em salas de oficinas e cursos.

O atendimento foi surpreendentemente rápido e soubemos que estava tudo certo com a Receita Federal, mas faltavam declarações para o INSS. Saímos com as informações necessárias e o próximo passo foi conversar com o contador. Um “assessor” disse que o contador já havia informado sobre isso, mas não avaliaram como prioritário resolver. Foi repetida a mesma explicação sobre o cumprimento dos compromissos legais da associação.

Para quem possa pensar que valorizo demais as tarefas burocráticas, sugiro ler a postagem anterior, “Devemos nos ocupar com a burocracia? ‘A César o que é de César’”.

A associação tem contado com um contador apenas para fazer as declarações anuais de imposto de renda. Ilusão pensar que só isso é suficiente. Das três Certidões Negativas de Débito sempre exigidas, conseguiria apenas uma delas. Sem falar na falta da escrituração fiscal, demonstrativos financeiros e balanços patrimoniais, necessários e exigidos em várias situações.

Conversamos com o contador para tomar essas providências iniciais de regularização da associação e passar a fazer a contabilidade “conforme o figurino”.

Encaminhada essa parte, fizemos uma leitura atenta do estatuto. Já haviam falado que nem os diretores tiveram a oportunidade de ler e entender o que estava definido nele. Foi ressaltado que no Estatuto estão os objetivos, a razão pela qual criaram e mantêm a associação e que devem orientar as suas ações, a sua forma de funcionamento, entre outras coisas, que precisam saber e concordar ou reformar para adequar aos seus anseios. O Estatuto “é a Constituição da associação”, definido em Assembleia Geral dos associados.

Com essa reflexão, decidiram elaborar uma proposta de reforma, a ser apreciada pela Assembleia Geral, que será realizada em breve. Com auxílio de um projetor multimídia expusemos o estatuto em vigor e cada artigo foi analisado se ainda era conveniente ou não e alterado quando necessário depois de debatido e decidido pelos presentes. Os diretores questionaram se tinham autonomia e legitimidade para alterar o Estatuto. Foi esclarecido que estavam apenas formulando uma proposta, que deveria ser apresentada, explicada e debatida pela Assembleia antes de uma possível aprovação.

Não podemos falar em empoderamento ser oferecer de fato oportunidades de decisão para as lideranças comunitárias. Fiquei satisfeito com a atividade percebendo que os diretores sentiram que estavam se apropriando devidamente de sua organização e estavam contentes com isso.


E, o melhor, é que ainda tem mais por vir...


Nota: Desculpem a falta de fotos. A FUNAI não permite que sejam publicadas fotos dos índios em redes sociais.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Devemos nos ocupar com a burocracia? "A César o que é de César"

Há anos, quando comecei a dar aulas, inseguro com o preenchimento dos diários de classe, fazia todas as anotações a lápis. Quando estava terminando o bimestre, passei um fim de semana inteiro passando a caneta nas anotações de conteúdo, nas presenças e faltas e nas notas dos alunos, com caneta azul ou vermelha conforme o caso, além de apagar o que havia escrito antes a lápis e fazer traços com régua para inutilizar os espaços em branco.
Fiquei bastante incomodado em gastar tanto tempo com esse trabalho burocrático, que não tinha nada a ver diretamente com a minha atuação em sala de aula, de ensino e aprendizagem, mas não poderia dizer para a secretária ou para a diretora da escola que não tinha que gastar tempo com isso. “Fazia parte do pacote.”

Aprendi ali duas lições. A primeira é que não adianta se revoltar contra a burocracia nem discutir com os burocratas. É uma tarefa inglória. A segunda é que essas tarefas burocráticas, sendo inevitáveis, devem ser feitas “da forma mais rápida e ‘indolor’ possível” para depois nos dedicarmos ao nosso objetivo principal. Dali em diante passei a incorporar essas tarefas no dia a dia: ao iniciar cada aula anotava as presenças e ausências e o conteúdo já a caneta e quando devolvia as avaliações registrava as notas com as devidas cores. O fechamento dos diários no final do semestre ficou bem menos trabalhoso.

