Essas coisas podem não ter nada em
comum, mas também podem ter uma relação íntima entre si. Fui convidado para
facilitar uma oficina em duas partes: uma primeira para esclarecer os estatutos
de duas organizações e a outra para capacitar o grupo em elaboração de
projetos.
É muito importante que os associados
e, principalmente, diretores e conselheiros tenham conhecimento suficiente
sobre as regras de funcionamento da associação definidas em seu estatuto. A
leitura e os debates foram bastante esclarecedores. Além dos aspectos legais e
solução de dúvidas sobre termos jurídicos, refletimos sobre o papel e
importância das associações, inclusive das duas associações em questão.
Uma das organizações, mais antiga, com
o nome Conselho de Aldeias tem até hoje em seu nome uma representatividade que
os indígenas daquele povo não querem abrir mão, mesmo que, depois de alguns
anos de convênio com a Funasa, como tantas outras associações indígenas, tenha
ficado inadimplente e desde então não tenha captado recursos ou movimentado
contas bancárias. Sem poder saldar as dívidas, não pode ser dissolvida. A
solução encontrada para viabilizá-la financeiramente foi fundar outra
associação. Desta, apenas um grupo pequeno de pessoas faz parte. No entanto, a
primeira associação continua tendo diretorias e conselhos fiscais eleitos,
mesmo que não tenha mais função executiva e nem tenha recursos para ter seu uso
fiscalizado.
A segunda associação, como foi criada
apenas para a viabilização financeira da primeira, tem os mesmos objetivos e os
poucos associados que participaram da assembleia de sua fundação.
Alguns participantes da oficina
externaram a dúvida sobre a representatividade dessas organizações. A que seria
mais representativa tem seu funcionamento limitado. A segunda, poucos
associados. Chegaram a dizer que não se sentiam representados suficientemente
por nenhuma das duas.
Sugeri que rediscutissem os papéis das
duas organizações. A primeira poderia ser repensada como uma articulação de
lideranças, para definir questões estratégicas, independentemente de seu
registro legal. Seus objetivos, estrutura e funcionamento poderiam ser
definidos em um Regimento Interno e funcionaria de maneira informal, porém, com
toda a legitimidade e força que uma organização de lideranças tradicionais pode
ter. A segunda também deveria ter seus objetivos revistos para contemplar todas
as questões significativas para aquelas comunidades e mobilizar o máximo
possível de pessoas, abrindo-se para receber todos os associados que estivessem
dispostos a trabalhar juntos para atingir seus objetivos e, assim, continuar
sendo a organização executiva das decisões estratégicas do Conselho.
Foram lembrados alguns casos em que
essa opção foi feita, propiciando um diálogo entre organizações tradicionais e
não tradicionais, formais e informais, diminuindo significativamente as
possibilidades de conflitos entre caciques e diretores de associações e
colocando-os em uma posição complementar e colaborativa, conforme já publicado
aqui algumas vezes.
O primeiro passo foi dado na própria
oficina, sendo formada uma comissão para elaborar uma proposta de regimento
interno para o Conselho. A reforma do estatuto da outra organização será
pensada posteriormente.
Na segunda parte da oficina,
conversamos sobre o que é um projeto como plano de futuro e não só como o
documento para pedido de um financiamento. Não esquecemos de falar que todas as
comunidades têm muitas potencialidades a serem valorizadas e parcerias, não
necessariamente financeiras a serem aproveitadas. Em seguida, tratados dos
elementos básicos de um projeto.
Divididos em três grupos, os
participantes foram orientados a rever o Plano de Ação, elaborado há algum
tempo, de forma participativa com as aldeias e suas lideranças tradicionais, dando
a ele um valor mobilizador e um peso político muito grandes. Cada grupo
escolheu um dos problemas ali apresentados com suas atividades e que ainda não
haviam sido contemplados com financiamentos e nem as comunidades tinham
recursos próprios para resolvê-los.
Observando alguns editais de projetos,
verificaram que os financiadores esperam cada vez mais projetos inovadores,
replicáveis, com ampla participação comunitária desde a discussão do problema
até sua avaliação, que valorizem as potencialidades das comunidades e as
oportunidades oferecidas por seus parceiros privados e públicos e sejam
sustentáveis em sua continuidade.
Os grupos foram elaborando os
elementos básicos e apresentando aos demais participantes para sugestões e
orientações do facilitador. Ao final, apresentaram o projeto como um todo para
que fosse verificada não só a elaboração de cada elemento, como a coerência
entre eles.
Todos saíram cientes de que o
aprendizado da elaboração de projetos é um processo que exige cada vez mais
conhecimentos técnicos e, sobretudo, muita prática, mas satisfeitos com os
avanços que haviam conquistado. O diálogo da associação com as comunidades e
lideranças tradicionais, o papel político e estratégico do Conselho e o papel
executivo da associação também ficaram mais claros.