Nos últimos anos tenho ouvido, em muitas ocasiões, técnicos e lideranças dizerem que associação é uma forma de organização estranha às suas formas tradicionais de organização, que a legislação exige que todas as associações sejam estruturadas da mesma forma, sem levar em conta suas especificidades culturais e por isso tinham dificuldades para lidar com elas em suas comunidades. Diziam também que as associações são burocráticas, centralizadoras, verticalizadas, pouco democráticas...
Estimulado pela recorrência dessas declarações, consultei o Código Civil Brasileiro e verifiquei que há muito pouca coisa definida pela legislação, que deixa aspectos fundamentais como objetivos, órgãos de administração, categorias, direitos e deveres dos associados, entre outros, para serem definidos no Estatuto Social.
Comecei a defender em cursos e reuniões que as associações não precisam, e nem devem, ser estruturadas e ter seu funcionamento sempre igual. Isso não é exigido pela legislação, mas é fruto de “uma cultura de recorta e cola” de estatutos já prontos quando se cria novas organizações. Se cada associação for organizada de acordo com a cultura e formas de organização tradicionais das comunidades, será muito mais adequada e funcional. Cada associação “deve ter a cara” da comunidade ou povo que a criou.
O Estatuto é “a Constituição da Associação”. É nele que as pessoas dispostas a criar a associação definem desde o nome, até os objetivos, estrutura organizacional, forma de funcionamento, direitos e deveres de cada um, etc. Não deve ser apenas uma peça burocrática necessária para registro. O estatuto deve estar na mão e na cabeça de todos na hora de organizar o trabalho e tomar decisões e não guardado em uma gaveta, só tirado de lá para ser copiado quando alguma atividade administrativa exige.
Apesar de mostrar a legislação e utilizar de todos os argumentos possíveis, muita gente ainda duvida desta possibilidade, o que é uma grande perda para as associações.
Em 2010 uma associação indígena do Sul do Amazonas, a APIJ - Associação do Povo Indígena Jiahui, aceitou o desafio quando me pediu assessoria para a reformulação de seu estatuto, no âmbito de um programa de consultorias oferecidas pelo IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil.
Reunimos inicialmente os diretores da associação e algumas lideranças. Eles relataram que, no funcionamento cotidiano da associação, o Conselho dos Mais Velhos tinham uma importância muito grande, sendo quem de fato decidia prioridades de trabalho, agenda externa e mesmo a escolha dos dirigentes da associação, referendada pela assembléia. Este conselho não é eleito, mas escolhido de acordo com critérios tradicionais de sua cultura.
Esta foi a grande novidade deste estatuto, já registrado em cartório, estruturando e definindo oficialmente o funcionamento a associação de acordo com a organização tradicional daquele povo.
O estatuto foi amplamente discutido na assembléia, alterado em tempo real com auxílio de projetor multimídia e, por fim aprovado, derrubando outro mito: de que a comunidade não discute estatuto.
O resultado foi muito positivo, com a assembléia se apropriando do estatuto e a comunidade se reconhecendo na sua associação.
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