Ontem participei de uma mesa de debate sobre os Desafios atuais para o fortalecimento das organizações indígenas, parte do Seminário Organizações Indígenas: Análise e Perspectivas na Região Amazônica, promovido pela OPAN – Operação Amazônia Nativa, em Cuiabá-MT.
Apresentei para debate cinco desafios:
Desafio 1:
Desmistificar a necessidade de criar associações; desfazer a equação “associação = dinheiro”; explorar outras formas de organização não formais e apoiar a criação de associações apenas quando os objetivos traçados realmente necessitem de uma organização formal desse molde.
Precisamos sempre nos perguntar e, principalmente, às comunidades indígenas Para quê uma associação é necessária? O que se quer fazer que sem essa organização formal não será possível? A meu ver, uma organização só deve ser formalizada se essas perguntas puderem ser respondidas claramente. Caso contrário, para que envolver lideranças indígenas com as despesas e trabalho burocrático que uma pessoa jurídica exige?
Muitas associações são criadas sem uma prévia discussão sobre seu papel e importância, principalmente para captarem recursos através de projetos e diversas formas de doação. Sem conseguir os recursos esperados, muitas delas ficam “neutras” (sem atividade) ou se afundam em dívidas e inadimplência por não conseguirem prestar contas. Gersem Luciano, Baniwa, escreveu que as associações criadas para captar recursos, em geral, acabam junto com o projeto por falta de sustentabilidade social e política.
Muitas vezes, a demanda pela criação de associações não é da comunidade, mas de organizações privadas ou governamentais interessadas em implementar os seus programas ou empresas que precisam pagar compensação socioambiental. As comunidades devem ficar com esse ônus? Caso seja do interesse da comunidade, a criação da associação deve ser antecedida de muita conversa sobre o papel e importância de uma associação, os objetivos e formas de funcionamento com ampla participação de todos.
Precisamos considerar também outras formas de organização, especialmente as não formais, além das organizações tradicionais de cada povo, como redes, grupos de desenvolvimento local sustentável, entre outros, que aproveitem as estruturas das associações existentes, por exemplo, para articulações regionais, ao invés de recorrer à novas organizações, que também precisarão de pessoal, infra-estrutura, equipamentos, entre outras coisas, o que nem sempre se consegue.
Os índios Baniwa, do noroeste do Amazonas, definem que: Associação é como ferramenta de trabalho. É ferramenta de trabalho dos brancos, que precisa ser mais bem entendida para que com isso se fortaleça cada vez mais. Gosto desta comparação porque escolhemos uma ferramenta quando sabemos o que queremos fazer; é preciso que ela tenha boa qualidade e funcione bem; precisa ser manejada para que o objetivo seja atingido.
Desafio 2:
As associações devem ser capazes e tomarem para si o papel de “traduzir” para as comunidades as políticas públicas e outras ações voltadas para os povos indígenas e “traduzir” para os agentes governamentais e não governamentais os desejos, a visão e o jeito de fazer dos povos indígenas.
Gersem propõe que as associações sejam guardiãs, vigias para a comunidade contra os perigos que vêm de fora. Quando há risco iminente, os dirigentes da associação se juntam com as lideranças tradicionais para enfrentarem os perigos.
Na minha avaliação, as associações não têm apenas o papel de enfrentar os perigos, mas também de aproveitar as oportunidades de produção e comercialização, projetos, definição e controle social de políticas públicas, entre outros. Conhecedores dos códigos tanto das sociedades indígenas como das não indígenas dirigentes das associações e seus colaboradores podem explicar melhor para seus parentes o que pensam e como fazem os não indígenas e para esses os desejos e o jeito de fazer dos povos indígenas, exercendo assim um papel de interlocutoras entre a sociedade indígena e a não indígena.
Desafio 3:
Contribuir para a criação e funcionamento de associações que os seus associados se reconheçam nelas, tenham “a cara” do povo que as criou, que estejam inseridas na cultura e no cotidiano dessas comunidades.
Criadas muitas vezes no calor da pressão para atender às agendas de organizações externas, aprovam estatutos elaborados a partir de “recorta e cola” de modelos já cristalizados e mantêm sempre a mesma estrutura, em geral inadequadas para os povos indígenas. Porque criar “organizações estranhas à cultura indígena” se não há nenhuma necessidade disso? Se as organizações tradicionais indígenas são heterogêneas, ágeis, com hierarquia horizontal, lideranças democráticas porque criar associações homogêneas, burocráticas, com hierarquia vertical e lideranças centralizadoras?
Desafio 4:
Tornar as associações organizações efetivas e legítimas de suas comunidades, que contribuam para a “sustentabilidade dos povos indígenas em suas terras”, para a conquista de seus direitos e para a melhoria das políticas públicas.
Continuando com a mesma comparação já feita acima, o fato de criar uma associação não resolve nenhum problema de uma comunidade, por mais que algumas pessoas pensem isso. Quem dá vida a uma ferramenta são as mãos que a manejam.
É preciso comprometer mais os associados com a associação desde o início, inclusive para a sua sustentabilidade financeira; estimular e capacitar as pessoas para o funcionamento da diretoria como um todo, do conselho fiscal e tornar as assembléias um momento de planejamento, avaliação e aprimoramento do funcionamento da associação.
Contribui muito para o fortalecimento das associações, para que atinjam objetivos relevantes para suas comunidades a realização de diagnósticos e planejamentos efetivamente participativos.
Em especial as associações que têm escritório na cidade, distante das aldeias, tendem a ter mais atuação em eventos externos, uma agenda política mais forte do que sua atuação na comunidade. Assim se tornam cada vez mais descoladas de seus associados, servindo mais como balcão de atendimento e assistencialismo do que efetivamente organizações de suas comunidades. As associações devem estar enraizadas e atuando mais nas comunidades do que fora ou servindo de “balcão de serviços”.
Desafio 5:
Definirmos e executarmos uma estratégia que contribua de fato para o fortalecimento dessas organizações para que elas não precisem continuamente de nossa assessoria, mas que possamos nos orgulhar do dia em que não precisarão mais de nós.
Até que ponto estamos contribuindo para melhorar a eficiência e eficácia das organizações indígenas? É realizada uma grande quantidade de cursos ou oficinas de capacitação em gestão. Como estão impactando a gestão das associações? Cursos e oficinas deveriam estar inseridos em uma estratégia mais ampla de capacitação, com a utilização de outras ferramentas, de forma a contribuir para o empoderamento pelos índios dos conhecimentos e práticas necessários para a gestão autônoma de suas associações?
Vistos muitas vezes como assessores, estamos contribuindo para o empoderamento ou estamos assumindo tarefas que deveríamos capacitar os índios para realizar? No outro extremo, não assumimos muitas vezes o papel de decisão que também caberia a eles? Não basta que assessores tenham conhecimento técnico. É preciso que também tenham perfil pedagógico para capacitar as lideranças indígenas e não fazer por eles.