Era assim que, até meados do século XX,
as pessoas se cumprimentavam no dia 1 de janeiro: “Bom princípio de ano!” Para
as crianças, o cumprimento era a deixa para ganharem algum trocadinho dos mais
velhos. Além dos adultos da casa, visitavam logo cedo tios e avós. Cumprimentar
na rua também valia.
Bem, não sou mais criança e esse
costume está em desuso há várias décadas...
Também já desisti de fazer aquelas
promessas na última noite do ano, que nunca são cumpridas, então fiquei imaginando
como seria se em 2019 o Legislativo Municipal de Itupeva se tornasse virtual e
no prédio da Câmara fosse instalado um Centro Cultural e de Desenvolvimento da
Cidadania.
Vou explicar melhor.
Os vereadores ocupam o plenário apenas
3 ou 4 horas por mês nas 2 sessões ordinárias, uma a cada 15 dias e,
eventualmente, para alguma sessão extraordinária ou audiência pública, em geral
pouco divulgadas e realizadas em dia e hora impróprios para a grande maioria da
população, que trabalha e, por isso, muito pouco frequentadas.
Nessas sessões, que começam com um
texto bíblico, – viva o Estado laico!! – depois de lidos os resumos de dezenas
de pequenos pedidos de obras para o prefeito, para conhecimento, e votados os requerimentos,
em geral também pedindo informações ou providências ao prefeito, aprovam quase
sempre por unanimidade todos os requerimentos e projetos de Moção ou Lei.
Algumas votações são nominais e outras
– de acordo com o Regimento Interno, pasmem! – têm o seguinte “ritual”: o
presidente da Câmara, depois de apresentado o projeto, diz “Em discussão. Em
votação. Os vereadores que aprovam permaneçam como estão”. Todos estão sentados.
E em seguida: “Aprovado por unanimidade”.
Como assim!! Não precisa levantar um
braço, nem a voz e muito menos o corpo para votar? Só para ser contra precisa
tomar alguma atitude?!
Dos 96 projetos de lei votados na
Câmara Municipal, de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, 63, quase dois terços,
foram de iniciativa do Executivo e um terço, 33 projetos, foram de iniciativa
dos vereadores ou da Mesa Diretora da Câmara. Desses, 23 foram para incluir
eventos no Calendário Municipal, trocar nome de ruas, escola e ginásio de
esporte, normatizar a concessão de título honorífico e conceder títulos de
utilidade pública para organizações da cidade. Outros 5 foram sobre questões
administrativas do Legislativo. Sobraram 5 projetos de lei, instituindo
casamento comunitário, criando um conselho municipal, proibindo queimadas e vandalismo
e normatizando a emissão de ruídos.
As Comissões Permanentes, com a
finalidade de analisar planos, programas e orçamentos enviados pelo Executivo e
monitorar a sua execução, fiscalizando assim a implementação das políticas
públicas no município, não fizeram nenhuma reunião nos dois primeiros anos do
atual mandato, 2017 e 2018, ou seja, não funcionaram para cumprir as suas
atribuições.
O que os vereadores fazem com vontade
e produtividade é andar pela cidade ou receber pessoas em seus gabinetes,
anotando e encaminhando para o prefeito indicações ou ofícios pedindo pequenas
melhorias para os bairros, vilas ou ruas, o que não é sua função, mas mantém o
“velho charme” da política coronelista brasileira, que troca pequenos favores
pessoais ou comunitários por apoio político. Foram 1.137 indicações, mais os
ofícios que não sei quantos foram, porque não tem registro no site da Câmara.
Vamos ver como seria com o Legislativo
Virtual?
As indicações poderiam ser partilhadas
pelos vereadores por e-mail, para conhecimento, como de costume.
