Alguém já
escreveu que ao terminar um livro e publicar o autor perde o controle sobre ele
e o que as pessoas vão pensar e dizer sobre a sua obra. Porque ela deixa de ser
sua e passa a ser dos leitores.
Já relatei
aqui algumas vezes como o livro Associação é para fazer juntos
tem sido utilizado para leituras dialogadas em cursos e oficinas, treinamento
de equipe, leituras e debates em comunidades e peças de teatro amador apresentadas
em comunidades e assembleias de associações.
Recentemente
fui alegremente surpreendido ao saber que também um livro anterior, Gestão de associações no dia-a-dia, publicado pelo
Instituto Socioambiental em 2005, foi utilizado para criação de peça de teatro
em 2006, apresentada nas oficinas de capacitação das associações apoiadas pela
Brazil Foundation.
Encontrei
essa informação na publicação “Brazil, Brasil – 10 anos, uma ideia, muitas
histórias”:
Como parte dos encontros de capacitação há a encenação de peças
pelo grupo Artistas
de Nós. No repertório da companhia estão seis espetáculos: “Lá no
Morro Azul”, “Avaliação, por qual caminho eu vou?”, “Sustentabilidade, do que
você precisa?”, “Para que serve uma ONG” e “No Morro Azul moram meus sonhos”, direcionados
para os gestores das ONGs, e “O buraco”, voltado para funcionários de empresas que
atuam como voluntários em projetos sociais. “A BrazilFoundation percebeu que o teatro
poderia ser uma importante ferramenta para facilitar o aprendizado e fixar
determinados temas abordados durante os seus cursos de treinamento”, escreve a
historiadora Márcia de
Paiva.
A ideia surgiu em 2006, de forma espontânea. Ao se deparar com o livro
“Gestão de associações no dia a dia”, de José Strabeli, que falava de um grupo
que queria virar uma ONG, Clarissa Worcman, coordenadora de monitoramento da
fundação, pensou: “Isso dá uma peça.” Foi além. Quem sabe o espetáculo não
poderia servir para abrir as oficinas de capacitação? Afinal, o livro mostrava
as dificuldades de se criar uma associação, com toda a burocracia envolvida.
Aos poucos, os personagens foram ganhando vida. Já com o texto delineado,
Clarissa chamou dois amigos que conheceu quanto estudava teatro – os atores
Ricardo Lyra, o Lirinha, e Márcia Alves – e começou a ensaiar. E assim surgiu
“Lá no Morro Azul”, que trata de maneira bem-humorada – como todas as peças –
dos desafios dos moradores para trabalhar em conjunto e melhorar a vida da
comunidade. – Na nossa primeira apresentação, havia poucos gestores, umas dez pessoas.
Estávamos muito nervosos e com a sensação: “Será que isso vai funcionar?” –
lembra Clarissa. Funcionou.
“As peças abordam, com uma linguagem lúdica, questões do cotidiano
na área
social, gerando empatia e identificação com o público, lançando
ideias e despertando
debates. O teatro, efetivamente, tornou-se uma ferramenta
fundamental na sensibilização
dos gestores, motivando a reflexão e a apropriação dos
conhecimentos, de forma
geralmente articulada às oficinas. As apresentações teatrais ‘abrem
a cabeça e o
coração das pessoas’ e vêm revelando um efeito pedagógico
impressionante”, atestam
Caio Silveira e Ricardo Mello.
As peças incorporam questões comuns às organizações. Para escrever,
Clarissa recolhe
material das visitas às comunidades, do monitoramento, da
capacitação e do contato
com os gestores. Não raro a plateia se manifesta com risos e frases
como “me vi ali”,
“aquela pessoa sou eu”, “é assim mesmo”, “é normal isso acontecer”.
– As pessoas se identificam, se sentem representadas – constata ela.
Fiquei muito feliz em saber do uso
do livro para elaborar e apresentar “Lá no Morro Azul” para a capacitação de
gestores de associações. Isso é um estímulo para que outras pessoas utilizem
também do teatro para diferentes processos de desenvolvimento comunitário e
organizacional.
É um estímulo também para que as
pessoas não guardem suas ideias para si, não as mantenham “engaioladas” pelo
direito autoral, mas "deixe-as voar" para que todos possam utilizá-las, apresentá-las de diferentes formas, em diferentes lugares e contextos e elas possam voltar para você de maneiras, muitas vezes, surpreendentes. Essa é a graça!