Já
tratamos neste blog algumas vezes que uma associação é, fundamentalmente, a união
de pessoas em torno de objetivos comuns, de caráter social, como inclusive
estabelece o Código Civil Brasileiro. Também já refletimos várias vezes sobre a
necessidade ou não de criar uma organização formal, registrada em cartório e
com CNPJ para unir pessoas e objetivos para o desenvolvimento comunitário, garantia
de direitos legalmente adquiridos, melhoria das condições de vida e maior
participação na gestão comunitária, do município, ou mesmo do estado ou país. Além
de organizações formais, foram apresentadas experiências de organizações
informais que têm conseguido muitos resultados importantes.
Trabalhei
durante 16 anos com ONGs e organizações comunitárias indígenas, quilombolas, de
ribeirinhos, pescadores artesanais, artesãos e outros em quase metade dos
estados do Brasil: 0s nove da Amazônia, inclusive Mato Grosso e Maranhão,
Bahia, Espírito Santo e São Paulo. Desde o final de 2011, quando foi publicado
o livro Associação
é para fazer juntos, partilhei aqui as experiências de trabalho de
desenvolvimento organizacional de associações formais e informais, em 118
postagens.
Em
meados de 2016 aposentei pelo sistema previdenciário oficial, depois de 38 anos
de contribuição e mantive apenas alguns compromissos já assumidos, até final de
2017, quando deixei definitivamente de atuar profissionalmente como consultor
para o desenvolvimento de organizações e projetos comunitários. Por isso as
postagens em 2016 diminuíram drasticamente e em 2017 foi feita apenas uma e
última postagem, em abril, pelo que peço desculpas aos leitores que me
acompanharam durante esses anos. É que eu sempre pensei que se não temos nada
de novo para dizer, é melhor ficar em silêncio e, uma vez que as atividades
práticas estavam cessando, não iria provocar enfado com teorizações. Não tenho
dúvidas de que uma teoria só é realmente boa quando tem sua eficácia testada e aprovada
na prática.
Bom,
desde que mudei para uma pequena chácara em Itupeva, no interior de São Paulo,
em 2008, me sentia em dívida com a cidade, por contribuir com o desenvolvimento
comunitário pelo Brasil a fora e não fazer nada na cidade que adotei como minha.
O que acontecia é que passava três ou quatro semanas por mês viajando a
trabalho e não tinha tempo hábil para qualquer ação local.
Uma
vez aposentado e em tempo integral na cidade comecei a pensar e conversar com
algumas pessoas sobre o que fazer.
Me
lembrei que alguns anos antes tinha simpatizado muito com uma ação
experimentada em várias cidades do Brasil, que consistia em deixar livros em
lugares públicos como rodoviárias, pontos de ônibus, restaurantes, praças, parques,
bancos, padarias ou outro lugar qualquer, para que as pessoas interessadas levassem
para se distrair e ter acesso à cultura. Um marcador de livro estimulava a quem
pegasse o livro, que lesse e depois deixasse para mais alguém. Também poderia
da mesma forma, deixar para outras pessoas os livros que tivessem em casa e não
fossem mais ler.
Olhei
para a minha pequena estante com falta de espaço para novos livros e resolvi
desapegar de publicações literárias, de educação, ecologia e outros assuntos
para “deixá-los livres para voar” e que outras pessoas pudessem desfrutar deles
como eu já tinha feito antes. Desde dezembro de 2017 já foram deixados pela
cidade mais de 80 livros. Quem quiser saber mais detalhes, pode ver em https://www.facebook.com/leveestelivro.itupeva.
Apesar de uma certa nostalgia de velhos companheiros, estou feliz de estar
partilhando meus livros com outras pessoas que talvez tivessem dificuldade de
acesso à cultura de outra forma.
Quis
conhecer melhor a história de Itupeva e, consultando a bibliografia e arquivos
disponíveis na internet, vi que tinha muito pouca coisa e nenhum trabalho sistemático
sobre a sua história. Pensei sobre a importância de fazer isso, mas com pouco
conhecimentos na cidade, não sabia por onde começar, até que um amigo na minha
lista no facebook publicou que fazia parte de um grupo com esse objetivo. Me
ofereci para fazer parte e fui aceito. Estamos fazendo a pesquisa bibliográfica
e entrevistas para recuperar uma história que remonta aos povos indígenas que
viveram na região, bandeirantes, concessionários de sesmarias, barões do café,
imigrantes europeus em especial italianos, migrantes de várias cidades do
estado de São Paulo e regiões do Brasil, que fizeram da cidade o que ela é
hoje.
Neste
grupo, conheci uma pessoa que faz mensalmente uma feira, Leva e Traz, de troca
e empréstimo de livros. Sua base são alguns milhares de livros que foram
disponibilizados para que fizesse essa atividade. Vendo o objetivo comum que
une Leva e Traz com Leve este Livro Itupeva, estamos trabalhando em parceria,
um divulgando o trabalho do outro e, quando tem feira, recebo livros em doação, que são distribuídos pelo local com o marcador do Leve este Livro Itupeva e um
folheto da Leva e Traz.
Alguns
conhecidos dessa pessoa tiveram a iniciativa de implantar, em parceria com a
prefeitura municipal, um poste da paz em uma das praças da cidade. Para saber
mais sobre essa iniciativa, que é internacional, veja http://www.itu.com.br/cotidiano/noticia/simbolo-internacional-poste-da-paz-e-inaugurado-em-itu-20151029
ou qualquer outra das milhões de notícias que pode encontrar através do Google.
Está sendo viabilizada uma proposta de revitalização da Praça da Bíblia, onde o
poste foi instalado, transformando-a em uma praça de cultura e lazer, aberta à
toda a população da cidade e turistas.
A
atual gestão do município, iniciada em 2017, herdou uma dívida superior à
arrecadação anual. O atual prefeito se queixa que essa dívida tem limitado a
sua ação para o desenvolvimento da cidade e muitas pessoas se queixam,
principalmente no facebook, da falta de qualidade dos serviços prestados pela
administração municipal. Seria bem-vindo um Observatório da Sociedade Civil para
acompanhar e fiscalizar a elaboração e execução do orçamento, experiência já
adotada em várias cidades brasileiras. Isso poderia levar a adoção de um
Orçamento Participativo, também uma experiência já feita em vários lugares. Um Fórum
Social Municipal, que congregue organizações de bairro e outras da cidade,
empresários e poder público, experiência também já adotada em muitas cidades,
poderia contribuir para a definição de prioridades de investimento e solução de
problemas do município.
Cabe
ressaltar que todas essas ações são e poderão continuar a ser feitas por
pessoas que têm a sua profissão ou são aposentadas como eu e que queiram
disponibilizar parte do seu tempo para ações de interesse coletivo. Não
envolvem, necessariamente, trabalho remunerado ou a formalização, com o ônus da
burocracia e despesas que acompanham o registro, de uma associação.
Por
isso, a partir de agora, esse blog passará a relatar experiências de
desenvolvimento da cidadania, que podem inspirar a implementação de experiência
similares em qualquer lugar do Brasil ou mesmo de outros países. É preciso nos apropriarmos e nos responsabilizarmos pelo futuro da nossa cidade, estado ou país. Afinal, Associação, formal ou informal; no campo, na cidade ou na floresta; nos sítios, terras indígenas ou quilombolas; na beira-rio ou beira-mar, é para fazer juntos.
Falo também em
outros países porque a internet rompeu fronteiras e, nesses sete anos, pessoas de 99
nações têm visualizado as experiências aqui publicadas.