Tenho ouvido inúmeros depoimentos de dirigentes e outros integrantes de associações comunitárias que “só o presidente trabalha” ou alguns dos diretores, que a comunidade não participa.
Comento que, se era para deixar uma ou duas pessoas atuando sozinhas, não era preciso criar uma associação. Explico que uma associação é formada por pessoas e objetivos. Se faltar uma dessas coisas, a associação não existe de fato, mas só no papel: estatuto e CNPJ. Assim como a fotografia de um prato de comida não mata a nossa fome, uma associação que só existe no papel também não adianta nada. Precisa existir de fato na vida da comunidade. As pessoas precisam ter objetivos claros e estarem juntas para diagnosticar, planejar, executar as atividades, monitorar, avaliar, replanejar e assim por diante.
Os objetivos precisam ser significativos, resolver problemas relevantes da comunidade para poder mobilizar os associados.
Os dirigentes da associação precisam ser animadores da comunidade na realização de suas atividades. O melhor presidente ou coordenador de associação não é aquele que faz mais coisas sozinho, mas aquele que consegue juntar mais gente para trabalhar junto com ele.
Conversando um pouco mais com as pessoas que reclamam da falta de participação da comunidade, é comum verificar que o presidente muitas vezes é centralizador, não favorece a participação nem mesmo de seus companheiros de diretoria. Muitas vezes os diretores nem sabem quais são as atribuições de cada um para que possam organizar um trabalho de equipe. Uma leitura cuidadosa do estatuto com a diretoria, explicando bem o que está definido como atribuição de cada um costuma ajudar bastante. Já o perfil centralizador de diretores e mais trabalhoso de modificar. Precisam ir aos poucos entendendo que uma pessoa só não é uma associação, que o presidente e os demais diretores são administradores e não donos da associação.
Também é comum a criação da associação não ser precedida por uma boa explicação e debate com a comunidade sobre o papel, a importância e como funciona uma associação. Assim, também não fica claro para os associados que estão criando uma organização para trabalharem juntos. Pessoas, muitas vezes de boa vontade, mas pouco informadas, ressaltam a possibilidade de conseguirem através da associação recursos de projetos, titulação de terra, etc. Dessa forma, a comunidade concorda em criar a associação, elege uma diretoria para “cuidar de tudo para eles” e voltam para casa para esperar os resultados que, em geral, não vêm.
As assembléias são o momento privilegiado para reunir os associados, avaliar o trabalho que está sendo feito, conversar sobre o funcionamento interno da associação, fazer prestação de contas do uso dos recursos e dos resultados alcançados, planejar novas atividades, discutir estratégias de captação de recursos, entre outras coisas. Em muitas associações elas nem chegam a acontecer. Em outras, é feita apenas para eleger a nova diretoria.
Já ouvi muitas vezes pessoas de comunidades se referirem à associação como sendo os diretores ou a sala onde funciona seu escritório. Dizem isso porque é dessa forma que a associação foi criada e é assim que tem funcionado. Os diretores reclamam que a comunidade não participa e a comunidade reclama que “a associação” não faz nada. E pouco ou nada acontece, desperdiçando um grande potencial de mobilização e atuação para a melhoria da qualidade de vida de todos.
Cabe à diretoria trabalhar em equipe, distribuindo tarefas, e estimular a participação da comunidade em todos os momentos, desde o diagnóstico até a avaliação. Sem a participação democrática e efetiva de todos nas decisões e na realização das atividades, uma associação nunca funcionará bem.
Cidadania também é para fazer juntos!
CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!
É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.
Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.
A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.
Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.
É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.
José Strabeli
Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.
É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.
José Strabeli
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
As associações não precisam e nem devem ser todas iguais
Nos últimos anos tenho ouvido, em muitas ocasiões, técnicos e lideranças dizerem que associação é uma forma de organização estranha às suas formas tradicionais de organização, que a legislação exige que todas as associações sejam estruturadas da mesma forma, sem levar em conta suas especificidades culturais e por isso tinham dificuldades para lidar com elas em suas comunidades. Diziam também que as associações são burocráticas, centralizadoras, verticalizadas, pouco democráticas...
Estimulado pela recorrência dessas declarações, consultei o Código Civil Brasileiro e verifiquei que há muito pouca coisa definida pela legislação, que deixa aspectos fundamentais como objetivos, órgãos de administração, categorias, direitos e deveres dos associados, entre outros, para serem definidos no Estatuto Social.
Comecei a defender em cursos e reuniões que as associações não precisam, e nem devem, ser estruturadas e ter seu funcionamento sempre igual. Isso não é exigido pela legislação, mas é fruto de “uma cultura de recorta e cola” de estatutos já prontos quando se cria novas organizações. Se cada associação for organizada de acordo com a cultura e formas de organização tradicionais das comunidades, será muito mais adequada e funcional. Cada associação “deve ter a cara” da comunidade ou povo que a criou.
O Estatuto é “a Constituição da Associação”. É nele que as pessoas dispostas a criar a associação definem desde o nome, até os objetivos, estrutura organizacional, forma de funcionamento, direitos e deveres de cada um, etc. Não deve ser apenas uma peça burocrática necessária para registro. O estatuto deve estar na mão e na cabeça de todos na hora de organizar o trabalho e tomar decisões e não guardado em uma gaveta, só tirado de lá para ser copiado quando alguma atividade administrativa exige.
Apesar de mostrar a legislação e utilizar de todos os argumentos possíveis, muita gente ainda duvida desta possibilidade, o que é uma grande perda para as associações.
Em 2010 uma associação indígena do Sul do Amazonas, a APIJ - Associação do Povo Indígena Jiahui, aceitou o desafio quando me pediu assessoria para a reformulação de seu estatuto, no âmbito de um programa de consultorias oferecidas pelo IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil.
Reunimos inicialmente os diretores da associação e algumas lideranças. Eles relataram que, no funcionamento cotidiano da associação, o Conselho dos Mais Velhos tinham uma importância muito grande, sendo quem de fato decidia prioridades de trabalho, agenda externa e mesmo a escolha dos dirigentes da associação, referendada pela assembléia. Este conselho não é eleito, mas escolhido de acordo com critérios tradicionais de sua cultura.
Esta foi a grande novidade deste estatuto, já registrado em cartório, estruturando e definindo oficialmente o funcionamento a associação de acordo com a organização tradicional daquele povo.
O estatuto foi amplamente discutido na assembléia, alterado em tempo real com auxílio de projetor multimídia e, por fim aprovado, derrubando outro mito: de que a comunidade não discute estatuto.
O resultado foi muito positivo, com a assembléia se apropriando do estatuto e a comunidade se reconhecendo na sua associação.
Assinar:
Postagens (Atom)