Os requerimentos, moções e projetos de
lei também poderiam ser enviados pelo correio eletrônico com a data e horário
da votação, passado um prazo razoável para a leitura, análise e até conversa
entre os vereadores para articular como votariam. No dia e hora marcada, cada vereador
mandaria pelo mesmo meio ou por um grupo do WhatsApp, integrado pelos 13
vereadores e administrado pelo presidente da Câmara, o seu voto: Aprovo.
Aprovo. Aprovo... ou então aquela mãozinha fazendo positivo.
Isso para as votações nominais, porque
para as outras, seria só “permanecer como está”, fazendo consertos na casa,
lavando o carro, cozinhando, brincando com os filhos, cuidando das plantas no
quintal, tomando café, passeando ou qualquer outra coisa. A “sessão virtual”
seria encerrada com a mensagem do presidente: “Aprovado por unanimidade”. Caso
algum vereador discorde da proposição, é só deixar por um momento o que está
fazendo e mandar um “Rejeito” ou uma mãozinha com o dedão para baixo pelo grupo
do “zap” e voltar ao que estava fazendo. Aí só o número a favor e contra
mudaria um pouco.
Acredito que isso traria muita
agilidade para as votações, que não precisariam esperar por sessões quinzenais
ou por uma sessão extraordinária, que precisa de edital de convocação, etc. As
votações poderiam acontecer a qualquer hora de um dia útil, ou mesmo, como os
vereadores sempre dizem que trabalham incansavelmente pelo bem da cidade, em
casos emergenciais poderiam ser feitas votações até à noite ou nos finais de
semana e feriados.
Isso não prejudicaria em nada o
descanso ou lazer do vereador com a família. Poderia votar da praia, em um ou
dois segundos, enquanto toma uma água de coco ou faz castelinho de areia com o
filho pequeno.
Tudo continuaria igual com as andanças
pela cidade. O atendimento dos moradores poderia até melhorar e ser mais
agradável, na varanda da casa do vereador ou do morador, tomando um café com
bolo de fubá, passeando pelo pomar e colhendo frutas do pé ou em um dos
restaurantes da cidade, prestigiando a deliciosa e variada culinária local. Com
uma remuneração de pouco mais de R$ 10 mil por mês dá para bancar, não dá?
Enquanto isso, o Centro Cultural e de
Desenvolvimento da Cidadania, no “antigo” prédio da Câmara Municipal, estaria
fervilhando de incentivo para as diversas manifestações culturais, que seriam
orientadas por monitores competentes, contratados com os recursos do orçamento
do município, e apresentadas frequentemente para a população no “antigo”
plenário: dança, música, literatura, teatro, cinema, saraus de músicas cantadas
e instrumentais, poesias, crônicas e literatura de cordel...
Também teria palestras e consultorias
para a organização de associações de bairro, de profissionais de saúde, educação,
de defesa do meio ambiente, direitos humanos, dos idosos, deficientes, crianças
e adolescentes; palestras e orientações para a população sobre como funcionam o
executivo e o legislativo municipais; como a população pode participar mais
efetivamente dos destinos e futuro da nossa cidade; a importância de ter
acesso, ler atentamente os projetos de lei e os documentos do assunto que será
debatido em audiência pública, discutir na sua associação de bairro, ONG ou
grupo, contribuir com o debate e fazer propostas para melhorar. Digamos, uma
“Escola do Legislativo”, o que faria a cidade também fervilhar, de cidadania!
Quando fosse importante ter uma sessão
de votação com a participação da população, uma audiência pública ou reuniões
das Comissões Permanentes, o “agora” Auditório de Cultura e Cidadania de
Itupeva estaria disponível, porque essas atividades, com a participação da
população, são muito importantes para o desenvolvimento da cidadania.
Ah, mas isso não está previsto na Lei
Orgânica do Município e nem no Regimento Interno da Câmara...
É só mudar!
E, para isso, basta elaborar os
projetos, distribuir para os vereadores e, na sessão de votação... “Em
discussão. Em votação. Os vereadores que aprovam permaneçam como estão.
Aprovado por unanimidade”.