Os
moradores faziam todas as refeições juntos. Para isso, a cada 4 anos, escolhiam
as pessoas que iriam coletar o dinheiro que cada um dava de acordo com o que
ganhava, cuidar do salão, móveis e utensílios, comprar os ingredientes,
contratar cozinheiros e garçons e organizar o café da manhã, almoço e jantar
para todos, pelos 4 anos seguintes.
Nunca
ninguém entendeu muito bem porque tinha vários grupos que se organizavam para
serem os escolhidos para fazer este trabalho. Está certo que o salário era bom,
mas eles gastavam uma fortuna para serem escolhidos. Contratavam especialistas
para preparar os cardápios, imprimiam com fotos bem atraentes e distribuíam para
a população. Cada um queria convencer mais gente de que o seu cardápio era o
melhor e que ele era o melhor organizador de refeições.
Alguns
diziam que já faziam isso há bastante tempo e tinham muita experiência, por
isso deviam ser escolhidos. Outros diziam que eram melhores porque eram novos
no ramo e seriam inovadores ao oferecer comida de melhor qualidade, mais
variada, saborosa e a um custo mais baixo do que os outros. Assim, com o
dinheiro arrecadado ainda iriam reformar e ampliar o salão onde as refeições
eram servidas, comprar móveis e utensílios novos e contratar mais pessoas para
que todos fossem servidos mais rapidamente e ficassem mais satisfeitos. Um
verdadeiro milagre!!
A
verdade é que as mesmas pessoas se revezavam entre os grupos como em uma “dança
das cadeiras”. Tinha gente que cada vez estava em um grupo diferente. Também
apareciam pessoas novas, mas não eram tão novas como diziam e pareciam. Às
vezes criavam um grupo novo e, quando se ia ver, eram pessoas que antes estavam
em outros grupos... Os cardápios eram basicamente iguais. Mudava um molho, um
ingrediente, mas a diferença era mais na aparência do que na substância.
Entrava
ano e saía ano e ficava praticamente tudo igual. Muitas pessoas iam desanimando
e pensavam que não adiantava ficar escolhendo muito quem ia organizar, porque
no final tudo continuaria do mesmo jeito.
Nas
refeições, enquanto alguns se empanturravam de comida; outros tentavam comer e
não conseguiam, outros nem tentavam, porque sabiam que não iam conseguir comer;
vários saiam com a comida “entalada na goela”. A maior parte das pessoas ficava
do lado de fora e quando reclamavam:
-
Calma, pessoal! Todo mundo vai comer. Quando quem está lá dentro terminar, eu
trago aqui para vocês. Assim vão poder comer com calma e tudo o que quiserem,
sem pressa. Tenham paciência. É que vocês pagaram só um pouquinho.
-
Pagamos pouco porque ganhamos pouco. Por causa disso vamos comer os restos dos
outros?
-
Tudo aqui é da melhor qualidade, vocês podem ter certeza! Eu mesmo prefiro comer
aqui com vocês do que lá dentro.
- E
vamos ficar aqui em pé?
- Ao
ar livre! Olha, que beleza!!
Os
organizadores diziam para os insatisfeitos que eles eram todos uns ingratos,
que todo mundo teve várias opções para escolher, inclusive opções novas que são
introduzidas toda vez, que foi respeitada a escolha de todos e que dava um
trabalhão para preparar e servir aquelas refeições e, ao invés de reconhecer a
dedicação deles, ficavam reclamando.
-
Vocês são é uma cambada de baderneiros, que nunca estão contentes com nada!
Acontece
que, mesmo os pratos que pareciam ser diferentes, não eram diferentes de
verdade. E o pior é que sempre usavam o mesmo tempero e cozinhavam da mesma forma,
então, por mais que se mudasse os ingredientes, a comida tinha sempre o mesmo
gosto e fazia o mesmo efeito indigesto.
Notavam
também que a comida servida não era bem o que tinham mostrado nas fotos durante
a consulta para a escolha dos organizadores. Com frequência os ingredientes não
eram de qualidade. Muitas vezes eram até estragados. A comida era mal cozida e
mal servida. As pessoas foram notando que alguns pratos eram servidos só para
os organizadores e seus amigos e outros para o restante da mesa. Falava-se até
que os organizadores “ganhavam por fora” na hora de reformar o salão, de
comprar os ingredientes, mesas, cadeiras, pratos, copos e talheres e até ao
contratar cozinheiros e garçons.
A
insatisfação foi crescendo, até entre convidados de fora, e cada vez mais
pessoas foram deixando de “fazer de conta” e se recusavam a “escolher sempre
mais do mesmo”; cada vez mais pessoas reclamavam na hora das refeições; cada
vez mais os que ficavam de fora aumentavam em número, organização e reclamações.
Os
organizadores foram ficando cada vez mais preocupados e pensando que precisavam
mudar o jeito de fazer as coisas...