As associações, sendo elas comunitárias ou não, também têm sua carga burocrática: elaboração e registro em cartório de estatuto e atas, cadastro em órgãos governamentais como Secretaria da Receita Federal, INSS e Caixa Econômica Federal, entrega periódica de declarações e informações a esses órgãos, escrituração fiscal, balanço patrimonial. Já ouvi bastante a reclamação de dirigentes de associações e técnicos de organizações que os apoiam contra o que avaliam ser um excesso. Argumentam que “é um absurdo” esperar que lideranças comunitárias tenham conhecimento técnico e outras condições necessárias para atender a todas essas exigências, além de todas as outras atribuições que têm. Também sou da opinião de que não têm condições e nem devem se ocupar diretamente com isso. Esse trabalho deve ser feito por um contador, que é o profissional adequado, o que pode ser feito a um custo acessível para as associações, de meio salário mínimo ou menos por mês, quando o movimento financeiro é pequeno. No entanto, o trabalho do contador deve ser supervisionado pela diretoria.

Não vou entrar no mérito da questão se a burocracia poderia ou deveria ser menor. Acredito que é uma boa discussão para ser levada ao palco da reforma tributária, tão necessária e aguardada pelo país. Agora, enquanto a legislação não for mudada, não é aconselhável fechar os olhos para ela. Ressalto, em especial aos técnicos de ONGs e órgãos governamentais, que dizer para os dirigentes de associações que “é só burocracia, não precisa dar bola para isso” não ajuda em nada para o desenvolvimento das associações. Pelo contrário, só as coloca em risco. Seria bem-vindo também que profissionais de contabilidade não se propusessem, mesmo que voluntariamente, a fazer apenas declarações de imposto de renda e, principalmente, fazê-las como se a associação estivesse inativa ou sem movimento dando a ilusão de que todas as obrigações estão sendo cumpridas. Tem sido frequente dirigentes de associação pensarem que a organização está “em dia”, até ser pedido um demonstrativo contábil ou tentarem tirar as certidões negativas de débito. Contratos e projetos podem ser perdidos pelo fato de ser descoberto tarde demais que há obrigações não cumpridas.

E não são só as exigências legais e tributárias. Também faz parte da dimensão gerencial das associações a elaboração, negociação e gestão de projetos, a gestão dos empreendimentos comunitários, a negociação com compradores, os procedimentos de compra, a elaboração de relatórios financeiros, o recebimento e envio de correspondências, o arquivo de documentos, reuniões com a equipe técnica e administrativa, com os conselhos, e por aí vai...

Entendo que as associações têm três dimensões fundamentais:

1. Comunitária: a associação é uma organização da comunidade, foi fundada porque a comunidade precisava dessa ferramenta para algumas de suas demandas. A associação precisa da organização comunitária para manter sua capacidade de atuação. Conversar com os velhos, descobrir e valorizar talentos, organizar grupos de trabalho, fazer diagnóstico e planejamento, monitorar e avaliar juntos, atingir os objetivos a que se propôs é o que vai manter e fortalecer a razão da sua existência. É na comunidade que está a sua missão.

2. Política: Fortalecer a articulação e a mobilização da comunidade, lutar por seus direitos, reivindicar e participar do controle social de políticas públicas, fortalecer a sua articulação com organizações similares, contribuindo para o movimento regional, nacional ou internacional é contribuir para a construção de uma cidadania efetiva.

3. Gerencial: Exigências legais cumpridas, procedimentos administrativos bem definidos, as boas práticas de gestão incorporadas e as rotinas administrativas e burocráticas fazendo parte do dia a dia da associação. Não deixando acumular e tornando-as rotineiras, essas tarefas exigirão menos tempo e esforço de uma só vez. Se associação é ferramenta de trabalho, é preciso que esteja “bem afiada e funcionando bem” para que possa nos servir para o trabalho que necessitamos fazer.


Nota: Esta é a 100ª postagem do nosso blog, com mais de 18.000 visualizações, a partir de 74 países. Parabéns e obrigado a todos que têm colaborado, lido, comentado e divulgado. Vamos continuar democratizando conhecimentos sobre o desenvolvimento de associações.