Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 10 de abril de 2017

Protagonismo, empoderamento e empodimento

Escrito “a quatro mãos” com
Patrícia Andrade Machado


O Brasil tem, desde o início da ocupação europeia, um histórico de discriminação, inicialmente com relação aos índios, que não correspondiam aos padrões europeus de uso dos recursos naturais, formas de organização e cultura, depois com os negros, cuja escravização viabilizou economicamente a colonização e quase todo o período imperial e ao longo de cinco séculos com todos os povos e comunidades tradicionais, além dos pobres, das mulheres e tantos outros. Não é só no Brasil, claro, mas isso não justifica.

É uma pena, porque uma das grandes riquezas do país é a diversidade social, cultural e econômica que esses povos e comunidades oferecem a todos nós.

Como reação a essa discriminação, nas últimas décadas tem crescido um movimento de protagonismo e empoderamento dos negros, mulheres, comunidades da periferia das cidades, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais entre outros. Organizações da sociedade civil têm incentivado esse movimento e esse discurso tem sido apropriado por lideranças desses povos e comunidades.

Fico às vezes pensando se esse é um bom caminho. Protagonista é o primeiro lutador ou competidor, na raiz latina do termo, “protos” – principal, primeiro, e de “agonistes” – lutador, competidor. É, mais contemporaneamente, o personagem principal de uma peça de teatro, filme ou novela. Tenho ouvido falar muito do protagonismo indígena nas aldeias e com as associações com quem tenho trabalhado. E, quando trabalhei com associações de mulheres indígenas, elas é que queriam ser protagonistas. Também falam do protagonismo dos negros e aí por diante. Será possível todos serem os primeiros ou principais? Será que tem gente e organizações “vendendo o que não podem entregar”?

Empoderamento, uma tradução da expressão em inglês, empowerment, significa, como já publicado neste blog em janeiro de 2016, uma ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma realidade em que se encontra. O empoderamento possibilita a aquisição da emancipação individual e também da consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e dominação política. O empoderamento devolve poder e dignidade a quem desejar o estatuto de cidadania, e principalmente a liberdade de decidir e controlar seu próprio destino com responsabilidade e respeito ao outro. No entanto, na prática, esse conceito tem sido entendido mais como adquirir ou atribuir poder a alguém. Poder é o direito de deliberar, agir, mandar e, dependendo do contexto, exercer sua autoridade, soberania, a posse de um domínio, da influência ou da força.

Se temos no país uma grande diversidade de histórias, culturas, organizações, com suas formas próprias de relação com a natureza e uso dos recursos naturais, não deveríamos todos direcionar nossos esforços para o “bem viver” de todas?

Se discriminar é distinguir, separar, afastar, não será também discriminação quando destacamos que determinado grupo, comunidade ou povo deve ter protagonismo ou empoderamento? Vamos considerar uma região onde convivem de alguma maneira mulheres e homens, negros, índios e brancos, por exemplo. Se cada um deles for estimulado a ser o protagonista, o principal e a ter o poder, ser empoderado, não estaria sendo criada uma disputa entre eles ao invés de estimular a luta solidária pelos direitos de todos?

Há quem fale em “discriminação positiva”, quando são tomadas medidas que favorecem os que têm sido discriminados. Será mesmo possível que alguma discriminação seja positiva? Discriminar é o melhor caminho para acabar com a discriminação?

Dada a sua diversidade e às relações históricas que tem feito do Brasil o que ele é, a questão não é tanto étnica, de gênero, faixa etária ou outra, mas dos direitos. Todos têm o direito de ter os seus direitos conquistados e garantidos.

No final do ano passado, vi em um programa de televisão o relato da experiência de mulheres do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais. Região de clima semiárido, que oferece condições bastante difíceis para as famílias, os maridos e filhos adultos migram temporariamente para outras regiões do Brasil onde encontram trabalho, deixando suas esposas e mães. Estas vivenciam condições difíceis para se manter até o retorno dos maridos e filhos.

Detentoras de uma rica arte em cerâmica, essas mulheres foram estimuladas a produzir e comercializar seus produtos como forma de geração de renda para melhorar suas condições de vida enquanto os homens da família buscavam renda com seu trabalho em outras regiões. Também abriram as suas casas para receber turistas que, além de conhecer seus produtos artesanais, passaram a conhecer também seu modo de vida, culinária, etc. “O dinheiro levado pelos visitantes impacta toda a comunidade, muito além das artesãs. Ele circula na mão de quem oferece a hospedagem, cozinha o almoço, assa o bolo para o café da tarde, faz os doces para a sobremesa e assim por diante”Daí deram origem ao conceito de “empodimento”, uma versão mineira do empoderamento, com o foco em “nóis pode”.

A tomada de consciência, levada à prática, de que “nóis pode” ter nossos saberes e habilidades reconhecidos e valorizados; “nóis pode” trabalhar juntos, gerar renda e melhorar nossas condições de vida; “nóis pode” conquistar e garantir os nossos direitos, gera um grande ganho de liberdade e promoção da dignidade de todos os envolvidos e ninguém se coloca à frente nem exclui ninguém. Pelo contrário, agrega pessoas e organizações que queiram somar e indica um caminho alternativo e possível que pode ser disseminado para outras comunidades, formando uma rede capaz de tornar o Brasil um lugar do “bem viver” para todos nós. Desde então passei a pensar que empodimento parece bem melhor do que protagonismo ou empoderamento.

“O barro ensina as pessoas que têm boas ideias. Quando o barro é ruim, não dá liga. Quando a ideia é ruim, não dá liga também.” É o que diz Dona Rosa, do Vale do Jequitinhonha.